TRF 3 Benefício previdenciário
Segundo os ensinamentos de Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, respeitáveis juristas no âmbito do Direito Civil, o delineamento do conceito de União Estável:
“(…) deve ser feito buscando os elementos caracterizadores de um ‘núcleo familiar’. É preciso saber se daquela relação nasceu uma entidade familiar. Os ingredientes são aqueles já demarcados principalmente pela jurisprudência e doutrina pós-constituição de 1988: durabilidade, estabilidade, convivência sob o mesmo teto, prole, relação de dependência econômica. Entretanto, se faltar um desses elementos, não significa que esteja descaracterizada a união estável. É o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva e amorosa uma família, repita-se.” (Direito de Família e o Novo Código Civil – coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira – Editora Del Rey – 2a Edição – 2002 – p.227).
(…)
TRF-3 – RI: 00020910720164036330 SP, Relator: JUIZ(A) FEDERAL FABÍOLA QUEIROZ, Data de Julgamento: 05/08/2020, 12ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial DATA: 20/08/2020
TERMO Nr: 9301148955/2020
PROCESSO Nr: 0002091-07.2016.4.03.6330 AUTUADO EM 28/06/2016
ASSUNTO: 040400 – PEDIDOS GENERICOS RELATIVOS AOS BENEFICIOS EM ESPECIE
CLASSE: 16 – RECURSO INOMINADO
RECTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – I.N.S.S. (PREVID) E OUTRO
ADVOGADO(A)/DEFENSOR(A) PÚBLICO(A): SP999999 – SEM ADVOGADO
RECDO: J. L. L.
ADVOGADO(A): SP074114 – CHARLES GILSON ROSSI
DISTRIBUIÇÃO POR SORTEIO EM 17/06/2020 12:21:04
I – RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto pela corré contra sentença que julgou procedente o pedido de anulação do ato administrativo que concedeu a pensão por morte para a corré, determinando o pagamento da pensão por morte integral para a filha do de cujus.
A recorrente requer a reforma da sentença, afirmando fazer jus a pensão por ter comprovado a convivência pública e a união estável com o de cujus.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
II – VOTO
Não obstante os argumentos do recurso, a sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, não merece reparos. Por isso, deve ser mantida por sua própria motivação, conforme autoriza o artigo 46 da Lei 9.099/1995 e transcrita a seguir:
“(…)
A autora J. L. L. ajuíza a presente ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS e de É. B. B. pleiteando a exclusão de É. do rateio do benefício previdenciário pensão por morte instituído por seu genitor Silvio Lessa Luciano, falecido em 26/12/2013.
Para análise do pedido de estabelecimento integral da quota da pensão por morte a favor da parte autora JOYCE é preciso antes verificar se a concessão da pensão por morte à corré ÉRICA foi de fato ilegal.
Como é cediço, a invalidação do ato administrativo pressupõe a existência de vício de legalidade, que nas palavras do doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, a invalidação “é a forma de desfazimento do ato administrativo em virtude da existência de vício de legalidade” (in Manual de Direito Administrativo, 13ª edição, Rio de Janeiro: 2005. p. 124).
Como se verifica do conjunto probatório, o INSS reconheceu a condição de companheira de ÉRICA após justificação administrativa e procedeu à concessão do benefício de pensão por morte NB 1671202829 a seu favor partir de 26/12/2013.
Ocorre que a referida decisão administrativa não produz coisa julgada material, daí consiste o interesse de agir da parte autora no pronunciamento judicial com força de definitividade.
Outrossim, também se objetiva com a presente ação a restituição dos valores descontados da parte autora pelo INSS em razão do desdobramento do benefício com a outra dependente.
No caso em questão, depois de detida análise de todo o processado e da oitiva das partes, das testemunhas por elas arroladas e daquelas arroladas pelo Juízo, convenci-me de que a corré ÉRICA BARBOSA BATISTA, a rigor, não era companheira do instituidor do benefício por ocasião do seu óbito, nem dele dependia economicamente.
No que pertine à qualidade de companheira, a Constituição de 1998 estendeu a proteção dada pelo Estado à família para as entidades familiares constituídas a partir da união estável entre homem e mulher nos termos do art. 226, § 3º, da Constituição Federal:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(…)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
A Lei nº 9.278, de 10/05/1996, por sua vez, regulamentou o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, especificando o que seja a união estável como entidade familiar:
“Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Por sua vez, o Código Civil conceitua a União Estável no artigo 1.723 como sendo a entidade familiar entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituir família.
