TJMG: Adoção e desistência dos pais adotivos indenização
V.V: (…) “A devolução do adotando no curso do estágio de convivência, por si só, já uma violência para com este. Ficando demonstrado que os adotantes agiram com abuso de direito, está caracterizada a prática de ato ilícito, podendo e devendo haver a responsabilização civil destes. Contra eles deverá ser proposta ação de indenização pela prática de dano moral (…) (destacou-se).” (…)(TJMG – ACÍVEL nº 10481120002896002, Relatora Hilda Teixeira da Costa, 2ª Câmara Cível, J. 12/08/2014).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL E MORAL – ADOÇÃO – DESISTÊNCIA PELOS PAIS ADOTIVOS – PRESTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR – INEXISTÊNCIA – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO NÃO PROVIDO.
– Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança.
– O ato de adoção somente se realiza e produz efeitos a partir da sentença judicial, conforme previsão dos arts. 47 e 199-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes da sentença, não há lei que imponha obrigação alimentar aos apelados, que não concluíram o processo de adoção da criança.
– A própria lei prevê a possibilidade de desistência, no decorrer do processo de adoção, ao criar a figura do estágio de convivência.
– Inexistindo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem estar, indefere-se o pedido de indenização por danos morais.
V.V.P.
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL E MORAL – ADOÇÃO – DESISTÊNCIA DE FORMA IMPRUDENTE PELOS PAIS ADOTIVOS – PRESTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DEFERIDA – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
– A adoção tem de ser vista com mais seriedade pelas pessoas que se dispõe a tal ato, devendo estas ter consciência e atitude de verdadeiros “pais”, que pressupõe a vontade de enfrentar as dificuldades e condições adversas que aparecerem em prol da criança adotada, assumindo-a de forma incondicional como filho, a fim de seja construído e fortalecido o vínculo filial.
– Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança. Contudo, cada caso deverá ser analisado com as suas particularidades, com vistas a não se promover a “coisificação” do processo de guarda.
– O ato ilícito, que gera o direito a reparação, decorre do fato de que os requeridos buscaram voluntariamente o processo de adoção do menor, deixando expressamente a vontade de adotá-lo, obtendo sua guarda durante um lapso de tempo razoável, e, simplesmente, resolveram devolver imotivadamente a criança, de forma imprudente, rompendo de forma brusca o vínculo familiar que expuseram o menor, o que implica no abandono de um ser humano. Assim, considerando o dano decorrente da assistência material ceifada do menor, defere-se o pedido de condenação dos requeridos ao pagamento de obrigação alimentar ao menor, enquanto viver, em razão da doença irreversível que o acomete.
– Inexistindo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem estar, por não ter o menor capacidade cognitiva neurológica de perceber a situação na qual se encontra, indefere-se o pedido de indenização por danos morais.(Desª Hilda Teixeira da Costa)
Ação civil pública – Ministério Público – Legitimidade ativa – Processo de adoção – Desistência – Devolução da criança após significativo lapso temporal – Indenização por dano moral – Ato ilícito configurado – Cabimento – Obrigação alimentar – Indeferimento – Nova guarda provisória – Recurso ao qual se dá parcial provimento. (Des. MR)
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0481.12.000289-6/002 – COMARCA DE PATROCÍNIO – APELANTE (S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – APELADO (A)(S): WANDERLEY NUNES DA SILVEIRA E SUA MULHER, ROSANGELA ROSARIA MACHADO SILVEIRA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR PRELIMINAR ADUZIDA DE OFÍCIO PELO EMINENTE DES. REVISOR E NEGAR PROVIMENTO NOS TERMOS DO VOTO DO REVISOR.
DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA
RELATORA.
DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA (RELATORA)
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em desfavor de Wanderlei Nunes da Silveira e Rosângela Rosária Machado Silveira, objetivando a condenação dos requeridos na obrigação de indenizar os danos morais e materiais, no importe de cem salários mínimos, além da prestação de alimentos, equivalente a cinco salários mínimos mensais, que deverá perdurar enquanto viver o alimentário, independente dele vir a ser colocado em nova família substituta, em razão de suposto abandono afetivo e desistência imotivada da adoção do menor J.V.O..
O Parquet relata que a genitora do menor o entregou para adoção após o seu nascimento, tendo os requeridos protocolizado pedido de adoção e obtido a guarda provisória do menor. Afirma que o menor, em setembro de 2008, foi diagnosticado portador de doença congênita que provocou malformação do sistema nervoso central, e que os requeridos, depois de estarem mais de dois anos em companhia da criança, desistiram da adoção e devolveram a criança.
