STF: MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 138.190
(…) No mesmo sentido é o conceito proposto no “[d]icionário de direito de família e sucessões”, do escritor Rodrigo da Cunha Pereira, que ensina de forma muito clara que: “Ascendente: É o antepassado ou ancestral de alguém. A pessoa de quem outra procede, em linha reta. Tal vínculo pode ser decorrente de consanguinidade, adoção ou socioafetivo reconhecido por decisão judicial (Art. 1.593, CCB). Os ascendentes são os pais, avós, bisavós, etc., classificados como herdeiros necessários do autor da herança.” (grifos nossos)
ORIGEM : HC – 336548 – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROCED. : PARANÁ
RELATOR :MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACTE.(S) : A L G
IMPTE.(S) : JOAMIR CASAGRANDE (25462/PR)
COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de habeas corpus impetrado por J. C., em favor de A. L. G., contra ilegalidade no julgamento do HC 336.548-PR, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça.
O paciente foi condenado pela prática dos crimes atentado violento o pudor (art. 214, do CP) e violência presumida (art. 224, a, do CP), sendo a pena agravada por ter sido realizada por ascendente da vítima (art. 226, II, do CP) e em continuidade delitiva (art. 71, do CP). O paciente teria aproveitado a sua condição de bisavô, para realizar os crimes supra mencionados, contra uma criança de sete anos de idade à época dos fatos.
Não satisfeito com a sentença, o paciente interpôs apelação, que revisou a pena para fixá-la em 8 anos e 9 meses de reclusão.
Para elucidar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná interpôs, cumulativamente, embargos de declaração e embargos infringentes.
Em face da decisão dos embargos declaratórios, o impetrante propôs recurso especial e extraordinário, visando demonstrar nulidades do processo, os quais tiveram negado o seu seguimento, em análise do juízo de admissibilidade.
Inconformado, interpôs agravo ao STJ, que também teve negado seu seguimento.
Pelo fato dos seus recursos não terem sido admitidos, impetrou habeas corpus no STJ, que não conheceu do writ.
É contra esse fato que ora se insurge.
Argumenta que a pena aplicada ao paciente foi equivocadamente agravada, com base no art. 226, II, do Código Penal, que diz:
“Art. 226. A pena é aumentada:
[…]
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.” (grifo nosso)
Insurge-se o paciente contra a condenação pela majorante do crime cometido por bisavô, entendendo que o bisavô não está inserido expressamente no rol de agentes do art. 266.
Alega que
“[…]
buscou-se junto a Corte Superior de Justiça com o writ visando demonstrar a inaplicabilidade do aumento em razão da ausência de grau de parentesco e não havendo previsão legal no citado dispositivo.“ (página 7 do documento eletrônico 1)
Aduz ainda, que
“[…]
[v]erifica-se portanto, que o entendimento firmado pelo Juízo Monocrático, confirmado pelo Tribunal Estadual e descrito pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de manter o acolhimento da majorante da condição bisavô foge por completo do ordenamento jurídico-penal, indo muito além com a fundamentação do Relator do writ ao tentar justificar o grau de parentesco entre vítima e paciente utilizando-se de linhas norteadoras da relação firmadas no Ordenamento Civil Brasileiro, ferindo de forma clara e evidente o princípio da legalidade na forma do artigo 5. Inciso II da Carta Magna, visto não haver omissão na legislação penal para possa haver a aplicação analógica do ordenamento civil, devendo haver a correta interpretação do rol elencado no artigo 226, II do Código Penal que não prevê a condição de bisavô como elemento para o aumento da penalidade.
Ora, o legislador buscou de forma explicita apresentar o rol de pessoas que poderiam ser enquadradas no citado dispositivo, não havendo portanto o enquadramento de qualquer das hipóteses ali elencadas a condição de bisavô o que causa constrangimento pela elevação da pena inclusive com o estabelecimento do regime fechado quando na verdade deve haver sua redução ao patamar de 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão uma vez que na pena mínima de 06 (seis) anos restou aplicado o crime continuado com o percentual de ¼ (um quarto) ou seja 01 (hum) ano e 06 (seis) meses.”(página 10 do documento eletrônico 1)
Requer, ao final, a concessão de liminar para reconhecimento de ilegalidade na aplicação do contido no art. 266, II, do Código Penal, como forma de constrangimento ilegal do paciente, que acarretou o aumento de pena e a mudança do regime inicial de cumprimento.