Segundo os ensinamentos de Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, respeitáveis juristas no âmbito do Direito Civil, o delineamento do conceito de União Estável:
“(…) deve ser feito buscando os elementos caracterizadores de um ‘núcleo familiar’. É preciso saber se daquela relação nasceu uma entidade familiar. Os ingredientes são aqueles já demarcados principalmente pela jurisprudência e doutrina pós-constituição de 1988: durabilidade, estabilidade, convivência sob o mesmo teto, prole, relação de dependência econômica. Entretanto, se faltar um desses elementos, não significa que esteja descaracterizada a união estável. É o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva e amorosa uma família, repita-se.” (Direito de Família e o Novo Código Civil – coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira – Editora Del Rey – 2a Edição – 2002 – p.227).
Assim, para se caracterizar a união estável é fundamental que haja a conjugação de elementos subjetivos (animus de constituir família, relacionamento afetivo recíproco) e objetivos (convivência alastrada no tempo e em caráter contínuo). A ausência de algum dos requisitos não deve elidir por completo o referido instituto, contudo deve existir, ao menos, a intenção de constituir relação conjugal, mesmo que à margem do matrimônio.
No caso dos autos, a corré ÉRICA afirmou em seu depoimento que morou 2 anos com Silvio e tinha relacionamento com ele desde 2006. Disse que sempre trabalhou, que não tiveram filhos. Relatou que não teve relacionamento com a filha do falecido, a autora JOYCE, porque o falecido queria evitar confusão. Afirmou que sua cunhada Silvia lhe tirou todos os seus direitos de companheira. Pedia a ela para ver Silvio enquanto ele esteve em tratamento, já que acreditava que estava internado em São José dos Campos. Não foi visitá -lo porque Silvia não permitiu que fosse e não sabia exatamente onde se encontrava. Ficou na casa da sua mãe enquanto Silvio esteve hospitalizado. Questionada sobre a propriedade do carro de Silvio, esclareceu que sabia que o bem estava em nome de “Simone” que, segundo sabe, foi uma namorada dele.
Mesmo que ÉRICA tenha sido de fato a última namorada de Silvio, a partir das informações por ela mesma prestadas não me pareceu que este relacionamento foi apto a configurar uma união estável. Digo isto porque se infere que ela não foi apresentada à família nem mesmo à filha do de cujus na condição de esposa. Além disto, malgrado as justificativas apresentadas, estranha o fato de ERICA ter ficado do dia 12 ao dia 25 de dezembro sem ver Silvio, só perguntando por ele à sua irmã, o que não é típico de uma companheira diante de um momento de internação em razão de doença em estado terminal.
As testemunhas arroladas pela corré também não lhe foram favoráveis. José Célio apenas vendeu um colhão à ÉRICA e ia até a residência receber o valor das prestações. Questionado se ÉRICA e Silvio moravam juntos, limitou-se a dizer que achava que sim. Não demonstrou conhecimento ou segurança para confirmar a natureza do relacionamento existente entre a corré e o falecido. Hamilton Machado, por sua vez, afirmou expressamente que ERICA e Silvio namoravam. Disse não saber se Silvio era casado, muito menos teve certeza de que a corré morava com ele, já que nunca foi até a casa deles.
Chamou-me a atenção, noutro sentido, o testemunho da senhora Lúcia de Fátima Machado Cardoso, arrolada pela requerente. Com efeito, de acordo com a testemunha, ela e Silvio eram vizinhos e pertencentes ao mesmo grupo de oração. Disse que nunca viu e que não conhece ÉRICA. Afirmou que por vezes que foram orar na casa de Silvio e certa vez lhe perguntou ele como ele “se virava” sozinho, sem ninguém, oportunidade em que ele lhe respondeu que de vez em quando pagava uma mulher para fazer a limpeza e alguma comida.
Disse que foi várias vezes na casa de Silvio após o culto (entre as 21 horas – 22 horas) inclusive durante o tempo em que ele esteve doente.
Portanto, após a prova oral foi possível verificar que a corré ÉRICA não ostentava a condição de companheira do segurado por ocasião do seu óbito, sendo incerta a existência de vida em comum.
No mais, repito, a falta de apoio e contato por parte da corré quando da internação do segurado demonstra claramente a fragilidade do relacionamento entre eles.
