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TJMG: socioafetividade

Ascom

(…) A paternidade há de ser reconhecida não como um fato da natureza, cuja origem se radica em pura base biológica, mas um fato cultural, que se assenta na circunstância de amar e servir, fundada no exercício da liberdade e autodeterminação. 2. Não pode ser considerado pai aquele que apenas participa, como procriador, de um evento da natureza, ou seja, do nascimento de um novo ser, sem construir qualquer relação de afeto e assumir os cuidados na sua formação. Por outro lado, àquele que, mesmo sabendo da inexistência de vínculo de consanguinidade (ou, como no caso dos autos, tendo dúvidas acerca deste liame), assume com todo o carinho, amor e dedicação, a criação de uma pessoa até o atingimento de sua fase adulta, outra denominação e reconhecimento não se pode dar, que não a do pai verdadeiro. 3. Existência de mútuo afeto, em relação construída ao longo de toda a infância e adolescência do filho, estabelecendo verdadeiro vínculo de paternidade socioafetiva, que manteve as partes unidas mesmo após o afastamento do pai do lar conjugal – e a despeito das dúvidas que cercavam a origem biológica do requerido. (…)

APELAÇÃO CÍVEL – NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E EXONERATÓRIA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA – VÍNCULO SOCIOAFETIVO – EXISTÊNCIA – PAI QUE, MESMO EM DÚVIDA ACERCA DO LIAME BIOLÓGICO, SE DEDICA À FORMAÇÃO DO FILHO ATÉ A FASE ADULTA – RECONHECIMENTO, PELO FILHO ADULTO, DA REFERÊNCIA PATERNA -RECURSO NÃO PROVIDO 1. A paternidade há de ser reconhecida não como um fato da natureza, cuja origem se radica em pura base biológica, mas um fato cultural, que se assenta na circunstância de amar e servir, fundada no exercício da liberdade e autodeterminação. 2. Não pode ser considerado pai aquele que apenas participa, como procriador, de um evento da natureza, ou seja, do nascimento de um novo ser, sem construir qualquer relação de afeto e assumir os cuidados na sua formação. Por outro lado, àquele que, mesmo sabendo da inexistência de vínculo de consanguinidade (ou, como no caso dos autos, tendo dúvidas acerca deste liame), assume com todo o carinho, amor e dedicação, a criação de uma pessoa até o atingimento de sua fase adulta, outra denominação e reconhecimento não se pode dar, que não a do pai verdadeiro. 3. Existência de mútuo afeto, em relação construída ao longo de toda a infância e adolescência do filho, estabelecendo verdadeiro vínculo de paternidade socioafetiva, que manteve as partes unidas mesmo após o afastamento do pai do lar conjugal – e a despeito das dúvidas que cercavam a origem biológica do requerido. 4. Relação de socioafetividade presente, não podendo ser desconsiderada com fundamento na inexistência de vínculo biológico, ou em uma suposta aproximação do filho com seu procriador, o que teria gerado ciúme e sentimento de traição no pai. 5. Recurso não provido.

(TJ-MG – AC: 10024081375347001 MG , Relator: Áurea Brasil, Data de Julgamento: 30/01/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/02/2014)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E EXONERATÓRIA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA – VÍNCULO SOCIOAFETIVO – EXISTÊNCIA – PAI QUE, MESMO EM DÚVIDA ACERCA DO LIAME BIOLÓGICO, SE DEDICA À FORMAÇÃO DO FILHO ATÉ A FASE ADULTA – RECONHECIMENTO, PELO FILHO ADULTO, DA REFERÊNCIA PATERNA -RECURSO NÃO PROVIDO

1. A paternidade há de ser reconhecida não como um fato da natureza, cuja origem se radica em pura base biológica, mas um fato cultural, que se assenta na circunstância de amar e servir, fundada no exercício da liberdade e autodeterminação.

2. Não pode ser considerado pai aquele que apenas participa, como procriador, de um evento da natureza, ou seja, do nascimento de um novo ser, sem construir qualquer relação de afeto e assumir os cuidados na sua formação. Por outro lado, àquele que, mesmo sabendo da inexistência de vínculo de consanguinidade (ou, como no caso dos autos, tendo dúvidas acerca deste liame), assume com todo o carinho, amor e dedicação, a criação de uma pessoa até o atingimento de sua fase adulta, outra denominação e reconhecimento não se pode dar, que não a do pai verdadeiro.

