Tribunal nega o reconhecimento de união estável simultânea ao casamento após a morte do companheiro
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT
A 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, por unanimidade, manteve a sentença de 1a instância, que indeferiu o reconhecimento de união estável, após morte, com pessoa que era legalmente casada.
A autora interpôs recurso de apelação contra a decisão do juiz, que entendeu não ser possível o reconhecimento de união estável, sem comprovação da separação de fato com o cônjuge de direito. Nos argumentos do recurso, pleiteou que a sentença deveria ser anulada, pois não lhe foi permitido produzir provas testemunhais para comprovar o fato alegado, além de acreditar ter sido amplamente comprovado nos autos os requisitos para caracterizar a união, principalmente pela demonstração da convivência como marido e mulher.
Apesar dos argumentos da autora, os desembargadores entenderam que a sentença deveria ser integramente mantida e afastaram as alegações de nulidade. Esclareceram que a união estável “é uma relação com aparência de matrimônio, baseada na convivência pública, contínua e duradoura, com a finalidade de constituir família, desejo que deve ser de ambos os envolvidos, e não de apenas um deles, além da ausência dos impedimentos matrimoniais contidos no art. 1.521 do Código Civil”.
Assim, o fato de uma das partes ser casada impede o reconhecimento da união. “Nos termos do art. 1.723, § 1º, e art. 1.521, VI, do Código Civil, é descabido o reconhecimento da união estável com pessoa casada, quando não comprovada a separação de fato. Consequentemente, mantida a vida em comum entre os cônjuges (ou seja, inexistindo separação de fato), não se poderá reconhecer a união estável de pessoa casada”.
Ademais, os julgadores explicaram que no caso em tela restou demonstrado que a estrutura familiar matrimonial do falecido foi preservada até a data do óbito, e que a própria autora tinha ciência de que o de cujus era casado com outra mulher, com a qual convivia. Logo, não há que se falar em reconhecimento da união estável putativa, ou seja, na qual a companheira não tem conhecimento do matrimônio anterior – único caso que possibilitaria a “excepcional simultaneidade de núcleos familiares conforme jurisprudência do c. STJ.”
Processo em segredo justiça.
Famílias simultâneas
Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, essa decisão endossa uma lógica moralista em que o Judiciário continua preferindo fazer de conta que as famílias simultâneas não existem, tirando a responsabilidade de quem, adulto e por livre e espontânea vontade, constitui uma união simultânea a outra, pois nenhuma responsabilidade ele terá com esta segunda família.
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Ele ressalta ainda que, se uma família se formou, simultaneamente à outra, o princípio da monogamia deve ser sopesado e ponderado com o macroprincípio da dignidade humana, para efeitos de atribuição de direitos.
Para o advogado, julgamentos como esse acabam sendo muito mais morais do que jurídicos. “Sabemos que os julgadores são imparciais, mas não são neutros. E, nessa não neutralidade, entra toda a concepção moral particular de cada julgador. É aí que se misturam ética e moral, Direito e religião, proporcionando injustiças e exclusões de pessoas e categorias do laço social”, revela o especialista.
O advogado ressalta ainda que, constituir uma família simultânea nada tem a ver com ter uma “amante”, como se propaga erroneamente. “Amante não tem direito a nada, a não ser aos prazeres que dá e recebe. Por fim, esse julgamento revela o quanto o Estado ainda não é laico, e como a moral que conduz tais decisões pode ser perigosa e excludente. A Constituição da República diz em seu artigo 226 que todos os filhos e famílias são legítimos. No entanto, os tribunais continuam ilegitimando determinadas formas de família. Até quando?”, questiona.
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