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TJMG: Divórcio e regime de bens

Ascom

(…) Na avaliação de Rodrigo da Cunha Pereira: O litígio conjugal é a falência do diálogo e uma forma, às vezes, inconsciente, de sua manutenção. Cada um acredita estar dizendo a verdade e quer que o Estado-Juiz diga quem é o certo ou errado, isto é, quem é culpado e que é inocente. Anula-se na consciência tudo de bom que houve entre eles, e emergem predominantemente os rancores e as mágoas. O ódio prevalece sobre o amor e as pessoas ficam cegas por uma razão, em nome de se buscar direitos. O final é sempre trágico. (…) (TJ-MG, APELAÇÃO CÍVEL 1.0694.10.000006-6/002 Relator: Marcelo Rodrigues, 2ª Câmara Cível, j. 02/09/2014)

Apelação cível – Divórcio – Regime de comunhão parcial de bens- Artigo 1.658 do Código Civil – Sacas de café – Comprovação da existência durante a sociedade conjugal – Necessidade de partilha, sob pena de enriquecimento ilícito – Repartição do ônus probatório entre as partes – Inteligência do artigo 333, I e II, do Código de Processo Civil – Êxito da parte autora – Recurso ao qual se dá provimento.

APELAÇÃO CÍVEL 1.0694.10.000006-6/002 – COMARCA DE TRÊS PONTAS – APELANTE (S): C.E.L.R. – APELADO (A)(S): V.L.R.

A C Ó R D Ã O

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em, à unamidade, dar provimento ao recurso.

DES. MARCELO RODRIGUES

RELATOR.

Desembargador MARCELO RODRIGUES

Relator

V O T O

Sentença (f.182/187-TJ): julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial para o fim de:

a) decretar o divórcio de C.E.L.R. e V.L.R., declarando cassados os deveres de coabitação e fidelidade recíproca e o regime matrimonial de bens;

b) declarar que a autora tem direito a 50% (cinqüenta por cento) dos bens móveis que guarnecem a residência do casal; 50% (cinqüenta por cento) do acréscimo edificado no imóvel da Rua Professora Judith Corrêa Dias, 188, bairro Cohab Ouro Verde, nesta cidade; 50% (cinqüenta por cento) da gleba de terras denominada “Fazenda Vanguarda”, no município de Três Pontas, e de tudo o que existe na referida fazenda, e 50% (cinqüenta por cento) do capital integralizado junto à Cocatrel;

c) declarar que todas das dívidas contraídas por qualquer das partes, durante a constância do casamento, é da responsabilidade de ambas as partes, no patamar de 50% (cinqüenta por cento) para cada um;

d) declarar a perda de objeto no que toca aos pedidos de alimentos, guarda e regime de visitas em relação às filhas do casal, face à maioridade alcançada por elas;

e) revogou a determinação de pagamento de pensão alimentícia em favor das filhas do casal;

f) determinou que a autora voltará a usar seu nome de solteira;

Declarou extinto o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil.

Condenou as partes no pagamento das custas processuais, no patamar de 50% (cinqüenta por cento) para cada um.

Determinou que cada parte arcará com os honorários de seus advogados.

Embargos de declaração (f. 189/190-TJ e 192/197-TJ) acolhidos, com efeito infringente, para excluir da partilha o imóvel descrito no item c, de f. 185, denominado “Fazenda Vanguarda”, no Município de Três Pontas, mantidas as demais disposições.

Os autos tramitam em segredo de justiça, por força do artigo 155, II, do Código de Processo Civil.

Por um equívoco da secretaria, foi certificado o trânsito em julgado da sentença sem a intimação pessoal do órgão da Defensoria Pública.

Apelação (f. 208/211-TJ). C. E. L. R, assistida pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, manifesta contrariedade apenas contra o um ponto da sentença: não foi computada na partilha de bens as 118 (cento e dezoito) sacas de café junto a Cocatrel. Argumenta que foi apresentado um extrato de comercialização, no qual consta o nome da parte apelada, demonstrando a clara existência de tal patrimônio. A alegação de que as sacas foram entregues para pagamento de dívidas não foi comprovada nos autos, persistindo, pois, a regra de distribuição do ônus da prova, nos termos do artigo 333 do Código de Processo Civil.

