Testamento: TJMG, AC nº 10515070269359001, Relator Elias Camilo, 3ª Câmara Cível, J. 27/03/2014.
(…) “Já sobre o alegado vício de consentimento do testador por sua incapacidade, Caio Mário da Silva Pereira esclarece que: “a alegação desta incapacidade deve ser recebida com cautela, para que não sirva de estímulo à cupidez, ou de pretexto a atacar um ato efetivamente não marcado de inequívoca ineficácia.” (in, Instituições de Direito Civil, v. VI, 12ª ed., pág. 100).” (…)
Apelação cível – ação anulatória – testamento – vício de consentimento não demonstrado – improcedência do pedido. – não demonstrado o vício alegado, deve ser mantido o ato do testador, cuja capacidade, dada a maioridade é presumida. (TJMG, AC nº 10515070269359001, Relator Elias Camilo, 3ª Câmara Cível, J. 27/03/2014).
EMENTA: APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – TESTAMENTO – VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO DEMONSTRADO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
– Não demonstrado o vício alegado, deve ser mantido o ato do testador, cuja capacidade, dada a maioridade é presumida.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0515.07.026935-9/001 – COMARCA DE PIUMHI – APELANTE (S): DIMAS SOARES BUENO, DALVA SOARES BUENO E OUTRO (A)(S) – APELADO (A)(S): DARCÍLIO SOARES COSTA E OUTRO (A)(S), JOÃO BENEDITO COSTA – INTERESSADO: WALTER GONÇALVES CASTRO
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em negar provimento ao recurso.
DES. ELIAS CAMILO SOBRINHO
RELATOR.
DES. ELIAS CAMILO SOBRINHO (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação contra a sentença de f. 149-151, que julgou improcedente o pedido inicial da presente ação de anulação de testamento proposta pelos ora apelantes, condenando-os ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$2.000,00 (dois mil reais), suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida.
Em suas razões recursais de f. 155-162, pugnam os apelantes pela reforma da sentença vergastada, para julgar procedente o pedido inicial, ao fundamento, em síntese, de restar demonstrada a nulidade do testamento deixado por Dalma Soares Bueno, irmã e cunhada dos autores, haja vista que, conforme demonstrado, “a de cujus era dada ao vício do álcool, e pela dependência vivia quase sempre embriagada, sendo que nos últimos anos de vida, não apresentava condições mentais de orientar-se com normalidade” (sic, f. 157), e tampouco capacidade para fazer um testamento, asseverando, ademais, que, ao contrário do afirmado, “o tabelião não tem competência para afirmar sobre a capacidade mental da pessoa, seu nível de entendimento ou se apresentava alguma debilidade pelo fato de se dar ao vício do álcool”, o que somente seria comprovado por meio de “atestado sobre o gozo de saúde mental do testador” (sic, f. 158), inexistente na espécie.
Sustentam, ainda, que o fato de a assinatura da testadora não coincidir com a sua assinatura firmada anos antes em outro documento os leva “a acreditar que pela debilidade mental causada pelo Alcoolismo da Testadora à época, no dia da assinatura do presente testamento, a mesma não estava em boas condições mentais e de discernimento, sendo certo que poderia estar embriagada/alcoolizada, sendo levada a erro quando assinou tal documento” (sic, f. 161).
Recebido o recurso, ofertaram os apelados as contrarrazões de f. 166-171, em infirmação óbvia.
A Procuradoria-Geral de Justiça ofertou o parecer de f. 177-180, opinando pelo desprovimento do recurso.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, porque próprio, tempestivamente apresentado, regularmente processado, isento do preparo em razão da gratuidade de justiça deferida.
Cinge-se a controvérsia recursal à nulidade do testamento público de Dalma Soares da Costa, em razão de suposto vício de consentimento, argumentando, para tanto, os apelantes, que a falecida, no momento da elaboração do testamento não se encontrava em perfeitas condições mentais, em especial considerando-se que era dependente de álcool, encontrando-se constantemente embriagada, não possuindo, portanto, condições e discernimento para testar.
Ab initio, cumpre esclarecer que a presente ação anulatória, dado o seu caráter, é de alta indagação, e por isso, não pode ser afeta ao juízo universal do inventário, na forma do art. 984 do CPC. Entende-se por questão de “alta indagação” não a indagação difícil, mas aquela que requer a busca de prova fora do processo, além dos documentos que o instruem, como o depoimentos de testemunhas e perícias.
Dispõe o art. 1.860 do Código Civil/2002, vigente quando da lavratura do testamento cuja validade é contestada:
“Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.
Parágrafo único. Podem testar os maiores de 16 (dezesseis) anos.”
Sobre as causas de nulidade do testamento, leciona Maria Helena Diniz:
“Sendo o testamento um ato jurídico, para que possa produzir efeitos jurídicos, precisará satisfazer não só as condições intrínsecas, atinentes à vontade legalmente manifestada do disponente, mas também extrínsecas, que objetivam assegurar a autenticidade daquela manifestação volitiva. Daí aplicarem-se-lhe os arts. 166 e 171 do Código Civil.
Ter-se-á nulidade absoluta do testamento, que poderá ser alegada por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, e que deverá ser pronunciada pelo magistrado, quando conhecer do ato ou de seus efeitos e a encontrar provada, não lhe sendo, todavia, permitido supri-la, mesmo que haja requerimento das partes (CC, art. 168, parágrafo único), quando:
1º) For feito por testador incapaz, isto é, por menor de 16 anos, por pessoa que não está em seu juízo perfeito, por surdo-mudo que não puder manifestar sua vontade, ou por pessoa jurídica.