Alega que os requeridos agiram, no mínimo, de forma negligente, ao criar a expectativa para a criança de que a mesma seria adotada por eles. E, defende estarem presentes os requisitos para a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos moral e material, bem como, a prestação de alimentos.
O d. Julgador singular, em seu decisum de f. 282-290, julgou improcedente o pedido formulado na peça de ingresso, nos termos do art. 269, I, do CPC. Custas, pela parte autora, isenta, nos termos da lei, e sem honorários, a teor do disposto no artigo 128, § 5º, II, alínea a, da Constituição da República.
Inconformado, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais apelou, pelas razões de f. 292-319, relatando que a genitora do menor entregou o filho, logo após o nascimento, em 09/03/2008, para adoção. E que, através de informações do Serviço Social Forense, os requeridos, que estavam inscritos no cadastro de adoção, protocolizaram ação de adoção com pedido de guarda, em 11/03/2008, obtendo a guarda provisória em 12/03/2008.
Informa que, meses depois, o menor foi diagnosticado como portador de doença congênita que provoca malformação do sistema nervoso central. E que, através de petição datada de 09/08/2010, os requeridos desistiram da adoção, alegando motivo de “foro íntimo”.
Registra que a genitora do menor não mais tinha interesse em retomar a guarda da criança, pois acreditava que o casal adotante já havia estabelecido “uma relação com a criança e retirá-la, nesse momento, traria sofrimento para eles e para o infante”. E que, a criança foi efetivamente “devolvida” e encaminhada a uma terceira pessoa que se dispôs a cuidar dela pela decisao de 06/10/2011, que se efetivou em 03/11/2011.
Aduz que os requeridos, logo após receberem o diagnóstico do menor, procuraram o Fórum para informar acerca de seu estado de saúde, o que demonstra que isto perturbou os requeridos.
Salienta que, embora a genitora tenha manifestado o interesse de ter seu filho consigo, contestando a ação de adoção, posteriormente veio a desistir, em manifestação expressa em audiência, que contou com a presença dos requeridos, que se mantiveram firmes no propósito de devolver a criança.
Afirma que o motivo da devolução do menor foi o seu estado de saúde, haja vista a desistência da genitora em retomar a criança pelo fato dos requeridos terem afirmado que esta não os procurava e tampouco o menor.
Enfatiza que o motivo de “foro íntimo” não se justifica, sendo vazio de conteúdo e, portanto, configura uma desistência imotivada. E que não se admite a devolução de uma criança, em pleno processo de adoção, por denúncia vazia.
Informa que não houve uma sentença de adoção eis que o processo foi extinto por desistência dos adotantes, contudo, o que se questiona é a ilicitude em desistir da adoção de forma imotivada, após se ter gerando no infante uma legítima expectativa de que a relação afetiva que se criou não seria abruptamente interrompida, bem como, a violação da dignidade do menor.
Alega que “houve efetiva violação do dever de cuidado por parte dos requeridos, que outrora se disseram pais, e posteriormente se demitiram desse papel”.
Argumenta a existência do abuso de direito em razão da proibição do comportamento contraditório, na modalidade ‘venire contra factum proprium’. E que, o estágio de convivência não serve de estágio probatório para os adotantes verificarem se desejam o adotando como filho, referido estágio serve ao menor, sujeito vulnerável que merece proteção.
Defende que os guardiões devem ser responsabilizados pela decisão de devolver, irresponsavelmente, a criança; e que a afetividade foi construída por livre e espontânea vontade dos adotantes.
Sustenta que o dano moral é evidente e que tal indenização deve servir para desestimular a futuras pessoas de agirem de forma semelhante aos adotantes, a fim de que reflitam acerca do nobre e importante gesto de adotar.
Argui que a indenização por dano material se equivale à perda dos pais, sendo necessário o pensionamento mensal por se tratar de criança portadora de doença mental grave e irreversível, que necessitará de cuidados médicos periodicamente. Salienta que o nexo causal decorre da conduta antijurídica, bem como, do abuso de direito praticado pelos requeridos.
Por fim, pugna pelo provimento do recurso, a fim de que seja reformada a r. sentença.
Os requeridos apresentaram contrarrazões recursais às f. 322-330, esclarecendo que, após iniciarem o processo de adoção (11/03/2008), foram surpreendidos com a recusa da mãe biológica em autorizar o pedido de adoção, mediante apresentação de contestação no dia 27/03/2008. Tal recusa permaneceu por ocasião da audiência no dia 18/08/2009, e transcorrido quase um ano da audiência, a mãe biológica continuava firme no propósito de reaver o filho e não concordar com o pedido de adoção, conforme petições protocoladas em 19/04/2010 e 01/06/2010.