3. Existência de mútuo afeto, em relação construída ao longo de toda a infância e adolescência do filho, estabelecendo verdadeiro vínculo de paternidade socioafetiva, que manteve as partes unidas mesmo após o afastamento do pai do lar conjugal – e a despeito das dúvidas que cercavam a origem biológica do requerido.

4. Relação de socioafetividade presente, não podendo ser desconsiderada com fundamento na inexistência de vínculo biológico, ou em uma suposta aproximação do filho com seu procriador, o que teria gerado ciúme e sentimento de traição no pai.

5. Recurso não provido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.137534-7/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE (S): D.A.M. – APELADO (A)(S): D.A.M.J.

A C Ó R D Ã O

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DESEMBARGADORA ÁUREA BRASIL

RELATORA

DESA. ÁUREA BRASIL V O T O

Trata-se de apelação cível interposta por D. A. M. em face da r. sentença de f. 208/211, proferida pelo MM. Juiz de Direito Pedro Aleixo Neto, da 6ª Vara de Família desta comarca da Capital, que, nos autos de ação negatória de paternidade proposta contra D. A. M. J., julgou improcedente o pedido inicial, reconhecendo, e fazendo prevalecer, a paternidade socioafetiva existente entre as partes.

Nas razões recursais de f. 220/230, o apelante alega que: a) sempre manteve a suspeita de que a mãe do Apelante (sic) manteve relações com terceiros, porém o mesmo o foi negado o levando a assumir a paternidade do Apelado; b) alguns anos após a separação do casal, foi-lhe revelado que o recorrido não era seu filho biológico, causando rompimento da relação até então mantida entre as partes; c) não há qualquer vínculo familiar entre apelante e apelado, o que pode ser comprovado pela dificuldade enfrentada pelo recorrente para localização do recorrido, com vistas à citação na presente demanda; d) restou demonstrada a inexistência de paternidade biológica, bem como o erro ao qual fora o apelante induzido quando do registro da criança.

Contrarrazões às f. 233/240.

Remetidos os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, manifestou-se o douto Procurador, Dr. Nelson Rosenvald, pelo desprovimento do recurso (f.288/291v).

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

O caso em exame reside na definição da paternidade de D. A. M. em relação a D. A. M. J., que, quando do ajuizamento da ação, em 18/07/2008, já contava com 19 (dezenove) anos de idade.

A inexistência da ascendência biológica do apelante em face do apelado é, in casu, incontroversa. Esta circunstância foi reconhecida pelo ilustre sentenciante, à vista do laudo técnico acostado à f. 121, não havendo insurgência das partes quanto a este fato.

O MM. Juiz da causa, todavia, afastou o alegado erro na manifestação de vontade do recorrente, quando do registro de nascimento, e, conferindo destaque ao vínculo afetivo estabelecido entre as partes, rechaçou o pedido negatório de paternidade.

Pois bem.

Após atenta análise das peças e documentos contidos nos autos, entendo, com a devida vênia aos argumentos do apelante, que a sentença deve ser mantida.

Não desconsidero a hipótese de erro no ato registral da criança, quando de seu nascimento, em 1989.

Da narrativa constante nas razões recursais, denota-se que o postulante e a genitora do apelado foram casados pelo período de 1988 a 1996 (doc. f. 107), sendo, todavia, conturbado o relacionamento do casal. Em uma das frequentes separações, com posterior restabelecimento da convivência marital, adveio a gravidez da ex-esposa. O recorrente afirma ter questionado a então companheira se ela mantivera relação com terceiro, o que lhe fora negado, daí a presunção de que D. A. M. J era, pois, seu filho biológico, sendo por ele registrado (doc. 07).

Observa-se, no entanto, pela continuidade da narrativa do autor, que este conservou suspeitas de sua paternidade sobre o filho, mas, por receio de interferir negativamente na formação psíquica da criança, preferiu manter reserva sobre o assunto, tratando-o, sempre, como filho – sem qualquer distinção em relação à prole que depois adveio do seu casamento com a mãe do requerido.

Com a separação do casal, em 1996, e inobstante todas as intempéries envolvendo a ascendência biológica do apelado, optou, o recorrente, por garantir assistência financeira e emocional ao filho, perdurando esta saudável relação até o alcance dos seus 19 anos, quando este, então, supostamente teria se aproximado do genitor biológico. Tal conduta causou indignação ao apelante, que, segundo relatado no laudo psicossocial, viu-se obrigado a entrar com a presente ação (f. 157).

