TJMG: Filiação
(…) Para o estabelecimento do vínculo de parentalidade, basta que se identifique quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem perquirir a realidade biológica, presumida, legal ou genética. Também a situação familiar dos pais em nada influencia na definição da paternidade, pois, como afirma Rodrigo da Cunha Pereira, “família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente.”
Mais uma vez o critério deve ser a afetividade, elemento estruturante da filiação socioafetiva. Não reconhecer a paternidade homoparental é retroagir um século, ressuscitando a perversa classificação do Código Civil de 1916, que, em boa hora, foi banida em 1988 pela Constituição Federal.
Além de retrógrada, a negativa de reconhecimento escancara flagrante inconstitucionalidade, pois é expressa proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. A negativa de reconhecimento da paternidade afronta um leque de princípios, direitos e garantias fundamentais. Crianças e adolescentes têm, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar, e negar o vínculo de filiação é vetar o direito à família: “lugar idealizado onde é possível cada um, integrar sentimentos, esperanças e valores para a realização do projeto pessoal de felicidade” (Anais, IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Coordenação Rodrigo da Cunha Pereira, IBDFAM, pág. 396).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – EXAME DE DNA – AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO – VÍNCULO SOCIOAFETIVO EXISTENTE – PROVA DE IMEDIATA RUPTURA DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO APÓS A DESCOBERTA DO VÍCIO DE CONSENTIMENTO – AUSÊNCIA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. O reconhecimento da paternidade é ato irretratável, podendo ser anulado apenas quando comprovado que o ato se acha inquinado de vício (art. 1.604 do CC/02), dentre eles, o erro ou coação, exigindo ainda a ausência de qualquer relação afetiva desenvolvida entre o genitor e a infante, de modo que o mero resultado negativo de exame de DNA não se presta, por si só, à anulação do registro civil. 2. Na linha do entendimento firmado pelo c. STJ, não se pode obrigar o pai registral, induzido por erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento, impondo-lhe os deveres inerentes a essa relação, sem que, voluntaria e conscientemente, o queira. 3. Para que o pai registral induzido a erro (traição) consiga desconstituir a paternidade é indispensável que tão logo tenha conhecimento da verdade (não ser o pai biológico), tenha se afasto do suposto filho, rompendo imediatamente o vínculo afetivo. 4. Negar provimento ao recurso.
(TJ-MG – AC: 10148170069873001 Lagoa Santa, Relator: Teresa Cristina da Cunha Peixoto, Data de Julgamento: 05/08/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 8ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 11/08/2022)