TJBA: União estável
(…) De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira:
“O delineamento do conceito de união estável deve ser feito buscando os elementos caracterizadores de um ‘núcleo familiar’. É preciso saber se daquela relação nasceu uma entidade familiar. Os ingredientes são aqueles já demarcados principalmente pela jurisprudência e doutrina na pós-constituição de 1988: durabilidade, estabilidade, convivência sob o mesmo teto, prole, relação de dependência econômica. Entretanto, se faltar um desses elementos, não significa que esteja descaracterizada a união estável. É o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e a formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva e amorosa uma família, repita-se. Os elementos intrínsecos e extrínsecos, objetivos e subjetivos, em cada caso concreto, são os que nos ajudarão a responder se ali está caracterizada, ou não, uma união estável.” (Direito de Família e o Novo Código Civil. Coord. Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 209/210).
Processo nº: 8000253-91.2018.8.05.0069
Classe: DIVÓRCIO LITIGIOSO (99)
Assunto: [Reconhecimento / Dissolução]
Autor (a): M. M. O.
Réu: D. M. C.
Vistos, etc.
Trata-se de Ação Declaratória de Reconhecimento e Dissolução de União Estável c/c Pedido de Regularização de Guarda, Alimentos e Partilha de bens proposta por M.M. O. em desfavor de D.M.C., sob o fundamento de que mantiveram um relacionamento estável no período de 2004 até 2016. Dessa união tiveram quatro filhos, três ainda menores e adquiriram um imóvel que não está registrado em nome dos mesmos, conforme inicial e documentos de ID 12325098.
A assistência judiciária gratuita foi deferida.
As tentativas de audiência preliminar de conciliação foram frustradas pela ausência do requerido, que mesmo devidamente citado, não compareceu aos autos.
O parecer ministerial de ID n.º 17393989 opinou pela procedência dos pedidos, bem como pela desnecessidade de realização de audiência de instrução e julgamento em se tratando de ausência comprovada do réu em integrar a lide, não comparecendo nos autos, mesmo devidamente citado.
Relatado.
Decido.
FUNDAMENTOS
I – Do Reconhecimento e Dissolução da União Estável
Registre-se, de início, que o § 3º do art. 226, da Constituição Federal, confere proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar.
No mesmo rumo, o legislador ordinário, com redação apontada no art. 1.723 do Código Civil, forneceu requisitos para estabelecer os limites que permitem atribuir direitos à união de fato, in verbis:
“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
É cediço que, para fins de reconhecimento de união estável faz-se necessário que a relação possua características e requisitos próprios do companheirismo.
Quanto aos requisitos da união estável, são eles: que a união seja pública (no sentido de notoriedade, não podendo ser oculta, clandestina), contínua (sem que haja interrupções) e duradoura, além do objetivo dos companheiros ou conviventes de constituírem uma verdadeira família (animus familiae).
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira:
“O delineamento do conceito de união estável deve ser feito buscando os elementos caracterizadores de um ‘núcleo familiar’. É preciso saber se daquela relação nasceu uma entidade familiar. Os ingredientes são aqueles já demarcados principalmente pela jurisprudência e doutrina na pós-constituição de 1988: durabilidade, estabilidade, convivência sob o mesmo teto, prole, relação de dependência econômica. Entretanto, se faltar um desses elementos, não significa que esteja descaracterizada a união estável. É o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e a formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva e amorosa uma família, repita-se. Os elementos intrínsecos e extrínsecos, objetivos e subjetivos, em cada caso concreto, são os que nos ajudarão a responder se ali está caracterizada, ou não, uma união estável.” (Direito de Família e o Novo Código Civil. Coord. Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 209/210).
No caso específico dos autos, a comunhão de vida e de interesses entre o casal restou particularmente clara, conforme se depreende dos documentos que instruem a presente lide. Com efeito, o casal teve quatro filhos, nos assentos de nascimento constam os nomes de ambos os pais, o que, com o costumeiro respeito, não se coaduna com um relacionamento episódico e circunstancial.
Outrossim, nos termos do parecer ministerial, “manifestado por apenas um dos companheiros o propósito de se divorciar, o mais conveniente é reconhecer esse fato e decretar a dissolução do vínculo do casal, não tendo o Estado o direito de manter duas pessoas unidas quando uma delas assim não quer”.
II – Da Guarda e Pensão dos Filhos Menores
Consoante estabelece o artigo 19, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária.
Decorre este direito da proteção integral conferida pela Constituição Federal e tem ele por finalidade o pleno desenvolvimento daqueles que ainda estão em formação física, intelectual e moral: as crianças e os adolescentes.
No caso em análise, a autora requereu a guarda unilateral. Depreende-se dos autos que as crianças encontram-se atualmente sob os cuidados da autora, de modo que, considerando que o réu não compareceu nos autos e privilegiado está o melhor interesse dos menores, não há motivo para alterar a situação presente e estável.
Por fim, pugnou também pelo estabelecimento de pensão alimentícia no valor de 1 (um) salário mínimo, propondo as visitas de acordo com a disponibilidade do réu, desde que não haja contato com a mesma, estando preservados os interesses dos menores, bem como o direito de visitas do genitor.
