Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
Dia dos Pais
No próximo domingo, é comemorado o Dia dos Pais. No entanto, um número muito grande de crianças e adolescentes não tem motivos para festejar a data. De acordo com o último Censo Escolar, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e divulgado em 2013, há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento. Isso traz um debate de como devemos encarar a paternidade no século XXI e superar a referência de pai provedor.
Dentro do debate, um novo termo tem ganhado destaque entre os operadores de Direito: a paternidade responsável. De acordo com o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o princípio da paternidade responsável interessa não apenas às relações interprivadas, mas também ao Estado, na medida em que a irresponsabilidade paterna, somada às questões econômicas, tem gerado milhares de crianças de rua e na rua.
Portanto, ele enfatiza que é um princípio que se reveste também de caráter político e social da maior importância. Se os pais não abandonassem seus filhos ou se exercessem uma paternidade responsável, certamente o índice de criminalidade seria menor, não haveria tanta gravidez na adolescência etc.
“A paternidade responsável tornou-se norma jurídica, traduzida em regras e princípios constitucionais. É um desdobramento dos princípios da dignidade humana, da responsabilidade e da afetividade. Na verdade, ela está contida nestes outros princípios norteadores e a eles se mistura e entrelaça. Merece ser considerada como um princípio destacado e autônomo em razão da importância que a paternidade/ maternidade tem na vida das pessoas”, diz.
Rodrigo da Cunha Pereira enfatiza que a paternidade é mais que fundamental para cada um de nós. “Ela é fundante do sujeito. A estruturação psíquica dos sujeitos se faz e se determina a partir da relação que ele tem com seus pais. Eles devem assumir os ônus e bônus da criação dos filhos, tenham sido planejados ou não.”
A mãe pode exercer a função paterna?
Para o advogado, a parentalidade está mais ligada a uma função do que propriamente a uma relação biológica. A partir da ideia de que o pai tem a função de autoridade, de ser a “lei” e os cuidados com a criança é função materna, criou-se mitos em torno das funções de paternidade e maternidade.
Assim, o pai que educa e sustenta não é necessariamente o biológico. O filho pode ser adotivo ou advindo de uma inseminação artificial heteróloga. Sua função não é essencialmente reprodutiva: ele pode ser o transmissor de um nome de um patrimônio, pode ter uma função econômica e social.
“O pai pode exercer todas essas funções, inclusive a maternagem, mas elas constituem, na verdade, uma consequência, ou um derivado da função básica de um pai e que está na essência de toda cultura e de todos os tempos: o pai, ou melhor, ‘um’ pai que exerça a função de representante da lei básica e primeira, essencial a que todo ser possa humanizar-se através da linguagem e tornar-se sujeito. Esse pai, como se disse, não é necessariamente o genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o ‘outro’ que possibilita ao filho o acesso à cultura”, afirma.
Além disso, o advogado destaca que para que o Direito possa estar mais próximo do seu ideal de Justiça, faz-se necessário considerar o que a Psicanálise, principalmente pós Lacan, já desenvolveu em sua teoria sobre a paternidade.
“Em outras palavras, a partir do momento em que a paternidade for considerada em sua essência, desbiologizada e vista como função, o pensamento jurídico terá que se reestruturar, inclusive para dar novos rumos às ações de investigação de paternidade”, completa.
Impactos na sociedade
Com tantas crianças abandonadas afetivamente no País, problemas sociais começam a acontecer. “O descompromisso de pais com seus filhos, independentemente do divórcio, tem sido tão frequente em nossa realidade brasileira que já se tornou um ‘sintoma’ de nosso tempo”, destaca Rodrigo da Cunha.
Para ele, muitos filhos não tiveram outra alternativa a não ser recorrer aos tribunais para buscar algum reparo ao seu desamparo advindo da ausência voluntária do pai. Nestes casos, recorre-se à justiça não em busca de ajuda material, pois para isto há formas jurídicas mais céleres e mais práticas.
Por isso, ele diz que não é o valor da indenização que irá recompor ou restituir o afeto negado ou omitido aos filhos. Certamente, quando esses filhos chegaram às barras dos tribunais, já haviam esgotado todas as formas consensuais de tentativas de aproximação com seus pais. A quase totalidade desse abandono é por parte do pai.
“Dificilmente a mãe abandona um filho, a não ser em situações trágicas, ou quando o entrega à adoção, o que pode significar um ato de responsabilidade e atendimento ao princípio da paternidade responsável. Enfim, a responsabilidade é um princípio jurídico e deve ser observada e respeitada em todas as relações jurídicas, especialmente nas relações familiares entre pais e filhos”, enfatiza.
Ele ainda complementa. “Pai e mãe não podem se divorciar de seus filhos e devem ser responsabilizados pelo não exercício do dever de criar, colocar limites, enfim dar afeto, não apenas no sentido de sentimento, mas principalmente de uma conduta e uma ação de cuidado, proteção e educação. O CNJ por meio do Provimento n. 16 bem como o alcance social e os alentadores resultados do chamado ‘Programa Pai Presente’, instituído pelo Provimento n. 12, de 06 de agosto de 2010, propiciaram resultado positivo na obtenção do reconhecimento da paternidade de alunos matriculados na rede de ensino”, diz.
Com relação aos impactos causados nas crianças que crescem sem a figura paterna, o advogado diz que depende da realidade subjacente. Por exemplo, para o estabelecimento do vínculo de parentalidade basta que se identifique quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem perquirir a realidade biológica, presumida, legal ou genética.
De acordo com ele, a situação familiar dos pais em nada influencia na definição da paternidade, já que família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente.
Em casos de abandono parental filial, nos casos de abandono afetivo em que se buscar reparação civil no Judiciário, a dor de um filho abandonado pelo pai, que o privou do direito à convivência, de amparo afetivo, moral e psíquico e de ser cuidado por ele, afronta também o princípio da dignidade humana.
“Kant já tinha dito há séculos em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes: o amor enquanto inclinação não pode ser ordenado, mas o bem fazer por dever, que rende em princípios de ação e não em compaixão. É só esse amor que pode ser ordenado. Se os pais fossem mais presentes na vida de seus filhos, desejados ou não, planejados ou não, os índices de criminalidade juvenil, gravidez na adolescência, drogadição e outros sintomas de desestruturação do sujeito poderiam ser reduzidos”, afirma.
Como diminuir esse número
Para diminuir esse alto número de abandono paterno, Rodrigo da Cunha destaca que a responsabilidade é um fator crucial, de modo que ela tornou-se uma palavra de ordem da contemporaneidade.
Ele diz que os limites da responsabilidade do sujeito é objeto de preocupação e regulamentação do Direito Civil, cuja pergunta o acompanha desde a sua origem. Afinal, qual o limite da responsabilidade do sujeito? Desde quando ele passa a ser responsabilizado pelos seus atos?
“A razão da existência do Direito reside exatamente em colocar limite e responsabilizar os sujeitos para que seja possível o convívio e a organização social. O princípio da responsabilidade perpassa e se desdobra também no princípio da paternidade responsável (Art. 229, CR)”, lembra.
Assim, a ideia atual de responsabilidade não busca apenas a reparação para os atos do passado, mas também cumprir os deveres éticos, voltados para o futuro.
“Nas relações parentais, o princípio da responsabilidade está presente principalmente entre pais e filhos. Os pais são responsáveis pela criação, educação e sustento material e afetiva de seus filhos (Art. 1.634, CCB). Além de princípio, a responsabilidade é também regra jurídica”, finaliza.
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