Declaram que a recusa de autorização para a adoção e a exigência da mãe biológica pelo direito de visitação, causou aos apelados situação de pânico e desespero, pois tinham certeza de que a qualquer momento perderiam o menor para a mãe biológica, e motivou os apelados a desistirem da adoção.
Relatam que “a mãe biológica efetivou varredura ou patrulhamento visando descobrir o endereço ou localização do menor, o que de fato conseguiu, o que a levou a comparecer no endereço em que supostamente estava o menor, forçando e tentando a realização de uma visita.”
Argumentam que, a partir desses fatos ocorridos, os apelados passaram a medir as conseqüências e sopesar se era confiável e possível manter o processo de adoção, pois teriam a mãe biológica constantemente perturbando, colocando em risco a tranquilidade da família e a certeza do êxito do pedido de adoção. Ressaltam que não conseguiram, em decorrência destes fatos, desenvolverem de forma ampla o sentimento de paternidade.
Enfatizam que, em decorrência do diagnóstico da doença do menor, dispensaram a ele todos os tratamentos necessários, inclusive adquirindo equipamentos à sua manutenção, mesmo diante da reduzida capacidade financeira dos recorridos.
Defendem que não praticaram ato ilícito, que agiram no exercício regular do direito, nos termos do art. 188 do C.C., e que não houve qualquer dano ou sofrimento ao menor. Ao final, pugnam pelo improvimento do recurso e pela manutenção da r. sentença.
Remetidos os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, foi emitido parecer opinativo pelo provimento do recurso, às f. 336-342v.
É o relatório do necessário.
DES. AFRÂNIO VILELA (REVISOR)
PRELIMINAR, DE OFÍCIO: Ilegitimidade ativa do Ministério Público
Analisando detidamente os autos, hei por bem instalar, de ofício, preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público, que passo à análise de meus pares.
Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS em desfavor de WANDERLEY NUNES DA SILVEIRA e ROSÂNGELA ROSÁRIA MACHADO SILVEIRA, na qual o MM. Juiz de primeiro grau, em sentença constante das ff. 282/290, julgou improcedente o pedido inicial, nos termos art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Pois bem.
Preceitua o art. 127, da Constituição da República de 1988:
“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
Por sua vez, o art. 6º, inciso VII, alínea ‘c’, da Lei Complementar nº. 75/93, que rege o Estatuto do Ministério Público da União, aplicado subsidiariamente ao Estadual por força do art. 279, da Lei Complementar Estadual nº. 34/94, dispõe:
“Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:
(…)
VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
(…)
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;”
Extrai-se dos autos que o apelante visa o ressarcimento de danos morais e materiais decorrentes de ato dos apelados que desistiram do processo de adoção da criança J. V. O. após permanecerem com a guarda provisória deste de 12/03/2008 a 03/11/2011, devolvendo a criança.
É inquestionável a possibilidade de ajuizamento de demanda visando resguardar interesses individuais e indisponíveis relativos à criança.
Ocorre que aludido posicionamento não pode ser adotado neste caso concreto, haja vista que a citada norma não permite a defesa de direitos individuais de todos, mas daqueles estampados na alínea ‘c’, dentre os quais não se enquadra o assistido.
Verifico que o caso se refere a direito individual patrimonial do menor e, portanto, disponível. Não há, no caso, perigo ou abandono material do menor a justificar a substituição da atual detentora de sua guarda e representante legal, Sra. Vera Lúcia Carrijo Rosa, pelo Ministério Público Estadual.
Sendo assim, resta configurada substituição processual não autorizada pela Constituição da República ou pela lei processual, o que conduz à ilegitimidade ativa do Ministério Público, e consequente carência de ação.
Isto posto, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC.
Custas recursais pelo apelante, isento nos termos da Lei.
DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA (RELATORA)
Inicialmente, analiso a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público, suscitada de ofício pelo eminente Des. Revisor.
Como cediço, o ‘Parquet’ detém legitimidade para propor ação que verse sobre direitos fundamentais da criança ou do adolescente, à luz do art. 127 da Constituição da República, e, consoante, dispõem os artigos 201, incisos V, VIII e 212, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90:
“Art. 201. Compete ao Ministério Público: V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal.
VIII – zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
Art. 212. Para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes”.
Com efeito, considerando-se que os direitos assegurados às crianças e aos adolescentes dispostos na Constituição da República, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, e a previsão legal expressa de que para a defesa dos direitos e interesses dos menores são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes, vê-se que o Ministério Público, no cumprimento de sua função de proteger, também, os interesses individuais, tem legitimidade ativa para propor a presente Ação Civil Pública.
