TJPA: Alimentos
(…) Como diz Rodrigo da Cunha Pereira, são os restos do amor que vêm ao Judiciário. Se não está o genitor alcançando alimentos ao filho, certamente não está convivendo com ele. A falta de vínculo de afetividade entre as partes dificulta ainda mais a possibilidade de saber dos ganhos de quem procura ocultar tal dado, exatamente para não adimplir a obrigação alimentar.
DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de tutela de urgência para implementação de efeito suspensivo ativo, interposto por C. P. P., em irresignação à deliberação do Juízo da 8ª Vara de Família de Belém de arbitrar, nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável c/c alimentos e partilha de bens, os alimentos provisórios na ordem de dois salários mínimos a favor de A. N. P. e C. M. N. P., filhas do agravante com A. H. P. N. Em suas razões (fls. 02 a 06), arguiu o agravante que seus recursos financeiros não suportam a obrigação que lhe foi imposta. Nega a assertiva da parte contrária de que era empresário e de que perfazia rendimento em torno de R$ 10.000,00, suscitando que a realidade de sua renda está consubstanciada na carteira de trabalho e nos contracheques cujas cópias junta ao caderno processual. Ressalta, ainda, que possui outros oito filhos, dos quais, cinco são menores e dependem dele para sobreviver, incluindo uma neta advinda de um destes. Aponta o patamar de 35% do salário mínimo para fixação da sua obrigação alimentar em questão. Assim, requer que seja atribuído ao recurso efeito suspensivo e ativo e que, ao final, seja o mesmo provido para a consequente reforma da deliberação hostilizada. Anexa documentação (fls. 07 a 38). É o relatório do necessário. Passo a decidir. A priori, defiro a gratuidade da justiça requerida em plano recursal. O agravo de instrumento encontra-se tempestivo, adequado e instruído conforme o disposto no art. 525 do Código de Processo Civil (CPC); por conseguinte, deve ser conhecido. Insurge-se o agravante contra o valor fixado a título de alimentos provisionais em prol das agravadas. Nesse contexto, cabe ao alimentante o ônus de demonstrar sua situação financeira, uma vez que envolve informações sigilosas, integrantes do seu direito de privacidade. Conforme nos autos constam, as partes agravadas, ao acionarem a jurisdição, indicaram que o agravante era empresário (fl. 07) e auferia renda em torno de R$10.000,00 (fl. 08). Ao recorrer, entretanto, diz o agravante que essa não é a sua realidade. Instrui, então, o presente recurso com a cópia de sua carteira de trabalho, mas nela não consta a assinatura do empregador (fl. 31); com cópias dos comprovantes de pagamento de salário referentes a dezembro de 2011 e de 2012 (fl. 38 e 32, respectivamente), que também se encontram sem a assinatura do empregador; e com comprovante alusivo à remuneração do mês de março de 2013 (fl. 37), no qual, embora haja um carimbo com uma rubrica, dele não é possível aferir autenticidade. Conclui-se, assim, que esses documentos não são suficientes para se acolher as razões recursais e, assim sendo, cabe ao agravante arcar com as consequencias disso e não às agravadas, que são menores impúberes e, presumidamente, necessitam dos alimentos fixados. Para melhor fundamentar, eis, com destaques meus, doutrina de Maria Berenice Dias: Alimentos, ônus e encargos (…)
Ainda que a Lei de Alimentos, em seu art. 2º, determine que deve o autor indicar quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe o devedor, tal não é requisito essencial, cuja omissão torne inepta a inicial a ensejar a extinção da ação ou a não-fixação de alimentos provisórios. O que a lei aponta como indispensável é a prova do parentesco ou da obrigação de alimentar do devedor: (…) provando, apenas, o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor (…). Tanto esse é o único requisito indispensável, que utiliza o legislador a expressão “apenas”. Ou seja, impõe ao autor apenas o dever de provar a existência da obrigação. No que diz com as suas necessidades, o autor deve expô-las: O credor (…) exporá suas necessidades, provando, apenas, o grau de parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor (…). Quanto aos ganhos e recursos do obrigado, usa a lei o verbo “indicar”, o que, na linguagem legislativa, não possui o grau de obrigatoriedade do verbo “provar”, utilizado no momento anterior. Uma coisa é indicar, outra é provar. O que não é provado leva à improcedência da ação. A falta de indicação de algum dado não conduz ao mesmo resultado. A