Neste sentido, a propósito, o entendimento exposto na sentença do Juízo da Vara da Família e Sucessões desta Comarca de Taubaté nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem movida por ERICA contra JOYCE (autos de n.º 1006445-97.2014.8.26.0625):
“Ainda, de causar estranheza e a militar contra a pretensão deduzida, a alegação da postulante pretendendo o reconhecimento da união frente ao fato de não ter sido a autora a pessoa responsável por empreender os últimos cuidados em favor do finado, na oportunidade em que esse último se encontrava internado no hospital local, próximo da data de seu óbito, pois, presume-se que, havendo o efetivo ânimo de constituição de família, a companheira deveria estar presente, principalmente por se tratar de momento delicado e grave que se passava, em situação de entrega de cuidados extremos e de solidariedade dado que, na hipótese, havia a iminência da perda de ente querido, o companheiro. Pior: ainda foi possível concluir, pelo contido nos autos (fls. 157, 193/195 – com documentos – fls. 340/341 e 346) que havia outra pessoa, suposta namorada do falecido, de prenome “Neia”, que realizava revezamentos nos cuidados com o de cujus, alternando-se com a irmã do finado, Carmen. Assim, não só a ausência da autora no período supra, mas ainda a participação de terceira pessoa, com atribuição do suposto “status” de namorada do de cujus permitem inferir a ausência de união estável entre o casal debatido (dada a inexistência do elemento lealdade, com natureza de “fidelidade”).
No mais, observo que com exceção dos documentos relativos ao cartão de benefícios ECONLIFE, nos quais a corré ÉRICA figura como dependente do instituidor Silvio desde 04/2013, a prova documental produzida nos autos é extremamente frágil para demonstrar a existência de endereço e de vida em comum entre o casal. As declarações de acompanhamento e recibos acostados neste processo judicial e no administrativo – alguns posteriores ao óbito de Silvio – comprovam, isto sim, a existência de algum relacionamento entre ele e a corré, mas não denotam, por si sós, o caráter público, exclusivo, duradouro e sobretudo familar desta união.
Assim, restou evidente, a meu sentir, que a corré ÉRICA BARBOSA BATISTA prestou perante o INSS informação inverídica para obtenção do benefício de pensão por morte.
Assim, há vício no motivo do ato administrativo, posto que o benefício foi concedido com base em fundamento inexistente (a união estável), incompatível com a verdade real, posteriormente apurada na via judicial comum e também na presente ação.
Assim, determino a anulação do ato administrativo que concedeu o benefício de pensão por morte a favor de ÉRICA BARBOSA BATISTA, em razão da inexistência de união estável por ocasião do óbito de Silvio Lessa Luciano. Por consequência, determino a exclusão da corré do rateio do benefício de pensão por morte, bem como o pagamento à autora JOYCE LEITE LUCIANO dos valores que deixou de receber ou que foram descontados administrativamente do seu benefício.
(…)”
Os depoimentos mencionados no recurso, principalmente do Major Marcelo de Oliveira Garcia, não são suficientes para alterar a sentença.
O depoimento do Major, não obstante apontar pela existência da união estável, é vago e em nenhum momento afirma ter convivido com o casal, limitando-se a dizer que o falecido mencionava a recorrente. Afirma que a conhecia por nome e nunca a encontrou.
Por outro lado, a alegação da Recorrente de que “teria sido enganada pela irmã do falecido” e que teria sido impedida de vê-lo não veio acompanhada de qualquer prova.
Ao contrário. As provas dos autos, como já constatou a sentença, demonstram que não havia união estável entre a Recorrente e o falecido.
Nenhum reparo merece a sentença recorrida, que resta confirmada pelos próprios fundamentos, nos termos do artigo 46, da Lei nº 9.099/1995. A esse respeito, ressalte-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a adoção dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, in verbis:
EMENTA – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX ,da Constituição do Brasil. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJE nº 227, Publicação 28/11/2008).
Nestes termos, não merece guarida o recurso interposto.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, nego provimento ao recurso da parte ré, conforme a fundamentação supra, mantendo a sentença pelos próprios fundamentos nos termos do artigo 46, da Lei nº 9.099/1995, combinado com o artigo 1º da Lei nº 10.259/2001.
Nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95 combinado com o artigo 1º da Lei 10.259/2001, condeno a parte recorrente vencida ao pagamento de honorários no valor de 10% (dez por cento) do valor da condenação, ficando suspensa a execução dos honorários conforme o § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
É o voto.
IV – ACÓRDÃO
Visto, relatado e discutido este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Segunda Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região – Seção Judiciária do Estado de São Paulo, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do voto da Juíza Federal Relatora.
Participaram do julgamento os (as) Juízes (as) Federais Fabíola Queiroz de Oliveira, Fernanda Soraia Pacheco Costa Clementi e Luciana Melchiori Bezerra (suplente).
São Paulo, sessão em 04 de agosto de 2020.