Ademais, como bem observado pelo douto Juiz ‘a quo’, o ‘Parquet’ busca com a presente demanda, em última análise, o restabelecimento da dignidade do menor, e não o mero direito individual, razão pela qual, em face da indisponibilidade e da máxima relevância desse direito, não se pode restringir a atuação Ministerial no caso concreto.
Isso posto, o Ministério Público é parte legítima para ajuizar a presente ação civil pública, razão pela qual, pedindo vênia ao eminente Des. Revisor, rejeito a preliminar aduzida de ofício.
DES. MARCELO RODRIGUES
Assim como a desembargadora-relatora, também afasto a preliminar suscitada pelo revisor de ilegitimidade ativa do órgão executor do Ministério Público.
Quando ocorrem violações ou ameaças de violações aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, o sistema Constituição da República e Estatuto da Criança e do Adolescente faz incidir o caminho extraordinário de efetivação dos direitos fundamentais, que é a utilização dos instrumentos de tutela jurisdicional diferenciada, seja para a defesa do interesse coletivo ou mesmo do direito individual de criança ou adolescente.
Na doutrina especializada de Martha de Toledo Machado (1):
A Lei 8.069/90, aliado ao disposto no artigo 201, V, do mesmo diploma legal, legitima o Ministério Público para a defesa do direito individual puro da criança ou adolescente, através da ação civil pública, quando se tratar de direito de natureza indisponível (de natureza não patrimonial); em disposição que é própria da tutela jurisdicional diferenciada de crianças e adolescentes.
Portanto, o órgão executor do Ministério Público tem legitimidade ativa.
DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA (RELATORA)
Conheço do recurso interposto, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
A presente ação civil pública foi interposta pelo Ministério Público em face dos requeridos, objetivando a condenação dos requeridos na obrigação de indenizar os danos morais e materiais, no importe de cem salários mínimos, além da prestação de alimentos, equivalente a cinco salários mínimos mensais, que deverá perdurar enquanto viver o alimentando, independente dele vir a ser colocado em nova família substituta, em razão de suposto abandono afetivo e desistência imotivada da adoção do menor, J.V.O..
Da análise dos autos, depreende-se que a genitora do menor, no nono mês de gestação, procurou o Setor de Serviço Social Forense, para declarar que desejaria entregar seu filho para adoção, e, logo após o nascimento, ocorrido em 09/03/2008, entregou o filho J.V.O. para adoção (f. 15-16). E, através de informações do Serviço Social Forense, os requeridos, que estavam inscritos no cadastro de adoção, protocolizaram ação de adoção com pedido de guarda, em 11/03/2008 (f. 65-70), obtendo a guarda provisória em 12/03/2008 (f. 17).
A mãe biológica se opôs ao pedido de adoção, através de petição protocolizada em 27/03/2008 (f. 18-19). No relatório psicológico, de 09/05/2008, consta que a criança encontrava-se assistida satisfatoriamente pelo casal guardião, requerente à adoção, que nutriu vínculo afetivo pela criança, reconhecendo-a como filho e membro do núcleo familiar, bem como, foi mencionado que, após a apresentação da contestação feita pela genitora, iniciaram os medos e inseguranças de que a criança pudesse ser “retirada” da companhia do casal (f. 29-36).
Em setembro de 2008, os autores da ação de adoção levaram ao conhecimento do Setor de Serviço Social da Comarca que o menor foi diagnosticado como portador de doença congênita que provocou malformação do sistema nervoso central (f. 37).
Em abril/2010 e junho/2010, a mãe biológica peticionou nos autos do processo de adoção, pleiteando o direito de visitar o filho (f. 155-157). Em agosto/2010, os adotantes peticionaram, declarando expressamente que, por motivo de foro íntimo, desistiam do pedido de adoção (f. 158).
No relatório psicológico, de 15/12/2010, consta que o menor tem recebido todos os cuidados necessários e, no que se refere ao pedido de adoção, os requerentes verbalizaram que estavam desistindo da adoção. Consta, ainda, que, pelo discurso do casal, notou-se que este estava apegado a idéia de que a mãe biológica desejava ter o filho de volta, e segundo foi percebido, as consequências futuras quanto aos cuidados que a criança necessitará e quanto à expectativa de vida do infante, tem causado insegurança e medo no casal. E foi ressalvado que o processo adotivo foi marcado por eventos que parecem ter influenciado negativamente na constituição da afiliação. Quanto à mãe biológica, esta declarou que não tem interesse em assumir a maternidade de J.V. e que gostaria apenas de poder vê-lo (f. 47-50).
No laudo referente ao estudo social, de 19/01/2011, consta que o casal reiterou a intenção de desistência da ação de adoção e foi verificado que a genitora, apesar de não ter concordado com o pedido de adoção, não se disponibilizou a acolher o filho (f. 51-53).
