Penhora de bem de família para ressarcimento de crime exige condenação definitiva em ação penal
Fonte: STJ
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a penhora do bem de família baseada na exceção do artigo 3º, VI, da Lei 8.009/1990 (execução de sentença penal que condena o réu a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens) só é possível em caso de condenação definitiva na esfera criminal. Para o colegiado, não se admite interpretação extensiva dessa previsão legal.
A decisão teve origem em ação indenizatória ajuizada por uma sociedade esportiva e recreativa contra um antigo gestor, na qual pleiteou a reparação de prejuízos imputados ao ex-dirigente. Em primeiro grau, o réu foi condenado a pagar R$ 10 mil em razão da venda de veículo da sociedade e pouco mais de R$ 21 mil de indenização, além dos honorários advocatícios. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Na fase de cumprimento de sentença, o juiz determinou a penhora de um imóvel do ex-gestor, que apresentou impugnação alegando ser o imóvel seu único bem e local de sua residência. No julgamento da impugnação, a penhora foi mantida.
O TJSP negou o recurso sob o fundamento de que a penhora seria cabível em razão da exceção prevista no artigo 3º, VI, da Lei 8.009/1990, pois, embora tivesse sido decretada a prescrição no processo penal relacionado ao mesmo caso, os elementos do crime permaneciam hígidos, e o réu certamente teria sido condenado, se não fosse a extinção da pretensão punitiva.
Limites
A relatora do recurso do ex-gestor no STJ, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a Lei 8.009/1990 instituiu a impenhorabilidade do bem de família com a finalidade de resguardar o direito fundamental à moradia, essencial à composição do mínimo existencial para uma vida digna.
Ela destacou, porém, que a impenhorabilidade possui limites de aplicação, não sendo oponível – por exemplo – na hipótese de imóvel adquirido com produto de crime ou na execução de sentença penal condenatória que imponha ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. “Nessas hipóteses, no cotejo entre os bens jurídicos envolvidos, o legislador preferiu defender o ofendido por conduta criminosa ao autor da ofensa”, declarou a ministra.
Nancy Andrighi salientou que existe nos autos uma discussão que envolve a relação entre as esferas civil e penal, visto que também houve processo criminal, cujo resultado foi a prescrição. “É fato notório que certas condutas ensejam consequências tanto pela aplicação do direito civil quanto do direito penal”, disse ela.
A ministra explicou que a sentença condenatória criminal, em situações como essa, produz também efeitos extrapenais, tanto genéricos quanto específicos, sendo a obrigação de reparar o dano um dos efeitos genéricos, em conformidade com o que rezam os artigos 91, I, do Código Penal e 935 do Código Civil.
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Bem de família
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, explica que o inciso VI do artigo 3º da Lei 8.009/1990 permite a penhora de bens de família quando se trata de compensação pelo cometimento de crimes.
“Ou seja, embora a Lei 8.009/1990 tenha instituído a impenhorabilidade do bem de família com a finalidade de resguardar o direito fundamental à moradia para resguardar a dignidade da Pessoa humana, ela encontra limites e restrições no seu próprio texto legal, afastando dessa proteção determinadas práticas”, ressalta.
O advogado explica que direitos e garantias não se revestem de caráter absoluto, encontram princípios que se conflitam devendo usar a carga de valores para encontrar a melhor solução diante do caso concreto.
“Contudo, é preciso garantir, Inclusive a preservação de princípios constitucionais, como por exemplo, o da coisa julgada, além da ampla defesa e do contraditório. Isso para que a decisão que esteja sobre que a análise, não comporte mais revisão preservando as regras do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição. E é nesse sentindo que fora decidido pelo STJ”, avalia.
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira cita algumas hipóteses para a impenhorabilidade do bem de família:
1 – Em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
2 – Pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
3 – Pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
4 – Para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
5 – Por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;
6 – Por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação (Art. 3º, Lei nº 8.009/90).