2º) Seu objeto for ilícito ou impossível.
3º) Não observar as formas prescritas em lei para cada uma das modalidades de cédulas testamentárias, ordinárias (CC, arts. 1.864 a 1.880) e especiais (CC, arts. 1.888 a 1.896). (…)
4º) A lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito, pois, para resguardar a plena autonomia da vontade do testador, proíbe-se o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo (CC, art. 1.863). (…).” (in, Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 221-212)
Já sobre o alegado vício de consentimento do testador por sua incapacidade, Caio Mário da Silva Pereira esclarece que:
“a alegação desta incapacidade deve ser recebida com cautela, para que não sirva de estímulo à cupidez, ou de pretexto a atacar um ato efetivamente não marcado de inequívoca ineficácia.” (in, Instituições de Direito Civil, v. VI, 12ª ed., pág. 100).
Destarte, in casu, analisando o conjunto probatório dos autos, verifico não terem os apelantes se desincumbido do ônus de demonstrar a efetiva existência do alegado vício de consentimento da testadora, capaz de gerar a nulidade do testamento, não demonstrado, na verdade, que a testadora Dalma Soares da Costa, quando da lavratura do testamento, não tinha plena capacidade de discernimento.
Isso porque, na hipótese em apreço, ao contrário do alegado, restou demonstrado que a testadora, em 05 de janeiro de 2005 (data do testamento de f. 23), era uma senhora que, a despeito de fazer uso de bebida alcoólica, o que, entretanto, conforme prova testemunhal colhida, não lhe retiravam o discernimento, não apresentava qualquer sinal de problemas mentais, detendo, portanto, naquele momento, integridade mental necessária para expressar sua livre vontade e consciência do ato que estava sendo praticado.
Cumpre ressaltar que nem mesmo o depoimento das testemunhas arroladas pelos autores os socorrem, haja vista que, em que pese afirmarem que a testadora realmente era usuária de bebida alcoólica, inclusive indo trabalhar algumas vezes alcoolizada, nada souberam afirmar em relação à sua capacidade no momento da lavratura do impugnado testamento.
Por outro lado, não há como embasar a alegada insanidade da testadora quando da lavratura do testamento apenas com base no seu alegado alcoolismo, haja vista inexistir nos autos qualquer relatório médico que comprove tal diagnóstico, ou, ainda, a demonstração no sentido de que o uso de bebida alcoólica teria efetivamente levado à incapacidade da testadora, e, se quando da lavratura do testamento tal incapacidade já existia.
No presente caso, também há de ser levada em consideração a presunção de veracidade e autenticidade dos documentos públicos inerentes aos atos praticado pelo tabelião, como observado na espécie, somente elidida por prova em contrário, e não por meras suposições ou alegações da parte, em especial quando envolvem questões como a própria capacidade do testador.
Por outro lado, cumpre acrescentar, ainda, que nem a velhice, por si só, ou ainda, a superveniente incapacidade do testador, é motivo para a invalidade do testamento, conforme dispõe no art. art. 1.861 do CC/2002, verbis:
“Art. 1.861. A incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.”
Assim, diante de tais considerações, tem-se que, as provas e elementos constantes do processo, de fato, dão conta de que a testadora, no momento da lavratura do testamento, embora fizesse uso de álcool, achava-se em seu perfeito juízo e no gozo pleno de suas faculdades mentais, tal como certificado pelo d. Tabelião que lavrou a cédula testamentária, motivo pelo qual outra conclusão não se chega que não a de que a testadora tinha plena capacidade mental para expressar a sua vontade.
Neste sentido:
“EMENTA: AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO CERRADO – INCAPACIDADE DO TESTADOR – PROVA – INEXISTÊNCIA – SENTENÇA MANTIDA.
– Restando demonstrado nos autos que a testadora, quando da feitura da cédula testamentária, possuía integridade mental necessária para expressar sua vontade, a improcedência do pedido de anulação do testamento cerrado é medida que se impõe. Recurso a que se nega provimento.”(TJMG – Apelação Cível nº 1.0271.03.018618-0/001, Rel. Des. Kildare Carvalho, julg. 12.04.2007)
“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. EXCEÇÕES. APRECIAÇÃO DA PROVA. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. ANULAÇÃO DE TESTAMENTO E DE ESCRITURA PÚBLICA. INCAPACIDADE CIVIL AO TEMPO DOS ATOS. ALEGAÇÃO NÃO PROVADA. JUSTIÇA GRATUITA. SUCUMBÊNCIA. CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS DEVIDOS PROPORCIONALMENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 23 DO CPC.
(…)
– A capacidade civil, nas pessoas maiores ou emancipadas, é sempre presumida, sendo certo que, para o surgimento da incapacidade, necessária é a comprovação cabal da demência mental.
(…).” (TJMG – Apelação Cível nº 2.0000.00.503.101-4/000, Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, julg. 15.09.2005)
Assim, conforme já explanado, não restando cabalmente comprovado a existência de qualquer vício que macule o impugnado testamento, ônus que competia aos apelantes enquanto fato constitutivo de seu direito, deve mesmo prevalecer a declaração de vontade constante do testamento, não merecendo, portanto, qualquer reforma a sentença de primeiro grau que assim decidiu.
Diante de tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a decisão vergastada por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas recursais, pelos apelantes, suspensa sua exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida.
DES. JUDIMAR BIBER (REVISOR) – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. JAIR VARÃO – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”