Pessoa terá registro retificado para constar gênero não binário, decide TJCE
A Justiça cearense reconheceu o direito de pessoa não binária (que não se identifica nem com o gênero masculino nem com o feminino) à retificação de gênero em registro civil. Com a decisão da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJCE a pessoa terá o registro retificado para constar o gênero “não binário”, sem qualquer menção à mudança ou aos motivos que a justificaram nas certidões futuras.
A decisão de primeira instância havia autorizado apenas a alteração do prenome e manteve o gênero masculino no registro civil. Ao recorrer, a pessoa argumentou que a identidade de gênero transcende o binarismo tradicional e abrange outras possibilidades, como o gênero não binário.
Outro argumento mencionado no recurso é o direito à dignidade da pessoa humana, assegurado pela Constituição Federal, que garante o reconhecimento e respeito à sua identidade em todas as instâncias, incluindo o registro civil.
No TJCE, o relator, a princípio, votou contrário à possibilidade, e foi acompanhado pelo primeiro vogal. O desembargador André Luiz de Souza Costa, membro do IBDFAM, pediu vista e proferiu voto divergente. O relator, então, acompanhou o voto-vista.
Em seguida, o vogal, presidente da 4ª Câmara de Direito Privado, pediu vistas. Após dois meses, retomou o julgamento e acompanhou o entendimento, agora unânime.
Ao avaliar o caso, o desembargador André Luiz de Souza Costa, cuja interpretação prevaleceu, destacou a importância do respeito à identidade de gênero e à dignidade humana.
Conforme o magistrado, “autorizar a retificação do registro civil, em atenção aos direitos da personalidade, corrobora com o princípio da veracidade dos registros públicos, na medida em que a alteração corresponde à realidade vivida pela pessoa não binária e com sua autopercepção como pessoa.”
Ainda conforme o desembargador, decisões da Corte Constitucional brasileira que garantem o direito à retificação de gênero nos registros civis de pessoas transgênero também devem ser aplicadas às pessoas “não binárias”.
Proteção da Justiça
“A decisão demostra sensibilidade aos novos tempos, não podemos excluir o diferente do laço social e da proteção da Justiça”, observa o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e das Sucessões.
O especialista aponta, ainda, que o gênero apresenta o aspecto social das relações entre os sexos, mas que não está atrelado, necessariamente ao conceito biológico de sexo. “A noção de gênero vai além das identidades masculinas e femininas. Em 1975, a historiadora Natalce Zenon Dawis apontou a necessidade de se entender e buscar uma nova interpretação da história da diferença entre homens e mulheres, para se entender e descobrir o alcance e extensão dos papéis sexuais e do simbolismo sexual em diferentes tempos e espaços. E sendo o gênero uma construção cultural, o indivíduo pode sentir a necessidade de adequação de sexo de acordo com o gênero com o qual se identifica”, reflete Rodrigo da Cunha Pereira.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Migalhas)
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