previsão legal referente às condições do alimentante é imposição de um ônus, e não de uma obrigação. Essa distinção, bem posta na doutrina, mostra que o inadimplemento de um ônus traz eventual seqüela à própria parte, o que não se confunde com o descumprimento de uma obrigação, cuja omissão pode levar o autor a perder a demanda. A oneração do autor em trazer de forma aproximada os rendimentos do réu serve tão-só para subsidiar o magistrado na fixação dos alimentos provisórios. A ausência de tais dados pode vir eventualmente em prejuízo do autor, mas não afeta a higidez da peça inaugural da demanda intentada. Assim, descabida a extinção da ação em face da ausência de indicações sobre a situação de fortuna do réu, até porque, no mais das vezes, é difícil ao autor fazer qualquer estimativa de quanto ganha alguém com quem não convive e que não raro mora em lugar distante. Não se pode olvidar que se está em sede de Direito de Família, em que as animosidades são presumidas, do contrário parentes não viriam à Justiça. Como diz Rodrigo da Cunha Pereira, são os restos do amor que vêm ao Judiciário. Se não está o genitor alcançando alimentos ao filho, certamente não está convivendo com ele. A falta de vínculo de afetividade entre as partes dificulta ainda mais a possibilidade de saber dos ganhos de quem procura ocultar tal dado, exatamente para não adimplir a obrigação alimentar. Afora isso, cabe lembrar que os rendimentos e rendas integram a auréola de privacidade das pessoas, gozando de proteção constitucional. Cabe, portanto, questionar: Como irá o filho saber quanto ganha seu genitor? Onde obterá informações sobre as rendas dele? De que maneira descobrirá quais os seus rendimentos? Por tudo isso, é imperativo reconhecer que na ação de alimentos se invertem os ônus probatórios. O autor deve provar documentalmente a existência da obrigação, ou seja, o vínculo de parentesco com o réu. Em se tratando de ação que tem por fundamento obrigação alimentícia decorrente do casamento, ou quando há prova pré-constituída de união estável, precisa o autor justificar a necessidade dos alimentos. Na ação que tem por causa de pedir obrigação decorrente do vínculo de filiação, a demonstração da necessidade só se impõe quando o demandante é maior de idade. Mas se o autor é menor, sequer precisa provar suas necessidades, que são presumidas. Tais dados são suficientes para que o juiz fixe alimentos provisórios em favor do autor. No entanto, para subsidiar o magistrado na quantificação da verba alimentar é que o autor deve declinar o que sabe sobre a situação econômico-financeira do réu: sua profissão, prováveis ganhos, qualidade de vida que ele se concede, o patrimônio de que seja proprietário. Com tais elementos é que o magistrado irá fixar o valor dos alimentos. Porém, se não vier na inicial qualquer referência sobre as condições do réu, isso não impede a fixação dos alimentos. Aliás, cabe lembrar que o juiz deve fixar alimentos provisórios mesmo quando não pleiteados. A omissão do autor sobre as possibilidades do réu levará provavelmente ao estabelecimento de uma pensão acanhada. Como a obrigação vigora desde a data de sua fixação, não há como onerar de forma exacerbada o devedor sem saber de suas condições para pagar o encargo. Ao réu é que cabe dizer de suas possibilidades, isto é, provar o quanto ganha, para que o magistrado possa fixar os alimentos atendendo ao critério da proporcionalidade. Quando não traz o réu de forma correta sua real situação financeira e fica evidenciado que suas alegações não correspondem ao padrão de vida que ostenta, o prejuízo será seu, e não do alimentando. Não fica o julgador adstrito a essa limitação probatória para fixar os alimentos. A ausência de provas da estatura econômica do devedor não impõe que os alimentos sejam fixados em quantia insignificante. Nesse caso, deve o magistrado estabelecer os alimentos atendendo às necessidades do beneficiário, desconsiderando o silêncio ou a ausência de sinceridade do réu. Sua omissão não pode beneficiá-lo. Essas distinções e a precisa delimitação dos encargos probatórios nas ações alimentárias necessitam ficar bem definidas, sob pena de se estimular a prática, que vem se estabelecendo de maneira recorrente, de a omissão do devedor vir em seu favor. Além de tal postura vir em prejuízo do alimentando, acaba por incentivar o desatendimento do dever de lealdade perante a Justiça que devem ter as partes. (DIAS, Maria Berenice. Alimentos, ônus e encargos. Disponível em: . Acesso em: 16 