Por abandono afetivo, um pai foi condenado a indenizar o filho em R$ 80 mil. Em juízo, o homem admitiu não ser presente na vida do menino, motivado pelo desejo de não ter contato com a mãe da criança. A esposa atual e os outros três filhos também não aceitariam a convivência com o garoto, segundo o genitor. A decisão foi proferida em primeiro grau e mantida pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia – TJBA.
Para a relatora, a juíza substituta em segundo grau Maria do Rosário Passos da Silva Calixto, a decisão de reconhecer o direito a receber indenização foi baseada na tríade “sustento, guarda e educação”. De acordo com a magistrada, apesar de o pai ter cumprido o dever do sustento, falhou nos demais deveres como a guarda e a educação do filho.
O entendimento segue jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ. “Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável”, frisou a juíza.
O cuidado com os filhos é um dever previsto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990), que atribuem aos pais e responsáveis a criação e convivência familiar de seus filhos, bem como a necessidade de preservá-los de negligências, discriminação e violência.
Abandono afetivo e o dever de cuidado
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, explica que abandono afetivo é a expressão usada pelo Direito de Família para designar o abandono de quem tem a responsabilidade e o dever de cuidado para com um outro parente. “É o descuido, a conduta omissiva, especialmente dos pais em relação aos filhos menores e também dos filhos maiores em relação aos pais. É o não exercício da função de pai ou mãe ou de filho em relação a seus pais. Tal assistência para com o outro é uma imposição jurídica e o seu descumprimento caracteriza um ato ilícito, podendo ser fato gerador de reparação civil”, ressalta.
Pereira completa que para o Direito, o afeto vai muito além de sentimento. “Não se pode obrigar ninguém a amar ninguém. Mas o Estado deve chamar à responsabilidade aqueles que não cuidam de seus filhos através da reparação civil”.
O advogado ressalta ainda que o valor da indenização é simbólico, pedagógico e educativo. “Não há dinheiro no mundo que pague o abandono afetivo. Isto também é óbvio”, destaca Rodrigo.
“É obrigação dos pais cuidarem dos seus filhos. E aqueles que descumprem tal obrigação estão infringindo regras do Código Civil — artigo 1634, inciso II — e o princípio constitucional da paternidade responsável, devendo sofrer as sanções da lei, sob pena de ela tornar-se mera regra moral, ou seja, virar letra morta”, reflete.