Do Termo de Audiência realizada em maio de 2011, os adotantes declararam não mais ter interesse na adoção da criança e, a mãe biológica declarou não ter condições de receber de volta o menor. Em decorrência, manteve-se a guarda com os adotantes e o feito foi suspenso, baixando-se em diligência, para que o serviço social realizasse novo estudo com vistas a levantar opções de encaminhamento do menor (f. 73).
Em outubro/2011, foi prolatada sentença que, considerando a desistência dos requerentes, por razão de foro íntimo, julgou extinto o processo de adoção, nos termos do art. 267, VIII, do CPC. E, ainda, foi deferida a guarda provisória do menor à Sra. V.L.C.R., identificada como pessoa idônea que manifestou interesse em adotá-lo (f. 74-75), cujo respectivo termo foi emitido em novembro/2011 (f. 161). Estes são os fatos.
O dever de indenizar encontra suas diretrizes no artigo 186 do Código Civil, ao determinar que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
E a responsabilidade civil, consubstanciada no dever de indenizar o dano sofrido por outrem, advém do ato ilícito, resultante da violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, como estipula o artigo 927 do Código Civil.
Assim, para surgir o dever de indenizar o dano alheio (responsabilidade civil), é mister que concorram três elementos: o dano suportado pela vítima, a conduta culposa do agente e o nexo causal entre os dois primeiros.
Embora a adoção não tenha se concretizado através de sentença, cabe considerar que o instituto da guarda não se trata de mera detenção de “algo”, tendo em vista que implica em obrigações aos pretensos pais adotivos e tem ampla repercussão na vida da criança, principalmente, no âmbito emocional.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que:
“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 3ºº A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.”
O ‘caput’ do art.333, demonstra as obrigações que os pretensos pais adotivos estão sujeitos, e que foram aceitas por vontade destes quando firmaram o termo de compromisso de guarda do menor, destacando-se, inclusive, conforme preceitua o§ 3ºº, que a guarda torna a criança dependente para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciário.
Por outro lado, o art.355 doEstatuto da Criança e do Adolescentee prevê que a”guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público”. Todavia, o referido Estatuto cuida-se de Lei que busca a proteção integral da criança e do adolescente, de modo que a previsão de revogação da guarda a qualquer tempo é medida que visa proteger e resguardar os interesses da criança, com a finalidade de livrá-la de eventuais maus tratos ou falta de adaptação com a família. Logo, tal dispositivo não se presta à proteção de pessoas, maiores e capazes, que se propuseram à guarda, por livre e espontânea vontade, e depois, simplesmente, se arrependem e resolvem devolver à criança.
Cabe ressalvar que, o estágio de convivência é em prol da criança, e visa à verificação da adaptação ou não do adotando ao novo lar, não se prestando este estágio para que os pretensos pais adotivos decidam se vão adotar ou não, haja vista que tal decisão deve anteceder o efetivo ajuizamento do processo de adoção, para o fim de evitar danos à criança ou adolescente que já não puderam ficar com seus pais por alguma razão. Ressalta-se, inclusive, que os requeridos estavam firmes no propósito de adotar a criança ao ajuizar a ação de adoção com pedido de guarda, uma vez que pleitearam na inicial a dispensa do estágio de convivência (f. 68, f. 70).
Ora, de fato, não há vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança. Contudo, cada caso deverá ser analisado com as suas particularidades. E, na hipótese em tela, observa-se que os requeridos estabeleceram um vínculo sócio-afetivo com a criança em razão de terem buscado a criança logo após o seu nascimento no hospital, e ficado com a mesma durante mais de dois anos até peticionarem o pedido de desistência da adoção, tempo este que em que a criança esteve sob um vínculo familiar, com um lar, a figura de uma mãe e de um pai que, de repente, foi rompido e fez com que o menor se percebesse sozinho.
Neste ínterim, entendo que o ato ilícito que gera o direito a reparação decorre do fato de que os requeridos buscaram voluntariamente o processo de adoção do menor, manifestando, expressamente, a vontade de adotá-lo, obtendo sua guarda durante um lapso de tempo razoável, e, simplesmente, resolveram devolver imotivadamente a criança, de forma imprudente, rompendo de forma brusca o vínculo familiar que expuseram o menor, o que implica no abandono de um ser humano.
Registre-se que, embora os apelados aleguem que detinham apenas a guarda provisória e que agiram no exercício regular do direito, cumpre destacar que tal argumento não merece amparo, uma vez que não se pode promover a “coisificação” do processo de guarda.
