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TJSC: Diferença entre namoro e união estável

Ascom

(…) “Cumpre esclarecer, a propósito, que não se pode confundir o instituto da união estável com relação afetiva passageira, sem maiores compromissos. Naquela, há a configuração de relação séria, exclusiva, com real objetivo de constituição de família, envolvendo mais do que a coabitação do casal, agasalhando a própria comunhão de vidas, enquanto no namoro ou relação aberta, tem-se um relacionamento descompromissado e inconsequente.” (…)

Apelação Cível n. 2014.037134-2, de Itajaí
Relator: Des. Ronei Danielli
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. COMPROVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA ESTÁVEL POR APENAS DOIS ANOS (DE 2004 A 2006). RECURSO DA AUTORA. ROMPIMENTO FARTAMENTE DOCUMENTADO. PROVA TESTEMUNHAL DANDO CONTA DA RETOMADA DO RELACIONAMENTO AMOROSO, PORÉM SEM A SERIEDADE DE PROPÓSITOS DE OUTRORA. EXISTÊNCIA DE ENVOLVIMENTO AFETIVO DO FALECIDO COM OUTRAS MULHERES A DENOTAR O DIFERENTE TOM ASSUMIDO PELO CASAL APÓS O TÉRMINO DA UNIÃO EM 2006. SIMPLES NAMORO QUE DIFERE ONTOLOGICAMENTE DA RELAÇÃO PRECONIZADA PELA CONSTITUIÇÃO E PELO CC/02 (ART. 1723). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2014.037134-2, da comarca de Itajaí (Vara da Família), em que é apelante M. P., e apelada E. C. C., D.P.C. e M. de F.C., representados pela mãe L. de F.C.:
A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo relator e dele participaram a Exma. Sra. Desembargadora Denise Volpato e o Exmo. Sr. Desembargador Eduardo Mattos Gallo Júnior.
Florianópolis, 04 de novembro de 2014.

