TJGO: Alimentos compensatórios
(…) Nessa senda, importante trazer a baila as lições do professor Rodrigo da Cunha Pereira, que assim ensina sobre o que seriam os alimentos compensatórios :
[…] A segunda é a pensão alimentícia compensatória, cujo conceito se aproxima e até se mistura a uma natureza indenizatória. Ela tem por objetivo compensar o ex-cônjuge/companheiro e evitar uma queda brusca no padrão de vida em razão do fim do casamento/união estável, especialmente quando não houver partilha e em razão do regime de bens, ou enquanto não se fizer a partilha. A pensão alimentícia compensatória surge e ganha força no ordenamento jurídico brasileiro em consequência do comando constitucional de reparação das desigualdades entre ex cônjuges/companheiros, sob o manto de uma necessária principiologia para o Direito de Família. O desfazimento de um casamento ou união estável, especialmente aqueles que se prolongaram no tempo e tiveram uma história de cumplicidade e cooperação, não pode significar desequilíbrio no modo e padrão de vida pós-divórcio e pós-dissolução da união estável. As normas jurídicas que dão suporte e autorizam a pensão compensatória advêm dos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade, responsabilidade e dignidade humana. As normas infraconstitucionais, mais especificamente o artigo 1.694 do CCB 2002, bem como a melhor jurisprudência e o Direito Comparado, apresentam-se também como fontes obrigatórias para a compreensão e desenvolvimento do raciocínio jurídico dessa modalidade de pensionamento (Cf. Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed. Saraiva. p. 83 — de minha autoria).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVÓRCIO LITIGIOSO. PARTILHA DE BENS E PENSÃO. CONCEPÇÃO DE ALIMENTOS. 1. O julgador deve atentar-se não só à terminologia pura e técnica das expressões utilizadas no mundo jurídico, mas no bem da vida buscado pelas partes, mormente nas questões envolvendo direitos de família, de crianças, de adolescentes e a saúde. Nesse sentido, o pedido de alimentos temporários articulado por ex-cônjuge que participou da construção de um vultoso patrimônio ao longo de décadas não deve ser visto como mero pensionamento, mas na possibilidade de se ter por compensada, ainda que de modo insuficiente, toda a perda experimentada ao longo dos anos, com a separação de fato. 2. Os alimentos compensatórios são espécie de alimentos transitórios ou temporários, porquanto possuem nítido cunho resolúvel, surtindo efeito pelo prazo fixado na decisão judicial – sob termo ou condição (até a partilha dos bens do casal) – findo o qual estará cessado, automaticamente, o dever alimentício. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E REJEITADOS.
(TJ-GO – AI: 01126718820198090000, Relator: GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, Data de Julgamento: 14/08/2019, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 14/08/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 5112671.88.2019.8.09.0000
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
COMARCA DE GOIÂNIA
EMBARGANTE: CILMÁRIO LEITE DA SILVA
EMBARGADA: CLAUDETE ALVES FIDELIS FRANCO LEITE DA SILVA
RELATOR: DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
REDATOR PARA O ACÓRDÃO: DES. MARCUS DA COSTA FERREIRA
VOTO PREVALECENTE
Trata-se de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos por CILMÁRIO LEITE DA SILVA contra o acórdão proferido à mov. 20, no bojo do AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por CLAUDETE ALVES FIDELIS FRANCO LEITE DA SILVA em razão de decisão proferida pela magistrada Luciane Cristina Duarte da Silva, em substituição na 1ª Vara de Família da comarca de Goiânia, nos autos da ação de “ divórcio litigioso c/c partilha de bens e pensão alimentícia temporária ” ajuizada contra CILMÁRIO LEITE DA SILVA .
É o breve relato. PASSO AO VOTO.
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De antemão, não obstante o respeitável entendimento exarado pelo relator, dele divirjo e, para tanto, algumas ponderações devem ser registradas.
É certo e, nesse ponto alinho-me ao entendimento do relator, que na análise do Agravo de Instrumento o condutor do feito deve-se limitar ao ato judicial atacado.
Acontece que, jungido à decisão encontra-se toda uma amálgama de fatos anteriores, consoante análise pormenorizada do processo originário, no qual restou fartamente demonstrado o patrimônio do casal.
E, nesse ponto, independentemente de quem esteja asseverando ilações verdadeiras ou não, o que resta indiscutível é que, juridicamente, ambas as partes permaneceram casadas até o divórcio , o qual somente ocorreu no ano de 2018, após o ajuizamento da ação originária, com a audiência de conciliação.