III – Da Partilha de Bens
Quanto ao imóvel mencionado nos autos, não há possibilidade de partilha, haja vista que esta deve contemplar os bens de propriedade do casal existentes no momento da ruptura da vida conjugal, isto é, não podem ser partilhados bens que estejam em nome de terceiros ou cuja propriedade seja controvertida.
Nesse sentido já decidiu a jurisprudência pátria:
Ação de Divórcio Direto Litigioso. Partilha de bem. Imóvel em nome de terceiro. Ausência de Prova acerca da aquisição do bem pelo casal. 1. Com a dissolução da sociedade conjugal, devem ser partilhados igualitariamente os bens adquiridos pelos conviventes, a título oneroso, na constância do casamento regido pelo regime da comunhão parcial de bens. 2. Sem a prova da propriedade do bem imóvel atribuído ao casal divorciando, é defeso ao Magistrado julgar procedente o pedido de partilha formulado na exordial, tendo em vista, inclusive, o risco de se atingir indevidamente o direito de terceiro. Apelo conhecido e improvido. (TJPA – Apl. 0006288572012814140040 – Belém/PA, Relatora Maria Filomena de Almeida Buarque, 3ª Câmara Cível Isolada, J. Em 02/06/2016). Grifamos.
Acrescenta-se, por oportuno, que no caso em epígrafe não houve sequer juntada de instrumento particular de compra e venda, por exemplo, do referido imóvel, ainda assim, tal documento não serve para caracterizar propriedade, nem mesmo direitos aquisitivos sobre o imóvel, observando-se que nada impede as partes de pleitearem a partilha do referido bem, tão logo adquiram o título de propriedade. Por outro lado, o Juízo deve ater-se ao pedido, de modo que inviável a partilha de direito pessoal quando a parte, especialmente, a exordial, detalhou a divisão de direito real. É nesse sentido a jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DO APELANTE. VÍCIO SANÁVEL, DEVIDAMENTE CORRIGIDO IN CASU. REJEIÇÃO. MÉRITO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. EXISTÊNCIA DA RELAÇÃO CONVIVENCIAL. FATO INCONTROVERSO. DISCUSSÃO RESTRITA À PARTILHA DOS IMÓVEIS SUPOSTAMENTE AMEALHADOS PELO CASAL DURANTE A CONVIVÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DA PROPRIEDADE DOS BENS, PORQUANTO NÃO REGISTRADOS. MEAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA NÃO COMPROVADO. REVELIA DO RÉU QUE NÃO INDUZ PRESUNÇÃO DE VERACIDADE QUANTO À EXISTÊNCIA E À PROPRIEDADE DOS IMÓVEIS, EM RAZÃO DO DISPOSTO NO INCISO III, DO ART. 320, DO CPC DE 1973, APLICÁVEL À ESPÉCIE. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA PRIMÁRIA QUE SE IMPÕE, PARA EXCLUIR DO DECRETO A PARTILHA DOS IMÓVEIS. RECURSO PROVIDO. I – (…) II – Mérito. In casu, a existência da união estável constitui fato incontroverso nos autos, cingindo-se a discussão à meação dos imóveis supostamente amealhados pelo casal durante a convivência. III – Cediço que o direito de propriedade sobre bens imóveis exige título devidamente registrado em Cartório, não sendo admissível a substituição desse documento por qualquer outro tipo de prova. IV – Certo, também, que o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito pertence ao autor, nos termos do inciso I, do art. 333, do CPC de 1973, aplicável à espécie. V – No caso em apreço, a parte autora, ora apelada, não comprovou a efetiva existência, o momento da aquisição, muito menos a quem, de fato, pertence a propriedade dos imóveis mencionados na exordial, revelando-se, pois, incabível a partilha desses bens determinada em primeiro grau. VI – Nem se diga que a revelia em que incorreu o réu supre a falta de provas nesse sentido, pois, a teor do inciso III, do art. 320, do CPC então vigente, a presunção de veracidade não incide sobre fatos que somente puderem ser provados por instrumento público, como é o caso da propriedade de bens imóveis ora em discussão. (Classe: Apelação, Número
do Processo: 0000371-26.2012.8.05.0002, Relator (a): Marcia Borges Faria, Quinta Câmara Cível, Publicado em: 08/03/2017). (TJ-BA – APL: 00003712620128050002, Relator: Marcia Borges Faria, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 08/03/2017).
DISPOSITIVO
Isto posto, extingo o feito com resolução de mérito nos moldes do art. 487, I, do NCPC e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar o reconhecimento e dissolução da união estável entre a requerente, Sra. M. MA. O. e o Sr. D. M. C., nos termos do art. 1.723 do Código Civil, declarando cessados os efeitos da união estável; fixo os alimentos em 1 (um) salário mínimo que deverão ser depositados em conta corrente até o 5º (quinto) dia útil de cada mês; defiro o pedido de guarda unilateral da autora, estabelecendo o direito de visita de acordo com a disponibilidade do réu, sem que haja contato com a requerente; no tocante a partilha de bens, deixo de apreciar o pedido por ausência de provas de propriedade do imóvel descrito nos autos.
Sem condenação em custas e honorários, pois que o feito corre sob o pálio da assistência judiciária gratuita.
Após o trânsito em julgado, arquivrm-se com baixa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Dê-se ciência ao Ministério Público.
De Barreiras para Correntina-BA, 13 de junho de 2019.
MARLISE FREIRE ALVARENGA
Juíza de Direito em substituição
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