Pai biológico não pode impedir que filho menor inclua o sobrenome do padrasto em seu registro civil
Com informações do Conjur e Ibdfam
A Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que julgou como procedente a inclusão do sobrenome do padrasto no registro civil de um menor. A decisão foi baseada no entendimento da Lei de Registros Públicos – alterada pela Lei 11.924/09 -, que autoriza que enteados adotem o nome de família da madrasta ou do padrasto sem que seja necessário que o pai ou mãe biológicos concordem com o acréscimo.
O caso chegou ao TJRS após o autor, que é menor de idade e foi representado pela mãe, ter entrado com ação e recebido o direito de incluir o sobrenome do padrasto em seu registro. No entanto, o pai biológico recorreu contra a decisão da Vara dos Registros Públicos da Comarca de Porto Alegre, sustentando que o filho, pela “tenra idade”, ainda não possui discernimento para fazer tal pedido. Ele ainda alegou tratar-se de um caso de alienação parental.
O relator do caso, desembargador Rui Portanova, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, negou a legitimidade do pai registral para figurar no processo, já que não era discutida a exclusão do sobrenome dele, mas apenas o acréscimo do sobrenome do padrasto. Possibilidade que vem expressa no artigo 57 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), desde 2009, por mudança fixada pela Lei 11.924.
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, explica que a tese da multiparentalidade representa a possibilidade de reconhecimento de parentesco constituído por múltiplos pais, quando um filho tem mais de um pai e/ou mais de uma mãe. De acordo com o advogado, os casos mais comuns são os de padrastos e madrastas exercendo as funções paternas e maternas, paralelamente aos pais biológicos e registrais, ou em substituição a eles.“A paternidade socioafetiva é uma realidade que agora ganha reconhecimento dos Tribunais. No momento em que consideramos o afeto como valor jurídico, atribuímos Direito às diferentes formas de famílias possíveis em nossa sociedade contemporânea”, completa.
A Lei Clodovil
Casos como esses, em que é permitido ao enteado ou à enteada acrescentar o nome do padrasto ou da madrasta ao seu, são permitidos atualmente graças à chamada Lei Clodovil.
A Lei 11.924/09, cujo o Projeto de Lei foi apresentado pelo deputado Clodovil Hernandes – PR/SP, já falecido, foi sancionada no dia 24 de março de 2009, e modificou a Lei dos Registro Públicos (6.015/73).
Em sua proposta, o autor justificou que na sociedade atual as pessoas têm filhos de diferentes casamentos, e muitas vezes essas crianças não são criadas pelos pais biológicos, mas pelas pessoas com quem aquelas que têm sua guarda vivem, criando assim uma maior socioafetividade com padastros e madrastas.
A deputada Sandra Rosado – PSB/RN – alterou a proposta de Clodovil deixando claro que é possível adotar tanto os nomes de família do pai como também os da família da mãe. E para fazer a alteração, é preciso que o enteado e o padrasto ou a madrasta estejam de acordo, sendo acrescentado o novo nome junto aos originais.
Conheça o verbete Multiparentalidade do Dicionário de Direito de Família e Sucessões Ilustrado.
MULTIPARENTALIDADE [ver tb. coparentalidade, família multiparental, parentalidade, socioafetividade] – É o parentesco constituído por múltiplos pais, isto é, quando um filho estabelece uma relação de paternidade/maternidade com mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Os casos mais comuns são os padrastos e madrastas que também se tornam pais/mães pelo exercício das funções paternas e maternas, ou em substituição a eles. A multiparentalidade é comum, também, nas reproduções medicamente assistidas, que contam com a participação de mais de duas pessoas no processo reprodutivo, como por exemplo, quando o material genético de um homem e de uma mulher é gestado no útero de uma outra mulher. Pode ser da também nos processos judiciais de adoção.
A multiparentalidade, ou seja, a dupla maternidade/paternidade tornouse uma realidade jurídica, impulsionada pela dinâmica da vida e pela compreensão de que paternidade e maternidade são funções exercidas. É a força dos fatos e dos costumes como uma das mais importantes fontes do Direito, que autoriza esta nova categoria jurídica. Daí o desenvolvimento da teoria da paternidade socioafetiva que, se não coincide com a paternidade biológica e registral, pode se somar a ela.
O conceito de multiparentalidade revolucionou o sistema jurídico de paternidade e maternidade concebido até então. O registro civil, que tem função de registrar a realidade civil das pessoas, temse adaptado a esta realidade. Foi neste intuito que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) foi alterada em 2009, pela Lei nº 11.924, para tornar possível acrescentar o sobrenome do padrasto/madrasta no assento do nascimento da pessoa natural: O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável (…), poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família (Art. 57, § 8º). É também conhecida como pluriparentalidade.
O jurista Zeno Veloso é enfático: Em alguns casos, podem coexistir a parentalidade biológica e socioafetiva, com a mesma intensidade, isto é, sem que se estabeleça uma preferência ou hierarquia entre uma e outra. Tome-se como exemplo o caso de alguém que tem pai biológico e padrasto, mantendo com ambos um vínculo de paternidade-filiação. Verifica-se uma dupla parentalidade. Essa multiparentalidade pode ser reconhecida e produzir efeitos jurídicos, no âmbito do registro civil, inclusive, em que o assento – testemunhando fatos da vida – pode dizer que alguém possui dois pais ou duas mães. (VELOSO, Zeno. Nome civil da pessoa natural. In: Pereira, Rodrigo da Cunha. Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 460)
Após várias decisões de tribunais estaduais, o STF se posicionou favorável à multiparentalidade (RE 898060), estabelecendo a tese com repercussão geral: A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.