Também deve ficar claro que a autora, ora agravante, realmente foi servidora do Poder Judiciário do Estado de Goiás, contudo, conforme provas documentais dos autos, foi exonerada em 2014, não auferindo qualquer renda deste órgão público. Lado outro, ainda que permanecesse na condição de servidora pública, a questão aqui não é em razão de miserabilidade ou falta de condições de prover a sua própria vida de modo digno.
A questão é muito mais complexa.
Não se trata de pensão alimentícia na acepção “pura” do termo , mas do direito de desfrutar de uma parcela, ainda que mínima, dos bens que participou na constituição/construção ao longo de mais de 30 anos na condição, ainda que somente jurídica, de cônjuge.
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A agravante, ora embargada, pediu alimentos temporários, mas com o intuito de se ver compensada até a partilha dos bens por toda a perda que tem vivido . Ademais, querendo ou não, são alimentos , não devendo o juízo “maniatar-se” a uma ou outra espécie, mas sim permitir que seja possibilitado à parte detentora do direito aquilo que melhor preencha o binômio necessidade-possibilidade. A divisão entre essas espécies de alimentos é meramente doutrinária.
Nessa senda, importante trazer a baila as lições do professor Rodrigo da Cunha Pereira, que assim ensina sobre o que seriam os alimentos compensatórios :
[…]A segunda é a pensão alimentícia compensatória, cujo conceito
se aproxima e até se mistura a uma natureza indenizatória. Ela
tem por objetivo compensar o ex-cônjuge/companheiro e evitar
uma queda brusca no padrão de vida em razão do fim do
casamento/união estável, especialmente quando não houver
partilha e em razão do regime de bens, ou enquanto não se fizer
a partilha.
A pensão alimentícia compensatória surge e ganha força no
ordenamento jurídico brasileiro em consequência do comando
constitucional de reparação das desigualdades entre excônjuges/companheiros, sob o manto de uma necessária
principiologia para o Direito de Família. O desfazimento de um
casamento ou união estável, especialmente aqueles que se
prolongaram no tempo e tiveram uma história de cumplicidade
e cooperação, não pode significar desequilíbrio no modo e
padrão de vida pós-divórcio e pós-dissolução da união estável.
As normas jurídicas que dão suporte e autorizam a pensão
compensatória advêm dos princípios constitucionais da
igualdade, solidariedade, responsabilidade e dignidade humana.
As normas infraconstitucionais, mais especificamente o artigo
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1.694 do CCB 2002, bem como a melhor jurisprudência e o
Direito Comparado, apresentam-se também como fontes
obrigatórias para a compreensão e desenvolvimento do
raciocínio jurídico dessa modalidade de pensionamento (Cf.
Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed.
Saraiva. p. 83 — de minha autoria).
[…]A obrigação alimentar compensatória se extingue com a morte
do alimentário ou com a ausência de necessidade
compensatória, seja em razão de abrupta queda da
possibilidade do alimentante, seja pelo repasse integral de
numerário, tornando-se isonômicas as realidades, ou mesmo
pela desnecessidade do alimentário decorrente de fator
superveniente ao padrão posto em análise no momento da
fixação . (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Alimentos compensatórios:
nem só de pão vive o homem. Revista Consultor Jurídico, 5 de
fevereiro de 2017, 8h00. Acesso em: 29/05/2019:
https://www.conjur.com.br/2017-fev-05/processo-familiar-alimentoscompensatorios-nem-pao-vive-homem )
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em caso semelhante:
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO
JUDICIAL. PENSÃO ALIMENTÍCIA. BINÔMIO
NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. ART. 1.694 DO CC/2002. TERMO
FINAL. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS (PRESTAÇÃO
COMPENSATÓRIA). POSSIBILIDADE. EQUILÍBRIO ECONÔMICO
FINANCEIRO DOS CÔNJUGES. JULGAMENTO EXTRA PETITA
NÃO CONFIGURADO. VIOLAÇÃO DO ART.
535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA.
1. A violação do art. 535 do CPC não se configura na hipótese em
que o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se
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sobre a questão controvertida nos autos, não incorrendo em omissão, contradição ou obscuridade. Ademais, a ausência de manifestação acerca de matéria não abordada em nenhum momento do iter processual, salvo em embargos de declaração, não configura ofensa ao art. 535 do CPC.
2. Na ação de alimentos, a sentença não se subordina ao princípio da adstrição, podendo o magistrado arbitrá-los com base nos elementos fáticos que integram o binômio necessidade/capacidade, sem que a decisão incorra em violação dos arts. 128 e 460 do CPC. Precedentes do STJ.