Ora, o que se percebe da tese guerreada é que as partes, apesar da situação na qual se viram envolvidas, desenvolveram mútuo afeto ao longo da vida, estabelecendo verdadeira relação de paternidade, com sólido vínculo socioafetivo, que as manteve unidas mesmo após o afastamento do recorrente do lar conjugal – e a despeito das dúvidas que cercavam a origem biológica do requerido.

Como já pontuou o jurista e professor João Baptista Villela, em trabalho precursor intitulado Desbiologização da Paternidade, a paternidade, em si mesma, não é um fato da natureza, cuja origem radicaria em pura base biológica, mas um fato cultural (Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, a. 27, n. 21, maio 1979: 400-418).

Assim, há que se distinguir entre a figura do procriador e a do pai, assentando-se, a primeira, no fato de gerar, e, a segunda, na circunstância de amar e servir, fundada no exercício da liberdade e autodeterminação – categoria muito mais complexa que a primeira, e que veio a ser efetivamente exercida pelo recorrente em face do recorrido.

A paternidade erige-se e consolida-se a categoria estabelecida no exercício da vontade, na ordem do pensamento e da cultura, sendo, como tal, concebida “paternidade socioafetiva”.

O vínculo socioafetivo, não obstante o ressentimento paterno explicitado na peça exordial, nas razões do presente recurso, assim como no estudo psicossocial feito nos autos, está flagrantemente presente na relação estabelecida entre as partes ao longo dos mais de vinte anos de vida do filho.

Infere-se que o sentimento nutrido pelas partes não se perdeu com a certeza da inexistência de vínculo biológico entre pai e filho – tendo se construído, inclusive, na dúvida do vínculo de consanguinidade. Tampouco se esvaiu com o ajuizamento da presente ação.

Pelo depoimento do réu, ora apelado, prestado em 11.03.2013, ou seja, quase cinco anos após a propositura da demanda, denota-se que o seu referencial de paternidade se manteve na figura do apelante:

(…) que continua considerando o autor como seu pai; (…) que não tem contato com seu pai biológico; que sabe quem é seu pai biológico (f. 187).

Este laço afetivo foi também detectado pela psicóloga judicial responsável pela confecção do laudo oficial, merecendo destaque as seguintes considerações:

D. J. relata que sempre se orientou pelos ensinamentos do Sr. D. Desde pequeno viajava com o pai, quando este último fazia viagens a trabalho. Informa que ficou sabendo que poderia não ser filho biológico do requerente quando tinha 15 anos, mas que, embora abalado com a notícia, preferiu não se envolver e continuar com sua referência paterna, ou seja, o Sr. D. Deseja continuar a tê-lo como pai, inclusive legalmente, pois não houve modificações em seu afeto por este pai (f. 157).

Em sua conclusão, assevera a perita:

Do ponto de vista psíquico podemos observar que requerente e requerido se consideram pai e filho, respectivamente, não havendo alteração dos laços afetivos, bem como da função paterna e da filiação. D. J. revela traços de identificação do Sr. D., evidenciando que uma transmissão paterna aconteceu. Há certo desconforto diante da proximidade social do suposto pai biológico, trazendo mágoa e ressentimentos, mas não há evidências de que tenha provocado, ainda do ponto de vista psíquico, mudanças nesta relação paterno filial (f. 158 – destaques meus).

Por todo o exposto, impossível negar-se a existência da relação paterno-filial entre as partes.

O carinho, a preocupação com o bem-estar do filho, o cuidado sempre dedicado pelo autor ao longo de toda a formação do requerido como pessoa – da infância à fase adulta, ultrapassando a adolescência -, conduzem à demonstração da relação de afetividade construída entre ambos, que, com a devida vênia, agora não pode ser simplesmente desconsiderada com fundamento na inexistência de vínculo biológico, ou em uma suposta aproximação do requerido com seu procriador.

Observa-se que a insurgência do apelante reside precipuamente no fato de não aceitar tal conduta do filho, tendo se sentido por ele traído quando, ao que parece, pretendeu saber quem seria o seu progenitor biológico.

No entanto, trata-se de sentimento que mais espelha imaturidade e ciúme do pai (pois, inegável que é inerente ao ser humano a curiosidade quanto à origem biológica), que, levado por um raso sentimento de traição, revidou o comportamento do filho dele se afastando e ajuizando a presente ação negatória de paternidade, consoante assumido pelo próprio autor.

