Para Terceira Turma, é possível penhora de bem de família dado em garantia fiduciária
Fonte: STJ
Não é permitido que o devedor ofereça como garantia um imóvel caracterizado como bem de família para depois alegar ao juízo que essa garantia não encontra respaldo legal, solicitando sua exclusão e invocando a impossibilidade de alienação.
A partir desse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de devedores que, após o oferecimento da própria residência como garantia fiduciária, alegaram em juízo que o bem não poderia ser admitido como garantia em virtude da proteção legal ao bem familiar.
Os proprietários do imóvel contrataram um financiamento com a Caixa Econômica Federal (CEF) e colocaram o bem como garantia. Posteriormente, buscaram a declaração de nulidade da alienação incidente sobre o imóvel, por se tratar de bem de família, pedindo que fosse reconhecida sua impenhorabilidade.
A sentença julgou o pedido dos devedores procedente, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) deu provimento à apelação da CEF por considerar que o princípio da boa-fé contratual impede a prática de atividades abusivas que venham a causar prejuízo às partes.
No recurso especial, os donos do imóvel alegaram que a exceção à regra de impenhorabilidade só tem aplicação nas hipóteses de hipoteca, e não na alienação fiduciária.
Ética e boa-fé
Segundo a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, a questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas luzes “quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais”.
Ela destacou que a Lei 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família, estabelece que o imóvel assim caracterizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, “mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário”.
De acordo com a ministra, a vontade do proprietário é soberana ao colocar o próprio bem de família como garantia.
“Não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável e, por conseguinte, que não possa ser alienado fiduciariamente por seu proprietário, se assim for de sua vontade, nos termos do artigo 22 da Lei 9.514/1997.”
Nancy Andrighi lembrou que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza, sendo inviável ofertar o bem em garantia para depois informar que tal garantia não encontra respaldo legal. A conduta, segundo a relatora, também não é aceitável devido à vedação ao comportamento contraditório, princípio do direito civil.
De acordo com a relatora, esse entendimento leva à conclusão de que, embora o bem de família seja impenhorável mesmo quando indicado à penhora pelo próprio devedor, a penhora não há de ser anulada “em caso de má-fé calcada em comportamentos contraditórios deste”.
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, explica que bem de família é a propriedade destinada à residência e moradia da família que recebe o benefício da impenhorabilidade, ou seja, não pode ser penhorado e não pode sofrer nenhuma forma de apreensão. E assim não responde por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.
O especialista em Direito de Família e Sucessões concorda com a decisão partindo do princípio da boa fé que deve reger esse tipo de relação.”Não há direitos e garantias fundamentais em caráter absoluto. Nesse caso, o devedor renunciou à impenhorabilidade ao conceder o imóvel como garantia. E ao final, inclusive, impera o venire contra factum proprium, ou seja, é vedado o comportamento contraditório”, afirma.
Leia o acórdão.