Não há que se falar em “direito de devolução”, uma vez que se trata de uma criança que possui direitos fundamentais a ser resguardados, consoante preceitua o art. 15, do Estatuto da Criança e do Adolescente: “a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.
Cabe enfatizar que, a adoção tem de ser vista com mais seriedade pelas pessoas que se dispõe a tal ato, devendo estas ter a consciência e atitude de verdadeiros “pais”, que pressupõe a vontade de enfrentar as dificuldades e condições adversas que aparecerem em prol da criança adotada, assumindo-a de forma incondicional como filho, a fim de seja construído e fortalecido o vínculo filial.
Dessa forma, em que pesem os requeridos afirmarem que a desistência da adoção não se deu em virtude da doença do menor, o fato é que esta contribuiu, haja vista que conforme constou do relatório psicológico, já mencionado, o processo adotivo foi marcado por eventos que parecem ter influenciado negativamente na constituição da afiliação, no que se refere ao fato da mãe biológica se opor ao pedido de adoção, e pelo fato dos requeridos ficarem inseguros quanto às consequências futuras dos cuidados que a criança necessitará e a expectativa de vida do infante (f. 48).
Assim, como o fato da mãe biológica, de início, se opor a adoção, não se trata de justificativa plausível à desistência, uma vez que, ambos os requeridos, em seus depoimentos, as f. 242-245, afirmaram que a genitora não os procurou para reaver a criança ou para visitá-la.
Dessa forma, considero que a guarda obrigava aos adotantes a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais (Art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente), de modo que cabia aos requeridos lidar com tais questões, que são inerentes ao múnus a que estavam dispostos a assumir quanto decidiram adotar a criança. E, considerando o afeto incondicional que deve existir na relação entre pais e filhos, e que faz com que estes sintam capazes de encarar as dificuldades que vão aparecendo ao longo da vida de um ser humano, que lhes foi dado na condição de filho, que seja proveniente de vínculo biológico ou vínculo jurídico, entendo que não há como negar a responsabilidade dos requeridos pela manutenção do menor.
Assim, defiro o pedido de condenação dos requeridos ao pagamento de obrigação alimentar ao menor, enquanto viver, em razão da doença irreversível que o acomete. No tocante ao valor, considerando que se trata de um casal, no qual o esposo é agricultor e a mulher dona de casa, de vida simples, que laboram na própria lavoura, sem empregados, sendo a renda familiar proveniente de produção agrícola e do aluguel de duas casas (f. 21, f. 252), fixo a obrigação alimentar em prol do menor, no importe de um salário mínimo.
Por outro lado, quanto ao dano moral, somente deve ser deferida indenização nas hipóteses em que realmente se verificar abalo à honra e imagem da pessoa, dor, sofrimento, tristeza, humilhação, prejuízo à saúde e integridade psicológica de alguém, que interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo causando aflição e desequilíbrio em seu bem estar. Assim, cabe ao Magistrado, com prudência e ponderação, verificar se, na espécie, efetivamente ocorreu dano moral, para, somente nestes casos, deferir indenização a esse título. E, no caso, entendo que, o dano moral não restou devidamente configurado, visto que não depreende do feito a existência de abalo emocional sofrido pela criança, que parece não ter condições neurológicas de perceber a situação de abandono que lhe foi imposta.
Em face do exposto, rejeito a preliminar aduzida de ofício pelo eminente Des. Revisor e dou parcial provimento ao recurso, reformando a r. sentença, para julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais e condenar os requeridos ao pagamento de obrigação alimentar ao menor, enquanto viver, em razão da doença irreversível que o acomete, no importe de um salário mínimo.
Custas processuais e recursais pelos requeridos, cuja cobrança fica suspensa face à concessão dos benefícios da justiça gratuita, tendo em vista o pedido de f. 140 e a declaração de pobreza de f. 168, nos termos do art. 12, da Lei n. 1.060/50, não havendo condenação em honorários advocatícios, por ser o autor o Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
DES. AFRÂNIO VILELA (REVISOR)
No mérito, acompanho a eminente Relatora, Desembargadora Hilda Teixeira da Costa, quanto à ausência de dano moral. Todavia, divirjo de seu judicioso voto, no que se refere à existência do direito de reparação material.
A CR/88, em seu art. 5º, inciso II, prevê que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Não existe qualquer lei que impeça um casal, que pretenda adotar uma criança, de desistir da adoção no decorrer do processo.
Vale lembrar que o ato de adoção somente se realiza através de sentença judicial, conforme previsão do art. 47, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, in verbis:
“Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.”
Portanto, antes de ser proferida a sentença judicial constituindo o vínculo da adoção, não surge para o casal que participa do processo a obrigação de prestar alimentos, que só existe em decorrência de um vínculo sanguíneo ou civil.
