O caso Rubens Paiva e a Lei 9.140/95
Publicado no Jornal Folha de São Paulo no dia 2/3/1996
Quando dona Eunice Paiva, “viúva” do deputado federal Rubens Paiva, desaparecido em 20 de janeiro de 1970, declarou à imprensa que se sentia aliviada com a certidão de óbito do marido, ela trouxe ao Direito uma reflexão sobre a importância da lei e seu aspecto simbólico.
A situação dessa mulher, que até então não podia definir seu estado civil (viúva, casada…) simboliza e exemplifica a situação de muitas outras pessoas no Brasil que também tiveram seus maridos, mulheres, companheiros(as) e parentes desaparecidos no período entre 1964 e 1985 pela brutal e injustificada razão política e militarista da época.
E, afinal, qual seria a importância deste fato para a ciência jurídica? Explica-se: no direito brasileiro não existe a morte presumida.
Os desaparecidos podem ser considerados, juridicamente, como ausentes após um processo judicial em que o juiz deverá declarar a ausência, apenas para efeito de sucessão hereditária.
Depois de dois anos do desaparecimento, pode-se obter uma declaração por sucessão provisória (artigo 469 do Código Civil) e somente após dez anos para sucessão definitiva (artigo 1.167, II do Código de Processo Civil), o que no entanto não significa o reconhecimento jurídico da morte.
Foi através do instituto jurídico da ausência, que alguns familiares dos desaparecidos políticos resolveram suas questões práticas em relação aos bens. Mas a ferida da indefinição sobre a morte continuava aberta. Os desaparecidos continuavam “ausentes”. E isto não encerra a questão. Poderiam aparecer a qualquer momento, ainda que fosse uma remota esperança. Era necessária uma certeza, mesmo que uma certeza apenas jurídica.
O nascimento e a morte constituem para o Direito elementos basilares, pois são estes fatos que marcam o começo e o fim da personalidade. O Direito precisa saber exatamente a partir de quando uma pessoa começa a adquirir direitos e quando estes terminam. Daí a importância dos registro de nascimentos e mortes como marcos do início e fim da vida jurídica do sujeito de direito.
Assim, marcar o fim da personalidade, que se dá com a morte, é ato essencial para aspectos da vida prática (abertura de inventários e partilhas), como também para ajudar no processo psíquico de elaboração da morte.
Em 1941 (decreto-lei 3.577), 1942 (decreto-lei 4.819), 1943 (decreto-lei 5.782) e 1944 (decreto-lei 6.239), o Estado, nos respectivos textos normativos, abriu exceção para presumir a morte a tripulantes de navios e aeronaves de militares em serviço. Em dezembro de 1995, a lei 9.140 novamente trouxe para o direito a exceção da morte presumida.
O ato do Estado, através desta recente lei, vem demonstrar mais uma vez sua função de “Grande Pai”, que faz intervenções e coloca limites. Esta lei, além de cumprir funções no campo jurídico, vem intervir no plano simbólico, ajudando a resolver a questão da morte e colocando fim à grande tortura sobre a sua incerteza, vivida até agora por tantos brasileiros.