Pugna pelo provimento do recurso para determinar a partilha, nos moldes assinalados.

Contrarrazões ofertadas à f. 213/215-TJ. Tendo em vista a data de publicação (28.3.2014) e a data de protocolo (28.5.2014), nota-se que o requisito extrínseco da tempestividade não foi observado.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Decido.

1. Divórcio litigioso – Comunhão parcial de bens – Sacas de café – Partilha

A Emenda Constitucional 66, de 2010, alterou profundamente a sistemática do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro. Foi sepultada a anacrônica e inútil separação judicial e, felizmente, não existe a ultrapassada dicotomia inocente e culpado. Basta o desejo. A mudança também promoveu desdobramentos. Nasce daí um novo olhar sobre o Direito de Família.

No caso sob exame, o divórcio é litigioso, ou seja, a decisão e a iniciativa foram unilaterais (da ex-esposa).

Na avaliação de Rodrigo da Cunha Pereira (1):

O litígio conjugal é a falência do diálogo e uma forma, às vezes, inconsciente, de sua manutenção. Cada um acredita estar dizendo a verdade e quer que o Estado-Juiz diga quem é o certo ou errado, isto é, quem é culpado e que é inocente. Anula-se na consciência tudo de bom que houve entre eles, e emergem predominantemente os rancores e as mágoas. O ódio prevalece sobre o amor e as pessoas ficam cegas por uma razão, em nome de se buscar direitos. O final é sempre trágico.

Pois bem.

É consabido que o divórcio apresenta aspectos pessoais e patrimoniais.

Quanto à situação analisada, há consenso quanto a dissolução do casamento, volta do uso do nome de solteira, revogação dos alimentos em favor da filhas e partilha de bens móveis.

Todavia, permanece controvertida a partilha de 118 (cento e dezoito) sacas de café.

Há de se repetir que o casamento celebrado entre os litigantes ocorreu sob o regime da comunhão parcial de bens.

Não é novidade que esse tipo de regime, tem como pano de fundo reconhecer uma presunção de colaboração conjunta pela aquisição onerosa de bens (decorrente de compra e venda, por exemplo) na constância do casamento. Ou seja, presume-se que, durante a convivência, um esposo auxilia outro na aquisição de bens, ainda que psicológica ou moralmente, não apenas economicamente. Assim, todos os bens adquiridos durante o matrimônio são frutos de ajuda mútua, não comportando a alegação de falta de esforço comum.

Ao inventariar os autos, conforme documento de f. 27-TJ, ficou comprovada, durante a sociedade conjugal, a existência de 118 (cento e dezoito) sacas de café. Cumpriu a parte autora, ora apelante, com a regra clássica disposta no artigo 333, I, do Código de Processo Civil, pois lhe incumbe a prova do fato constitutivo do seu direito.

O ex-marido se defendeu na contestação alegando a utilização para pagamento de dívidas “(…) fato que facilmente poderá ser comprovado ao longo de todo o trâmite processual (…) (f.94-TJ). Todavia, não foi capaz de sustentar sua tese, dado que nenhuma prova nesse sentido foi juntada aos autos.

Portanto, somente é possível falar em exclusão de patrimônio nos casos descritos do artigo 1.659 do Código Civil.

As 118 (cento e dezoito) sacas de café devem ser objeto de partilha, na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para cada cônjuge, caso contrário haveria enriquecimento ilícito da parte contrária.

2. Conclusão

À luz dessas considerações, dou provimento ao recurso para determinar a partilha das 118 (cento e dezoito) sacas de café, nos moldes acima estabelecidos.

Diante do provimento do recurso, redimensiono os ônus de sucumbência devendo a parte apelante arcar com 40% (quarenta por cento) das custas processuais, e a parte apelada com o remanescente, ou seja, 60% (sessenta por cento). Suspensa a exigibilidade em relação à primeira, por litigar sob o pálio da justiça gratuita.

DES. RAIMUNDO MESSIAS JÚNIOR (REVISOR) – De acordo com o (a) Relator (a).

DES. CAETANO LEVI LOPES – De acordo com o (a) Relator (a).

SÚMULA:”Dar provimento ao recurso”

1 Divórcio teoria e prática. 3ª ed. 2011. Rio de Janeiro: GZ. p. 51.

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