Rodrigo da Cunha Pereira fala sobre adoção em podcast do IBDFAM
“A adoção existe desde que o mundo é mundo”. É assim que o advogado e presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, inicia o segundo episódio do programa de podcast da Comissão de Direito de Família e Arte do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Escute o programa:
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, explica que a psicanálise e a antropologia já demonstraram que a família não é um fato da natureza, mas da cultura; por isso, a eterna mutação. E assim, por ser um elemento muito mais cultural do que natural e biológico, ela está sempre se reinventando. “Aliás, se não se reinventasse já teria acabado. A família é locus formador e estruturador do sujeito. É ali que ele se desenvolve, biológica e psiquicamente, e determina sua estrutura psíquica”, ressalta.
Segundo Lacan, o que assegura, ou melhor, o que determina a sua existência é o elo psíquico estabelecido entre seus membros. Em outras palavras, família é uma estruturação psíquica onde cada membro ocupa um lugar e tem uma determinada função: de pai, de mãe, de filho. Portanto, a essência da família não está nos tradicionais elementos definidos pelo Direito. “Não é o casamento, o matrimônio ou a biologia e consangüinidade que a determina. Prova disto é o milenar instituto da adoção que existe desde sempre. Os filhos adotados, se tomados como filhos, serão verdadeiramente filhos. A filiação verdadeira não está na relação biológica, mas antes de tudo no lugar e função estabelecida entre filhos e pais”, complementa.
Leia um trecho do verbete Adoção do Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado
ADOÇÃO [ver tb. adoção à brasileira, adoção de maiores, adoção homoparental, adoção internacional, adoção intuitu personae, adoção póstuma, adoção unilateral, família, filiação socioafetiva] –
Do latim adoptare, é o ato de tomar alguém por filho. A prática da adoção encontra raízes no berço da humanidade, na Grécia Antiga, assim como em Roma (os imperadores Tibério, Calígula, Nero, Trajano e outros eram filhos adotivos), e existe na maioria dos países do mundo.
No primeiro Código Civil da França, 1804, também conhecido por Código de Napoleão, e que instalou no mundo ocidental o sistema de codificação, a adoção foi tratada como uma filiação igual à filiação oriunda do casamento. Isto porque Napoleão Bonaparte, cuja esposa Josefina, em razão de sua esterilidade, não podia dar-lhe um herdeiro, procurou garantir, pelo Código Civil, todos os direitos aos filhos adotivos, inclusive os de sucessão, na esperança de dar uma continuidade ao seu império.
No Brasil, desde a Colônia até o Império, o instituto da adoção foi regulamentado pelo Direito português. Eram diversas referências à adoção nas chamadas Ordenações Filipinas (século XVI) e posteriores, Manuelinas e Afonsinas, mas nada efetivo – não havia sequer a transferência do pátrio poder ao adotante, salvo nos casos em que o adotado perdesse o pai natural e, mesmo assim, se fosse autorizado por um decreto real.
O milenar instituto da adoção é a primeira e maior evidência de que a família é uma estruturação psíquica, em que cada membro ocupa lugares determinantes, de pai, mãe, filhos. A Psicanálise lacaniana e a Antropologia estruturalista de Claude Lévi Strauss já demonstraram que família é muito mais um elemento da cultura que da natureza, por isto ela vem se reinventando, e novas estruturas parentais e conjugais estão sempre em curso. A legislação brasileira reconhece igual direito aos adotantes solteiros, casados e aqueles que vivem em união estável hetero ou homoafetiva.
A Lei nº 12.010/09 que, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamenta a adoção, a considera medida excepcional, ao preceituar que deve ser concedida após esgotadas todas as possibilidades de manter a criança e o adolescente na família biológica. Vê-se aí um equívoco conceitual e principiológico, vez que, ao priorizar a família biológica à afetiva, ignora toda a evolução do pensamento psicanalítico e antropológico de que a família é muito mais um fato da cultura do que da natureza.
E assim, a própria lei da adoção acaba não atingindo a sua finalidade de viabilizar a adoção e assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente, pois nem sempre o melhor para a criança é permanecer no núcleo familiar biológico. Ao insistir em sua permanência na família natural, e que muitas vezes nenhum vínculo tem com eles, especialmente quando recém-nascidos, retarda-se a sua colocação em família substituta, ficando a criança/adolescente abrigados por longo período, situação não recomendável, fazendo com que, dificilmente, sejam adotados, já que a maioria dos candidatos à adoção se interessa por crianças de tenra idade.