Ronei Danielli
PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO
M. P. promoveu, perante o juízo da Vara da Família da comarca de Itajaí, ação de reconhecimento de união estável post mortem em face de E. P. C., D. P. C e M de F. C., esses últimos assistidos pela mãe, L.F. C..
Na sentença, o Magistrado Roberto Ramos Alvim julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a existência de união estável somente no período compreendido entre os anos de 2004 a 2006, com o consequente direito à partilha dos bens adquiridos nesse interregno. Determinou, por fim, a divisão igualitária das custas processuais entre os litigantes, suspensa a exigibilidade em virtude do benefício da gratuidade judiciária concedido às partes.
Irresignada, apela a demandante, pugnando pela reforma da decisão, notadamente diante da farta prova testemunhal produzida afirmando a convivência entre ela e o falecido, ainda que não sob o mesmo teto. Destacou que a coabitação more uxorio não é requisito indispensável a caracterização da união estável, de modo que deve prevalecer tal intelecção para reconhecer a retomada do relacionamento em 2006, perdurando até a morte do companheiro, ocorrida em 2012.
Apresentadas contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Vânio Martins de Faria, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Esse é o relatório.
VOTO
Trata-se de apelo visando à reforma da decisão que reconhece a existência de verdadeira união estável entre a autora e o falecido somente no período compreendido entre o ano de 2004 e o ano de 2006.
1. Preliminarmente
Antes de adentrar-se no mérito, mister o enfrentamento da preliminar de ausência de dialeticidade do recurso apontado em sede de contrarrazões, bem como do pedido de desentranhamento do documento juntado somente com o apelo.
A recorrente, apesar de reiterar as teses iniciais, contrapõe-se à sentença pontualmente, em especial na interpretação dos testemunhos colhidos, não configurando, portanto, o alegado vício da falta de dialeticidade.
De outro lado, razão assiste aos recorridos quando afirmam que os documentos colacionados às fls. 209/218 devem ser desentranhados, notadamente porque existentes ao tempo da propositura da ação, não se afigurando, assim, documentos novos, de modo a ensejar a sua juntada somente neste grau de jurisdição, consoante faculta o artigo 397 do Código de Processo Civil.
Desta feita, em obediência ao princípio do contraditório e da ampla defesa, os documentos trazidos com a apelação não serão objeto de análise.
2. Do mérito
O caso em debate não enseja maiores digressões.
Está-se diante de ex-casal que, não obstante tenha convivido por período de dois anos, inclusive com reconhecimento formal da relação no período indicado na sentença (de 2004 a 2006 – fl.15), enfrentou um rompimento marcante e até certo ponto traumático, visto que documentado em boletim de ocorrência, do qual se extrai:
Relata-nos o comunicante que desde a data e horário citados [09.09.2006, às 10:00 hs] vem sendo ameaçado de agressão e ofendido com palavras de baixo calão pela autora, sua ex-companheira, de nome M. P. Que devido a isso o comunicante retirou-se do local onde residiam. E como o comunicante agora está com outra companheira, a autora segue perturbando-o. Era o relato (fl. 79).
Com efeito, após o término do relacionamento afetivo, o falecido chegou mesmo a ficar noivo de outra mulher, consoante o testemunho de Valdir Lacerda:
Que a requerente e o falecido M. tiveram um caso em 2006, ou seja, viveram juntos por 01 ano e pouco; e depois se separaram […] que depois dessa separação M. não retornou o convívio com M. [demandante]. Depois do convívio com M. [demandante], chegou a ficar noivo de uma tal de Andreia; que o depoente chegou a ser padrinho de crisma de M, pois ele precisava desse sacramento para poder casar, o que pretendia fazer com Andreia; que M. esteve presente na primeira comunhão do filho de depoente na companhia de Andreia; que M. também teve envolvimento amoroso com Andressa, uns dois anos de seu falecimento […] (fl. 162).
Assim, em que pese ter havido uma inconteste relação entre 2004 e 2006, esta evidentemente fora rompida, dando lugar a outro tipo de relacionamento, mais assemelhado ao simples namoro.
Cumpre esclarecer, a propósito, que não se pode confundir o instituto da união estável com relação afetiva passageira, sem maiores compromissos. Naquela, há a configuração de relação séria, exclusiva, com real objetivo de constituição de família, envolvendo mais do que a coabitação do casal, agasalhando a própria comunhão de vidas, enquanto no namoro ou relação aberta, tem-se um relacionamento descompromissado e inconsequente.
Por relacionamento estável, aliás, deve ser entendido o propósito de constituição de família e comunhão de objetivos, tendo lecionado sobre o tema Dimas Messias de Carvalho:
É necessário a vida em comum, sendo inadmissível o simples namoro e relações passageiras sem qualquer compromisso. A coabitação é entendida como o objetivo de constituição de família. (Direito de Família. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p.253)
Essa é a tônica também do art. 1723 do Código Civil, que atualmente regula a caracterização da união estável na nova ordem civil, a exemplo da citada legislação anterior:
Art. 1723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Destaca-se que um dos elementos imprescindíveis à existência de uma união estável é a publicidade, ou seja, a convicção dos parentes, amigos e vizinhos acerca da relação conjugal como séria e exclusiva, tal qual acontece no casamento.
Na medida em que a prova testemunhal, como no caso em exame, é frágil e insegura, milita contra o reconhecimento de verdadeira união estável, que se sobressai aos relacionamentos passageiros pela notoriedade.
Sob esse aspecto, nem mesmo as testemunhas trazidas pela apelante conseguem estabelecer de modo claro e inequívoco a existência e, principalmente a duração da união estável entre as partes indicadas no processo.
Cite-se, por exemplo, o testemunho de Nadia Scheffer:
Que sabe que a demandante e o falecido M viviam juntos, que este convívio durou bastante tempo; que se não lhe falha a memória este convívio data de 2006; que durante este convívio M. namorou outra moça […] que M. teve uma kitnet alugada; que sabe que M. morava nesta kitnet até até o seu falecimento; que ora M. morava na sua kitnet, ora na casa da demandante […] (fl. 161).