O apelante, todavia, não se apercebeu de que, do suposto encontro entre o recorrido e seu genitor biológico, não adveio qualquer sentimento de parentalidade, até porque este já estava sedimentado na figura do recorrente, sendo, portanto, insubstituível, em se tratando, o apelado, de um ser adulto, com referência familiar e paterna já estruturada.

Não se olvida das dificuldades enfrentadas por ambas as partes para lidarem com situação de tal delicadeza e envergadura na vida de qualquer pessoa – notadamente para o filho que, diferentemente do pai, não tinha qualquer suspeita quanto à sua paternidade, e que veio a saber não coincidir com sua procedência biológica quando ainda adolescente. Pode-se imaginar o revolver de sentimentos e a insegurança que adveem de tal descoberta para um adolescente. Entende-se, outrossim, a curiosidade do filho em saber qual é o seu progenitor, e até mesmo a suposta vontade de vir a ter um contato com este – o que, todavia, sequer restou demonstrado nos autos.

Contudo, como já ressaltado, tais circunstâncias não se prestaram a elidir o laço de afetividade formado entre pai e filho. Desconsiderar a existência deste vínculo cabalmente identificado nos autos corresponde, a meu sentir, em renegar a verdadeira paternidade ao recorrido, que cresceu e se formou como pessoa adulta sob os cuidados e ensinamentos do apelante, reconhecendo-o, ainda hoje, como seu verdadeiro e único pai.

Consoante assinalado pelo d. Procurador de Justiça Nelson Rosenvald, em parecer exarado nestes autos, havendo uma relação paterno-filial consolidada há mais de 23 anos, deve esta situação prevalecer sobre o critério biológico (f. 290-v).

Sobre o tema, cito a lição de Cristiano Chaves e do próprio Nelson Rosenvald, na obra Direito das Famílias:

O pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do filho, o lugar de pai (a função). É uma espécie de adoção de fato.

É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação, amor… ao filho, expõe o fato íntimo da filiação (…).

A filiação sócio-afetiva não está lastreada no nascimento (fato biológico), mas em ato de vontade, cimentada, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando em xeque, a um só tempo, a verdade biológica e as presunções jurídicas. Sócio-afetiva é aquela filiação que se constrói a partir de um respeito recíproco, de um tratamento em mão-dupla como pai e filho, inabalável na certeza de que aquelas pessoas, de fato, são pai e filho (2ª tiragem, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009, p.517).

E continuam:

A filiação sócio-afetiva decorre da convivência cotidiana, de uma construção diária, não se explicando por laços genéticos, mas pelo tratamento estabelecido entre pessoas que ocupam reciprocamente o papel de pai e filho, respectivamente. Naturalmente, a filiação sócio-afetiva não decorre da prática de um único ato. Não teria sentido estabelecer um vínculo tão sólido através de um singular ato. É marcada por um conjunto de afeições e solidariedade que explicitam com clareza, a existência de uma relação entre pai/mãe e filho. Enfim, não é qualquer dedicação afetiva que se torna capaz de estabelecer um vínculo paterno-filial, alterando o estado filiatório de alguém. Para tanto, é preciso que o afeto sobrepuje, seja o fator marcante, decisivo, naquela relação. É o afeto representado, rotineiramente, por dividir conversas e projetos de vida, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações, mostrar caminhos, ensinar e aprender, concomitantemente (Op cit., p. 518) (Destaques meus).

Não pode ser considerado pai – e nem o requerido de fato o considera – aquele que apenas participa, como procriador, de um evento da natureza, ou seja, do nascimento de um novo ser, sem construir qualquer relação de afeto e assumir os cuidados na sua formação. Por outro lado, àquele que, mesmo sabendo da inexistência de vínculo de consanguinidade (ou, como no caso dos autos, tendo dúvidas acerca deste liame), assume com todo o carinho, amor e dedicação, a criação de uma pessoa até o atingimento de sua fase adulta, outra denominação e reconhecimento não se pode dar, que não a do pai verdadeiro.

Isso posto, não deve ser acolhida a pretensão de desconstituição da paternidade entre as partes.

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas recursais, pelo apelante, na forma da lei.

DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI (REVISOR) – De acordo com o (a) Relator (a).

DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT – De acordo com o (a) Relator (a).

SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”

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