TRF5 concede a divisão de pensão por morte entre duas famílias
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, por maioria de votos, determinou o rateio do benefício da pensão por morte de um servidor público federal que manteve, concomitantemente, um casamento e uma união estável. O benefício será dividido entre a esposa, a companheira e a filha desta última.
Para o desembargador federal Rubens Canuto, condutor do voto vencedor, caso provada a existência de relação extraconjugal duradoura, pública e com a intenção de constituir família, ainda que concomitante ao casamento, deve ser conferida a ela a mesma proteção dada à relação matrimonial e à união estável, mas desde que o cônjuge não faltoso com os deveres do casamento tenha efetiva ciência da existência dessa outra relação fora do casamento.
“As provas denotam que o falecido, quando vivo, dispensava cuidados também em relação à autora, notadamente quanto à sua saúde, moradia, assistência afetiva, inclusive por meio de conversas telefônicas que chamaram atenção da viúva, e financeira, por meio de transferência de valores mensais em conta corrente, ainda que por intermédio de familiares, sem olvidar das fotografias que revelam a participação do falecido em diversos momentos da vida em comum também com a parte autora”, afirmou o magistrado.
De acordo com os autos, a companheira teve dois filhos com o servidor público fruto do relacionamento de 30 anos. Segundo Canuto, da análise do contexto fático-probatório, extraem-se dos autos que a esposa tinha conhecimento de que seu marido, quando em vida, mantinha relacionamento simultâneo ao casamento. “As declarações da demandada, seja ao afirmar que percebia as comunicações por meio de celular entre seu marido e a autora, seja ao confirmar que sabia da construção de uma ou duas casas para a demandante e sua família, revelam o conhecimento e aceitação da relação concomitante”, esclareceu.
Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, essa decisão demonstra a sensibilidade do magistrado ao não hierarquizar os modelos de família e conceder direitos inerentes aos dois tipos de relação. “Não podemos de imediato considerar apenas o casamento como modelo familiar legítimo, é preciso sempre considerar a realidade das relações e os vínculos constituídos”, ressalta.
Para o advogado essa decisão reforça a igualdade, do ponto de vista jurídico, da instituição do casamento e da união estável. “Se a companheira viveu com o falecido por 30 anos até o momento de sua morte, por que não conceder-lhe tal Direito?”.
“Não conceder direitos decorrentes de uma família paralela, seria repetir as injustiças históricas de ilegitimação e condenação à invisibilidade social. Reafirmar uma moral hipócrita e excludente do ‘faz de conta que esta família não existe’”, acrescenta.
O advogado explica ainda o que é e quais são os direitos das uniões constituídas simultaneamente ao casamento.
“É a união estável paralela ou simultânea a outra união estável ou ao casamento. Tal união pode constituir família paralelamente a outra família, ou não. A relação paralela que caracteriza uma outra família é aquela que não é eventual e preenche os requisitos de uma união estável, assim como vimos nessa decisão. Após a Constituição de 1988, em que se atribuiu o nome de união estável às famílias constituídas sem o selo da oficialidade do casamento, passou-se a chamar de concubinato as uniões paralelas ao casamento. Atualmente, o termo concubinato não é adequado. Isso porque traz consigo uma enorme carga de preconceitos. Como disse o ministro Carlos Ayres Britto (STF) é uma palavra ‘azeda’, ‘feia’, ‘discriminadora’ e ‘preconceituosa’. Não ha concubinos para a Lei Mais Alta do nosso País, porém casais em situação de companheirismo. A união paralela é fonte de direitos e obrigações, quando se constitui ali um núcleo familiar” diz.
Verbete Família Simultânea do Dicionário de Direito de Família e Sucessões.
FAMÍLIA SIMULTÂNEA [ver tb. casamento putativo, família paralela, família simultânea, triação, união estável putativa, união paralela, união simultânea] – É a família que se forma simultânea ou paralela a outra família. O princípio da monogamia, embora funcione também como um ponto‑chave das conexões morais das relações amorosas e conjugais, não pode ser visto como uma norma moral ou moralizante. Sua existência, nos ordenamentos jurídicos que o adotam, tem a função de um princípio jurídico organizador. Quando falamos em monogamia estamos nos referindo a um modo de organização da família conjugal. O seu negativo, ou o avesso desse princípio, não significa necessariamente o horror de toda organização social, ou seja, a promiscuidade. Traição e infidelidade não significam necessariamente a quebra do sistema monogâmico.
A caracterização do rompimento do princípio da monogamia não está nas relações extraconjugais, mas na relação extraconjugal em que se estabelece uma família simultânea àquela já existente, seja em relação ao casamento, união estável ou a qualquer outro tipo de família conjugal. Tomamos aqui a expressão conjugal para fazer uma diferenciação à família parental. Uma pode conter ou estar contida na outra, mas se diferenciam por ser a família conjugal assentada no amor conjugal, que pressupõe o amor sexual. A fidelidade só tornou‑se lei jurídica, isto é, um dos deveres do casamento porque o “impulso” da infidelidade existe.
Para determinadas pessoas, a fidelidade é intrínseca à sua personalidade e funciona como um pressuposto natural de respeito e para elas não haveria a menor necessidade de colocá‑la como um dever, já que ele é inerente a essas pessoas. Para outras, ela torna‑se necessária como um dever legal, pois são naturalmente infiéis ao parceiro, ou têm uma propensão natural à infidelidade e, portanto, precisam sofrer um interdito proibitório, que tem também a função de barrar ou conter os excessos daquilo que extrapola o convencionado no campo social. Este é também um dos sentidos da lei jurídica, ou seja, um interdito proibitório dos impulsos inviabilizadores do convívio social. Para aqueles que não têm determinadas leis internas, a lei externa, ou melhor, a lei jurídica deve existir. Os ordenamentos jurídicos mais modernos, e entre eles o brasileiro, têm adotado cada vez mais a tendência de abolição de culpa pelo fim da conjugalidade. Se dever de fidelidade perde sua força como regra jurídica para alegação de separação, qual a sanção aplicável à quebra deste dispositivo? É possível obrigar alguém a ser fiel? Enquanto houver desejo, haverá quem cobice a mulher do próximo, tenha relações extraconjugais e infrinja o dever de fidelidade, elo de sustentação do sistema monogâmico. As razões são as mais variadas e transitam sempre pela ordem do desejo. O desejo encaminha, às vezes desencaminha ou segue caminhos tortuosos e escapa ao normatizável.
Se uma família se formou, simultaneamente à outra, o princípio da monogamia deve ser sopesado e ponderado com o macroprincípio da dignidade humana, para efeitos de atribuição de direitos. Essa ponderação de princípios é necessária para que não se repitam as injustiças históricas de exclusão de determinadas pessoas e categorias de laço social ao condená‑las à invisibilidade como aconteceu com os denominados filhos e famílias ilegítimas até a Constituição da República de 1988.