É o relatório necessário. Decido.
Entendo que o presente writ não deve prosperar.
A tese da defesa, de que o bisavô não está inserido no rol do art. 226, II, do Código Penal não deve ser acolhida, pois bisavô, ao lado de pai, avô ou tataravô, é qualificado como ascendente da vítima.
Para esclarecer a aplicação deste dispositivo do Código Penal, busca-se respostas na legislação e doutrina civil brasileira, especialmente no art. 1.591, do Código Civil, que determina:
“são parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.” (grifo nosso).
Logo, ascendentes são todas as pessoas que possuem parentesco em linha reta, sem distinção de gerações. Como leciona a professora Maria Berenice Dias, em seu Manual de Direito das Família (2015):
“[f]alar em linha de parentesco é identificar a vinculação da pessoa a partir de um ascendente comum. A identificação da linha de parentesco é o que permite distinguir parentes em linha reta dos parentes em linha colateral. Em linha reta são aqueles que descendem uns dos outros. Na linha colateral, as pessoas relacionam-se com um tronco comum, sem descenderam umas das outras. O parentesco em linha reta leva em consideração a relação de ascendência e de descendência entre os parentes. O parentesco em linha colateral funda-se na ancestralidade comum, sem relação de ascendência ou descendência.
O parentesco em linha reta é infinito, nos limites que a natureza impõe à sobrevivência dos seres humanos. Assim, não tem fim o parentesco entre ascendentes e descendentes: bisavô, avô, filho, neto, bisneto etc. São todos parentes. Por mais afastadas que estejam as gerações, serão sempre parentes entre si as pessoas que descendem umas das outras. É o que diz o Código Civil (1.59 1): são parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.” (grifos nossos)
No mesmo sentido é o conceito proposto no “[d]icionário de direito de família e sucessões”, do escritor Rodrigo da Cunha Pereira, que ensina de forma muito clara que:
“Ascendente: É o antepassado ou ancestral de alguém. A pessoa de quem outra procede, em linha reta. Tal vínculo pode ser decorrente de consanguinidade, adoção ou socioafetivo reconhecido por decisão judicial (Art. 1.593, CCB). Os ascendentes são os pais, avós, bisavós, etc., classificados como herdeiros necessários do autor da herança.” (grifos nossos)
Sendo assim, resta-se evidente, à luz da legislação pátria, que o bisavô é um ascendente em linha reta da vítima (bisneto).
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal fixou sólido entendimento no sentido de que a via do habeas corpus, que tem por objeto a tutela da liberdade de locomoção, não pode ser utilizada para o reexame dos pressupostos de admissibilidade dos recursos de competência do Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende dos seguintes julgados:
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INADEQUAÇÃO DO WRIT. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. BENEFÍCIO DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. Compete ao Superior Tribunal de Justiça decidir sobre a admissibilidade do recurso especial.
2. Não cabe habeas corpus, como regra, para rever decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade do recurso especial.
3. Inviável a análise dos pedidos de substituição da pena, de imposição de regime inicial diverso do fechado e de aplicação da causa de diminuição da pena estabelecida pelo art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, temas não debatidos pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância, em afronta às normas constitucionais de competência. Precedentes.
4. Ordem denegada.”(HC 112.756, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber; grifos nossos).
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. QUESTÕES ALHEIAS À PRIVAÇÃO DA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE, CONTRANGIMENTO ILEGAL OU ABUSO DE PODER. ORDEM DENEGADA.
I – A via estreita do habeas corpus não pode ser utilizada como sucedâneo de recurso, para discutir questões alheias à liberdade de locomoção, tais como ausência dos pressupostos de admissibilidade recursal. Precedentes.
II – A decisão impugnada está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que incumbe ao agravante o dever de impugnar, de forma específica, cada um dos fundamentos da decisão questionada, sob pena de não conhecimento do recurso.
III – Ordem denegada.” (HC 113.660, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski; grifos nossos)
Isso posto, com base no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento a este writ. Prejudicado o exame da medida liminar.
Publique-se.
Brasília, 16 de novembro de 2016.
Ministro Ricardo Lewandowski Relator