3. Ademais, no caso concreto, uma vez constatada a continência entre a ação de separação judicial e a de oferta de alimentos, ambas ajuizadas pelo cônjuge varão, os processos foram reunidos para julgamento conjunto dos pedidos. A sentença não se restringiu, portanto, ao exame exclusivo da pretensão deduzida na ação de oferta da prestação alimentar.
4. Em tais circunstâncias, a suposta contrariedade ao princípio da congruência não se revelou configurada, pois a condenação a pagamento de alimentos e da prestação compensatória baseou-se nos pedidos também formulados na ação de separação judicial, nos limites delineados pelas partes no curso do processo judicial, conforme se infere da sentença.
5. Os chamados alimentos compensatórios, ou prestação compensatória, não têm por finalidade suprir as necessidades de subsistência do credor, tal como ocorre com a pensão alimentícia regulada pelo art. 1.694 do CC/2002, senão corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação.
6. Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem, em regra, ser fixados com termo certo, assegurando-se ao alimentando tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter, pelas próprias forças, o status social similar ao período do relacionamento.
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7. O Tribunal estadual, com fundamento em ampla cognição fático
probatória, assentou que a recorrida, nada obstante ser pesso
jovem e com instrução de nível superior, não possui plenas
condições de imediata inserção no mercado de trabalho, além de o
rompimento do vínculo conjugal ter-lhe ocasionado nítido
desequilíbrio econômico-financeiro.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
parcialmente provido para fixar o termo final da obrigação alimentar.
(REsp 1290313/AL, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA,
QUARTA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 07/11/2014)
Lado outro, ainda que não se entenda assim, a forma como definido no acórdão induz, não obstante a utilização do termo “alimentos compensatórios” que, na verdade, “ são os alimentos transitórios, que possuem nítido cunho resolúvel, vigendo pelo prazo fixado na decisão judicial (sob termo ou condição), findo o qual cessa, automaticamente, o dever alimentício” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, vol. 6 – Famílias. 4 ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2012, p. 838), exatamente como no caso, onde restou definida a prestação até a partilha dos bens .
Não se está a afirmar, no caso, que a autora, ora agravante tenha direito à metade ou outro percentual do milionário patrimônio indicado nos autos originários, mas que, se ainda resta a partilha de bens amealhados durante mais de 30 anos (1987/2018) ou mais de 13 anos (1987/2000) ou 4 anos (1987/1991), é certo que faz jus a uma parte dos frutos oriundos desses bens , onde incluem-se sociedades empresárias que deram origem a dois hospitais, inúmeros imóveis, semoventes etc.
Imperioso deixar claro que os alimentos compensatórios ou transitórios, sem apego às nomenclaturas, visam a diminuição de grande desequilíbrio econômico entre os cônjuges e companheiros, por ocasião da
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ruptura do casamento/da união estável, causando a quebra do padrão de vida que o casal antes possuía.
Ora, essa quebra do padrão de vida da agravada mostra-se evidente, pois sustentou até 2018 a condição de cônjuge, sem nenhuma retribuição no que tange ao patrimônio do casal. Ao que tudo indica, numa análise dos autos, a agravante, não obstante o milionário patrimônio em disputa, ao longo dos anos recebeu do ex-cônjuge, ora agravado, meras “migalhas” para o pagamento da locação de imóvel, dentre outros “favores” financeiros. Nada que possa comparar-se aos frutos do patrimônio indicado por ele em sua defesa.
A propósito, acerca dos alimentos compensatórios ou a pensão compensatória ou alimentos transitórios até a partilha, deve-se ler o teor do art. 1.694 do Código Civil, não se olvidando que o regime de casamento era o de COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS . Eis o art. 1.694 do Código Civil, in verbis:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir
uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo
compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das
necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência,
quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os
pleiteia.
Ademais, a pensão, como dito e pedido, não é por prazo indeterminado, mas até a partilha dos bens . Inclusive, o deferimento da pensão pode imprimir uma celeridade ao animus do agravado no que tange à partilha.
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ANTE O EXPOSTO , com base nos fundamentos acima, DIVIRJO do eminente relator para conhecer do recurso e REJEITÁ-LO , a fim de MANTER a decisão objurgada que determinou ao agravado-embargante o dever de pagamento da pensão alimentícia compensatória até a partilha final dos bens do casal no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
É o voto.
Datado e assinado digitalmente.
DES. MARCUS DA COSTA FERREIRA
REDATOR