maio2013.) Sobre o mesmo assunto, esta Egrégia Corte já decidiu: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL AÇÃO DE ALIMENTOS REDUÇÃO DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS. – OS ALIMENTOS PROVISÓRIOS DEVEM SER FIXADOS DE ACORDO COM AS INFORMAÇÕES DA ALIMENTANDA SOBRE AS SUAS NECESSIDADES PREMENTES, SEM IMPOR ÔNUS EXCESSIVO AO ALIMENTANTE CAPAZ DE IMPEDIR A SUA SOBREVIVÊNCIA, DEVENDO SER POR ELE COMPROVADA A IMPOSSIBILIDADE DE PRESTÁ-LOS NO PERCENTUAL FIXADO. – NÃO HAVENDO COMPROVAÇÃO PELO ALIMENTANTE QUE SEQUER JUNTOU COMPROVANTE DE SUA RENDA, INJUSTA A REDUÇÃO DEFERIDA, DEVENDO SER MANTIDO O PERCENTUAL DE 30% DOS VENCIMENTOS DO AGRAVADO A TÍTULO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. (Negritei) (TJ/PA, Agravo de Instrumento, Processo nº: 200730021356, Acórdão nº: 69521, 2ª Câmara Cível Isolada, Relatora: Desa. Carmencin Marques Cavalcante, Publicação: 18/12/2007). Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE SEPARAÇÃO LITIGIOSA C/C FIXAÇÃO DE ALIMENTOS. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. BINÔMIO NECESSIDADE POSSIBILIDADE. QUANTUM FIXADO PELO JUÍZO SINGULAR CONSOANTE AS EVIDÊNCIAS E PROVA DOS AUTOS. ADEQUAÇÃO PERCENTUAL EQUILIBRADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1694, § 1º DO CC. RECURSO CONHECIDO, TODAVIA NEGADO PROVIMENTO. DECISÃO MANTIDA À UNANIMIDADE. I.?Alimentos provisórios, arbitrados no processo de origem, que se mostra justo para suprir necessidade imediata da reclamante, uma vez que não se encontram nos autos fundamentos fáticos nem jurídicos que conduzam à exoneração do referido percentual alimentício fixado pelo Juízo de primeiro grau. Alegações desprovidas de provas cabais e robustas não incapacitam a prestação alimentícia. II.?Demonstrada a capacidade financeira do alimentante de suportar obrigação alimentar fixada provisoriamente no juízo monocrático e comprovada a necessidade da alimentada, correta a decisão agravada, até que a controvérsia seja definitivamente solucionada, após regular instrução processual, mediante ampla defesa. III.?Conhecimento do recurso, mas negado provimento, para manter a r. decisão recorrida em todos os seus termos. Decisão unânime. (Negritei) (TJ/PA, Agravo de Instrumento, Processo nº: 200730008453, Acórdão nº: 68836, 2ª Câmara Cível Isolada, Relatora: Desa. Maria Angélica Ribeiro Lopes Santos, Publicação: 07/11/2007). Ilustrativamente, eis julgados de outros tribunais pátrios: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. VERBA ALIMENTAR. BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE. ARTIGOS 1.695 E 1.699 DO CÓDIGO CIVIL. Ante a ausência de comprovação de pressuposto necessário à modificação dos alimentos fixados judicialmente – possibilidade do alimentante – não há vingar pretensão à minoração da verba alimentar. Por outro lado, em ação que envolve pedido de alimentos, pertence ao réu o ônus da prova acerca de sua impossibilidade de prestar o valor pleiteado. Para a redução da verba alimentar, deve o alimentante comprovar a impossibilidade de arcar com o montante estabelecido, consoante orientação do enunciado n.º 37 do Centro de Estudos deste tribunal. Apelação desprovida, de plano. (Negritei) (TJ/RS, Apelação Cível Nº 70045349479, Sétima Câmara Cível, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 19/04/2012). EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALIMENTOS PROVISÓRIOS – FIXAÇÃO – CRITÉRIOS. – A fixação de alimentos provisórios deve atender ao binômio necessidade / possibilidade. – Compete a ambos os cônjuges o sustento dos filhos, nos termos dos arts. 1.566, IV e 1.568, do CC/02. – Inexistindo comprovação de que o alimentante não detém condições de suportar quantia fixada em primeiro grau, os alimentos provisórios devem ser mantidos como fixados em primeiro grau. – Recurso desprovido. (Negritei) (TJ/M, Agravo de Instrumento nº 1. .0694.12.005225-3/001, Relator: Des.(a) Eduardo Andrade, Julgado em 30/04/2013). É válido enfatizar que os alimentos provisórios, inicialmente arbitrados, poderão ser revistos a qualquer tempo, desde que se apresentem provas convincentes à mudança, respaldando o critério de proporcionalidade. Nessa via, tal condição não foi observada. À vista do exposto, com base no art. 527, inciso I, do CPC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 10.352/2001, nego liminarmente seguimento ao recurso, mantendo, in tontum, a decisão de primeira instância. Publique-se. Belém, 20 de maio de 2013. Des. Leonam Gondim da Cruz Junior, Relator.