Segundo lições de Dimas Messias de Carvalho:
“(…) Os principais efeitos patrimoniais na adoção são os direitos recíprocos de alimentos e sucessórios entre o adotado e seus descendentes e o adotante e seus parentes.” (Direito de Família, 2ª edição. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2009, p. 365)
Ocorre que os referidos efeitos da adoção somente começam a partir da sentença judicial que a constituir, nos termos do art. 199-A, do ECA.
Assim, antes da sentença, não há lei que imponha obrigação alimentar aos apelados, que não concluíram o processo de adoção da criança.
Ademais, a própria lei prevê a possibilidade de desistência, no decorrer do processo de adoção, ao criar a figura do estágio de convivência.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, sobre o tema, prevê:
“Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. § 1o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo.
§ 2o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.
§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias.
§ 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.”
A função do estágio de convivência é, justamente, apurar a adaptabilidade da criança ao casal e deste à criança. Logo, os apelados tinham o direito de desistir do processo de adoção daquela criança no decorrer do estágio de convivência e isso não configura qualquer ato ilícito ensejador de dano moral ou material.
Entender de forma contrária, além de não possuir respaldo legal, causaria efeito pernicioso nos processos de adoção, afastando os casais que, receosos de sofrerem futuro processo judicial de reparação de danos, sequer se habilitariam a adotar uma criança, deixando de oportunizar aos infantes que sofreram com o abandono a chance de se verem integrados ao seio de uma família, de exercerem o direito de personalidade de filiação e de receberem e darem amor, o que contribui, sobejamente, para seu desenvolvimento como ser humano.
Isso posto, com redobrada vênia à eminente Relatora, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para manter a sentença na íntegra.
Custas recursais pelo apelante, isento nos termos da Lei.
É como voto.
DES. MARCELO RODRIGUES
Contudo, no mérito, outra conclusão é alcançada neste voto.
A questão é tormentosa e exigiu redobrada análise e, sobretudo, sensibilidade. As razões que levam à desistência de uma adoção são variadas, afinal não existe filho ideal.
Wanderlei Nunes da Silveira e sua esposa Rosângela Machado Silveira ajuizaram ação de adoção, com pedido liminar, do menor João Vitor de Oliveira (f.65/70-TJ).
A guarda provisória foi deferida em favor do casal, nos termos do artigo 33, § 2º, da Lei 8.069, de 1990 (f. 17-TJ), em março de 2008, ou seja, quando a criança tinha dias de vida (lembrando que nasceu em 9.3.2008).
No mês de setembro do mesmo ano, foram juntados aos autos documentos informando que o bebê apresentava uma “malformação no sistema nervoso central”, necessitando de tratamento médico especializado, uso de medicação e atendimento por equipe multidisciplinar.
No relatório psicológico de 47/50-TJ, realizado em dezembro de 2010, quando João Vitor de Oliveira ainda estava sob a guarda do casal, foi manifestado pelas partes o interesse de não mais prosseguir no processo de adoção e, com o devido e necessário respeito aos entendimentos contrários, as necessidades especiais do infante emergem com clareza como razão para tanto.
Observa-se, infelizmente de forma crescente, situações de adotantes que comparecem ao juízo da infância e juventude para devolver criança ou adolescente, pois não possuem mais interesse em adotá-la.
A hipótese em que ocorre a devolução do adotando porque não houve adaptação com a família que estava se formando é comum. Neste caso, necessária uma avaliação da equipe do juízo e, sendo constatada que, de fato, a adaptação não se deu, a devolução ocorrerá, sem que haja nenhuma repercussão para a vida dos adotantes, salvo a sensação de frustração que ocorre com o fim de um relacionamento, o mesmo se dando para o adotando, que será submetido aos necessários acompanhamentos psicossociais.
Ressalta-se que apenas se mostra aceitável essa devolução quando o estágio de convivência ainda se encontrar em seu momento inicial, em circunstâncias especiais (2).
Contudo, quando o período de convivência é longo e a devolução do adotando se dá sem motivo ou por algum motivo fútil ou por situação de violência (que se dá por diversas formas), tem-se a prática de ato ilícito por parte dos adotantes, na forma do disposto no artigo 187 do Código Civil, tendo em vista que excederam aos limites do direito a que tinham, devendo ser civilmente responsabilizados.
Ora, com o início do estágio de convivência está sendo iniciada uma família, criando-se expectativas para todos os envolvidos.
Desde o deferimento da guarda provisória até a prolação da sentença por desistência, com publicação em 10.10.2011, passaram-se mais de 3 três anos e 6 meses. A criança ficou sob a guarda provisória mais de 2 dois anos e 9 meses.
