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Viagra no direito de família

Ascom

Publicado no Jornal Folha de São Paulo no dia 11/7/1998

A evolução do conhecimento científico tem feito grandes interferências na ciência jurídica, contribuindo para sua evolução. Por exemplo: a psicanálise, demonstrando que a objetividade dos atos e fatos jurídicos está permeada de uma subjetividade que o direito não pode mais desconsiderar; a engenharia genética, revelando, pela via dos exames de DNA, a paternidade biológica e crimes nunca antes desvendados; as ciências sociais e “psis”, contribuindo para a determinação de guarda de filhos, tutela e curatela; e, recentemente, a medicina e a farmacologia, que, ao lançarem a pílula contra a impotência, intervêm em um dos principais motivos de anulação de casamento.

Essa forma de dissolução de sociedade conjugal está prevista em toda legislação civil ocidental, por origem no direito canônico e influência do Código de Napoleão (1804). No ordenamento jurídico brasileiro, o cônjuge enganado tem o prazo de até dois anos para requerer a anulação, demonstrando o erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge (art. 219, CCB).

O engano ensejador de anulação de casamento deve ser objetivo. Caso contrário, todos os casamentos seriam anuláveis, pois é muito comum as pessoas se sentirem enganadas quando o véu da paixão já não encobre os defeitos do outro. Dentre esses fatos objetivos está a impotência masculina e a frigidez feminina. Mas também não é qualquer impotência. É necessário que seja “coeundi”, ou instrumental, isto é, uma impotência hábil a qualificar o erro gerador de anulação de casamento. Deve ser perpétua e insanável, ainda que não persista em relação a outras pessoas.

Com a evolução do conhecimento médico e farmacêutico, a alegação de erro essencial em razão da impotência sexual masculina pode não ser mais invocada. É que esse erro tornou-se sanável a partir das pílulas contra a impotência.
Mas a pílula da potência, o Viagra, está fazendo muito mais que chegar a evitar o desfazimento do negócio jurídico do casamento pela via da anulação. Ela não significa apenas mais um compromisso com a terapêutica da impotência “coeundi”. O Viagra vem anunciar a fé no significante maior da masculinidade de nossa cultura: garantia de potência ao símbolo fálico. É a possibilidade de eliminação do fantasma sexual masculino: o medo do falo não falar a que veio na “hora H”. Portanto, ele é a promessa de sustentação da cultura fálica, hoje tão ameaçada no pós-feminismo.

Toda a repercussão em torno desse simples comprimido está para muito além da impotência. Talvez o seu valor maior seja mesmo, e apenas, o de dar mais potência, o que vem fazer uma grande revolução na sexualidade masculina, pois toca diretamente nos fantasmas construídos a partir do medo, ou, da possibilidade de falhar. Assim, o direito de família sofre suas repercussões, já que quase toda a organização jurídica sobre a família gira em torno das questões do afeto e da sexualidade, começando pela lei básica e fundante de qualquer organização social, o incesto.

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