Ora, evidencia-se do trecho reproduzido certa incoerência com relação ao período posterior à 2006, seja pela concomitância de outros namoros, seja pela nova postura assumida pelo ex-par, notadamente no que pertine à permanência de cada qual sob seu teto, ainda que com freqüentes encontros amorosos. Destaca-se, todavia, que não obstante a retomada do romance no período posterior à 2006, os propósitos de exclusividade e de formação familiar parecem ter sido abandonados, dando margem a uma relação de contornos mais flexíveis, não podendo ser, precisamente por isso, enquadrada no conceito de união estável.
Esse foi, aliás, o posicionamento adotado no parecer ministerial (fls. 237-247):
No presente caso, percebe-se que, tal como reconhecido pelo juízo a quo, não há qualquer dúvida de que M.P. e o de cujus M.S.C conviveram em união estável entre o ano de 2001 e meados de 2006.
O próprio casal, no dia 05 de abril de 2006, subscreveu declaração, com firma devidamente reconhecida, admitindo a convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família, desde o ano de 2004. Na mesma ocasião, afirmaram que residiam na Rua Olaria Pereira n.10, Bairro São Vicente, no município de Itajaí/SC (fl. 11).
Sucede que, segundo se pode extrair da lide, ainda no ano de 2006 o casal se separou, momento em que, inclusive, M.S.C passou a se relacionar com outra pessoa, de quem ficou noivo. (fl. 243).
Ressalte-se, portanto, que a apelante não se desimcumbiu do ônus de demonstrar inequivocamente a natureza de sua relação afetiva com o falecido após a ruptura ocorrida em 2006.
Diante da fragilidade da prova testemunhal produzida e da ausência de vestígios de que a retomada do relacionamento tenha ocorrido com propósito de comunhão de vidas e interesses, resta reforçada a ideia de um período subsequente de mero namoro.
Assim, parece crível supor que, após a primeira dissolução, tenham mantido um relacionamento amoroso descompromissado que, a toda evidência, difere ontologicamente da convivência preconizada pela Constituição e pelo Código Civil vigente.
Em caso semelhante, pronunciou-se o Tribunal Gaúcho, pela diferenciação da união estável do mero namoro, na Apelação Cível n. 70032657967, Sétima Câmara Cível, relator Desembargador José Conrado Kurtz de Souza, julgada em 11.11.2009:
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS NÃO COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. RELAÇÃO AFETIVA QUE NÃO CONFIGUROU UNIÃO ESTÁVEL, MAS MERO NAMORO. EXEGESE DO ARTIGO 1.723 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
[…] Hipótese em que restou evidenciada a ausência de condição similar a de casados, que deve ficar caracterizada pela prova dos requisitos da continuidade, publicidade e estabilidade, vertendo da probatória que as partes mantiveram somente um namoro, no transcorrer do qual, como é comum nos dias de hoje, pernoitavam juntos, viajaram, e trabalharam em parceria no mesmo ramo comercial, sem que isso possa representar união estável. Apelação desprovida. (sem grifo no original).
Por oportuno, colacionam-se também os precedentes desta Corte a respeito do assunto tratado:
1) Apelação Cível n. 2008.052797-1, de Blumenau, relator Desembargador Henry Petry Junior, Terceira Câmara de Direito Civil, julgada em 17.02.2009:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL COM PEDIDO DE PARTILHA. LEI N. 9.278/96. RELACIONAMENTO CARACTERIZADO COMO NAMORO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS INFORMADORES DA UNIÃO ESTÁVEL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
1. Conforme estipulado no art. 1° da Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, vigente quando do alegado término da relação afetiva, é reconhecida como entidade familiar “a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
2. Na ausência de prova de que os litigantes tenham mantido convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família, e não simples namoro, ônus este que competia à autora, não há como reconhecer a existência de união estável. (sem grifo no original)
2) Apelação Cível n. 2009.005826-6, de Blumenau, relator Desembargador Sérgio Izidoro Heil, Segunda Câmara de Direito Civil, Dje de 26.08.2010:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO CUMULADA COM PARTILHA DE BENS. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO COM CARACTERISTICAS DE NAMORO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL. ÔNUS QUE COMPETIA AO AUTOR, NOS TERMOS DO ARTIGO 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
“Na ausência de prova de que o casal tenha mantido convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família, e não simples namoro, ônus este que competia à autora, não há como reconhecer a existência de união estável” (AC n. 2008.052797-1, rel. Des. Henry Petry Junior, j. em 31/03/2009). (sem grifo no original)
3) Apelação Cível n. 2011.070927-4, de Concórdia, relator Des. Paulo Ricardo Bruschi, Câmara Especial Regional de Chapecó, julgada em 09.04.2013:
http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jspAPELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS, PENSÃO ALIMENTÍCIA E DANO MORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS A CORROBORAR A EXISTÊNCIA E DURAÇÃO DA RELAÇÃO AFETIVA ENTRE AS PARTES. OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA INDEMONSTRADO. EXEGESE DO ART. 1723 DO CÓDIGO CIVIL. ÔNUS QUE COMPETIA À AUTORA. IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DAS VERBAS ALMEJADAS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
“Não se pode confundir o instituto da união estável com um simples namoro ou relação afetiva passageira, sem maiores compromissos. Naquela há a configuração de relação séria, exclusiva, com real objetivo de constituição de família, envolvendo mais do que a coabitação do casal, agasalhando a própria comunhão de vidas, enquanto no namoro ou relação aberta, tem-se um relacionamento descompromissado e inconseqüente.” (Apelação Cível n. 2011.080399-8, de Brusque. Relator: Des. Ronei Danielli).
Sendo assim, a pretensão de reconhecimento da união estável em data posterior a 2006 para fins de partilha do acervo patrimonial e demais efeitos jurídicos mostra-se impossibilitada, uma vez que a apelante não logrou êxito em demonstrar a existência e delimitação temporal da referida relação, ônus processual que lhe competia, a teor do disposto no artigo 333, I, do Código Processual Civil.
Pelas razões expostas, o recurso é conhecido e desprovido, mantendo-se íntegra a sentença atacada.
Esse é o voto.

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