Nas lúcidas palavras de Kátia Regina Maciel (3):
Quanto mais tempo se passa, mais se forma no adotando o sentimento de amor e carinho e a sensação de estar sendo aceito em um núcleo familiar, passando a sentir a segurança de ter uma família; a passagem do tempo forma, mais e mais, o senso de segurança e estar sendo aceito no novo núcleo familiar. Quando ocorre a devolução do adotando, após longo decurso do tempo, sem motivo justo, está sendo cometida grande violência contra aquele, que está sendo rejeitado (destacou-se).
E, no caso sob exame, após um significativo período sob a guarda do casal, o menor foi “devolvido”.
Com efeito, a conduta dos apelados não foi só inadequada em face dos ditames da ética, mas também do ponto-de-vista jurídico.
Não se pode aceitar que haja a devolução ao juízo da infância do adotando, nestas situações, impune, pois este ato violou o direito fundamental do adotante à convivência familiar, bem como foi desrespeitado o princípio da responsabilidade parental.
A responsabilidade parental, a fim de que alcance seus reais efeitos e de fato proteja as crianças e adolescentes, há que ser entendida em um sentido mais amplo. Assim, este princípio deve ser aplicado a todos os que figurem no papel dos pais biológicos, exercendo atributos do poder familiar. Os que exercerem a guarda (mesmo de fato), os tutores e adotantes têm de se submeter a este princípio.
De forma lúcida conclui Kátia Regina Maciel:
A devolução do adotando no curso do estágio de convivência, por si só, já uma violência para com este. Ficando demonstrado que os adotantes agiram com abuso de direito, está caracterizada a prática de ato ilícito, podendo e devendo haver a responsabilização civil destes. Contra eles deverá ser proposta ação de indenização pela prática de dano moral (…) (destacou-se).
Portanto, os adotantes arrependidos, dadas as particularidades que cercam o caso sob exame, devem responder por danos morais. Quanto aos pedidos de alimentos provisórios ou obrigação alimentar, diante do processo de (re) colocação do menor em família substituta, com deferimento de guarda provisória, conforme se vê à f.74-TJ, felizmente, diga-se, não subsistem motivos para seu deferimento.
Na indenização por dano moral toca ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantia que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem implicar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima.
Os apelados são lavradores e segundo o laudo referente ao estudo social, declararam um renda mensal de R$1.800,00 (mil e oitocentos reais.
Em razão da impossibilidade material da reposição, existe a necessidade de se transmutar a natureza da obrigação indenizatória que, portanto, deixará de ser uma obrigação de reparar, para se assumir feições de uma obrigação de compensar e também de desestimular.
Partindo-se dessas diretrizes, arbitro os danos morais em 3 (três) salários mínimos.
Por fim, no artigo 50 do ECA foram acrescentados os parágrafos 3º e 4º pela Lei 12.010, de 2009, com o objetivo de evitar devoluções de crianças e adolescentes adotados de modo que, assim, o processo de adoção deixa de ser meramente um instrumento processual, passando, sobretudo, a ter caráter sociofamiliar.
Por derradeiro, apenas um convite a reflexão (4):
A respeito da devolução do adotado, há de se fazer a ressalva de que, muito embora tenha o legislador estatutário declarado ser a adoção um ato irrevogável, ela faz parte da realidade de nossas Varas da Infância e da Juventude.
O caso que ocorreu em Minas Gerais, no qual os pais adotivos, efetivamente, devolveram a sua filha adotada, chama a atenção de todos nós para a não compreensão exata do instituto da adoção. Neste caso, o Ministério Público intercedeu na devolução da menina (uma adolescente), obtendo em seu favor, a condenação dos pais adotivos em alimentos e, ainda, uma indenização por danos morais.
À luz dessas considerações, afasto a preliminar e dou parcial provimento ao recurso para condenar os apelados no pagamento de dano moral no importe de 3 (três) salários mínimos, com incidência de correção monetária deverá desde a publicação desta decisão, por força do enunciado da Súmula 362 do STJ, a ser depositada em conta judicial e, após, ser entregue à atual guardiã.
É como voto.
SÚMULA: “REJEITARAM PRELIMINAR ADUZIDA DE OFÍCIO PELO EMINENTE DES. REVISOR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO EM. REVISOR.”
1 JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes (Coordenador). Manual de direitos difusos. Direito da infância e juventude. 2ª ed. São Paulo: Verbatim. 2012, p.159.
2 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente. Aspectos teóricos e práticos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p.313.
3 Op cit.
4 VERONESE, Josiane Rose Petry. Estatuto da criança e do adolescente comentado. São Paulo: Conceito, 2011. p.126.