O longo e tenebroso litígio de família
Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 6/9/1995
As brigas de família na Justiça brasileira – como as separações, divórcios, alimentos, investigação de paternidade, entre outros – acabam, na maioria das vezes, tornando-se um longo e tenebroso processo. Tenta-se explicar tanta delonga pela necessidade das formalidades técnico-processuais e pela própria estrutura do poder Judiciário, hoje tão atacada. É inconcebível, no entanto, que a cobrança de uma dívida de pensão alimentícia, por exemplo, arraste por tanto tempo na Justiça. Não fazem sentido os eternizantes processos para discutir.
É certo que a formalidade dos atos processuais vem em nome da segurança das relações jurídicas, que o Estado deve resguardar. Mas isto justificaria tanta morosidade em tais processos? Em Direito de Família, principalmente, a demora tem ocasionado mais injustiça do que propriamente segurança às partes envolvidas.
A tendência mais moderna do. Direito de Família, em todo o mundo, é tratar as questões relativas a este tema de maneira distinta dos outros ramos do Direito. Vários países já elaboraram um código de família e também instrumentos processuais diferenciados e melhor adequados à realidade, buscando alcançar resultados mais rápidos, mais eficazes.
O começo desta mudança virá, quando os profissionais que trabalham com o Direito de Família passarem a considerar elementos que transcendem o meramente jurídico, isto é, o texto e contexto. Com a ajuda da Psicanálise, o advogado pode ampliar seu entendimento sobre as questões trazidas pelos clientes. Como diz Lacan, escutar o que está entre o dito e o por dizer. Por mais que o Direito, através de suas normas, tente alcançar o justo equilíbrio das relações, há algo que se lhe escapa, há algo não normatizável, pois essas relações são regidas também pelo inconsciente.
Mas, afinal, para que serviria aos profissionais de Direito saber a mensagem inconsciente que perpassa o discurso de nossos clientes? Em que isto contribuiria para nossa melhor atuação? Como disse Freud, as relações sociais mais íntimas são justamente as que mais estão sujeitas à eclosão do conflito. Amor e ódio, entre outros sentimentos, nem sempre são excludentes, apenas se polarizam. Neste sentido, podemos perceber, por exemplo, que quando um casal está brigando indefinidamente por certos objetos, pelo valor da pensão alimentícia, discutindo a causa ou mesmo o. culpado da separação, está, na verdade, sustentando uma relação prazerosa de dor. Esta é também uma forma de manter a relação, já que não conseguem mais sustentada pelo casamento.
O prolongamento do litígio pode ser uma boa desculpa para manter uma relação amorosa. Há clientes que eternizam sua relação com a Justiça. Os conflitos se resolveriam mais rapidamente, se tratados objetivamente. Para isto, é necessário que as questões afetivas estejam bem resolvidas. A mistura destes elementos é que faz o sustento dos eternizantes processos judiciais. Se conseguíssemos separar o objetivo do subjetivo, certamente o processo fluiria melhor, ou talvez até nem precisasse chegar a ser um processo litigioso.
O Direito de Família e os seus instrumentos processuais demandam uma reforma geral. Nesta renovação, não pode ser excluído e ignorado o sujeito inconsciente que, de uma forma ou de outra, é determinante nas relações familiares sobre as quais o Direito vem legislando.