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NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: ética e moral

claudiovalentin

Na Semana de Ciência, Arte e Política – SCAP – a Unidade São Gabriel da PUC Minas reuniu todos os cursos e setores para a realização de um grande evento, cujo objetivo principal é a formação geral do corpo discente. A partir da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, o evento buscou proporcionar por meio da interdisciplinaridade debates acerca de questões contemporâneas.

O tema central e título da sétima edição é Mundo Por Vir. Com esta temática, a VII SCAP buscou uma transversalidade para refletir sobre a questão: o que há de comum entre a crise ambiental, o aquecimento global, o esgotamento dos recursos naturais, a globalização, a adesão de jovens ao estado islâmico, as novas configurações do núcleo familiar, o conflito na Síria, a corrupção, o consumo e a ética?

O artigo “NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: ética e moral” do advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, compôs o debate da VII SCAP e é um dos temas da publicação.

NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: ética e moral

Rodrigo da Cunha Pereira

Os movimentos sociais, políticos e econômicos do século XX, associados à evolução do conhecimento científico e ao fenômeno da globalização, provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo ocidental. Casamentos, uniões estáveis, famílias desconstituídas, recompostas, monoparentais, nucleares, binucleares, homoafetivas, famílias geradas por inseminações artificiais, simultâneas, multiparentais, poliafetiva, eudemonista, anaparental, mosaico, socioafetiva, famílias de rua e na rua, eis aí algumas das diversas formatações familiares do século XXI. Estará a família em desordem?

Essas variadas formas e representações sociais da família, consequências das novas relações econômicas e sociais, remetem os operadores do Direito a uma reflexão e a um desafio para uma nova organização jurídica, cujos pilares de sustentação sejam a ética, a liberdade dos sujeitos e o afeto como valores e princípios jurídicos, acima de valores morais estigmatizantes. Quer queiramos ou não, gostemos ou não, novas estruturas parentais e conjugais estão em curso. E o Direito não pode fechar os olhos, excluir ou condenar à invisibilidade3 essas novas relações que vêm se formando como expressão de afeto e da liberdade.

A psicanálise e a antropologia já demonstraram que a família não é um fato da natureza, mas da cultura; por isso, a eterna mutação. E assim, por ser um elemento muito mais cultural do que natural e biológico, ela está sempre se reinventando. Aliás, se não se reinventasse já teria acabado. A família é locus formador e estruturador do sujeito. É ali que ele se desenvolve, biológica e psiquicamente, e determina sua estrutura psíquica.

A família transcende à própria historicidade, pois suas formas de constituição são variáveis, de acordo com o momento histórico, social e geográfico. A riqueza dela se deve ao mesmo tempo à ancoragem em uma função simbólica e na multiplicidade das recomposições possíveis. Por isso, haverá sempre, de uma forma ou de outra, algum tipo de núcleo familiar que fará a passagem da criança do mundo biológico, instintual, para o mundo social.

A partir da compreensão de que a família é um núcleo estruturante do sujeito, e o que interessa na vida é nos tornarmos sujeito, uma simples lógica nos conduzirá à conclusão de que não faz diferença para um ordenamento jurídico, pautado na ética, a maneira como a família se constitui. O importante é saber se ela é capaz de ser fundante e estruturante da pessoa para torná-la um sujeito. Aí está a essência da família e, por isso, a transhistoricidade. Fora daí serão variações em torno de um mesmo tema. A multiplicidade de formas de família, aparentemente tão assustadoras e desorganizadoras das relações sociais, na verdade é o retrato da vida como ela é, e como as famílias vêm se adaptando à realidade. Até mesmo as crianças de rua e na rua reinventam os núcleos familiares, reproduzindo e instituindo lugares paternos e maternos.

Para se entender o Direito de Família contemporâneo é necessário separar dois tipos de formações familiares: família parental e família conjugal. Nas famílias conjugais a grande reformulação se deu no século passado quando surgiu o casamento por amor. A partir daí ela ficou menos hierarquizada e perdeu a preponderância patrimonialista. Como o amor às vezes acaba, surge o divórcio. Afinal, casa-se para ser feliz e separa-se em busca da felicidade. Consequentemente surgem as famílias mosaicos, isto é, casamentos e uniões estáveis de pessoas que tiveram vínculos conjugais anteriores trazendo os respectivos filhos e tendo filhos nessa nova união. Se a família passou a ser regida pelo princípio da afetividade, o tripé que sempre esteou o Direito de Família, sexo, casamento e reprodução, se desatrelou. O casamento deixou de ser legitimador das relações sexuais e os processos reprodutivos ganharam outra dimensão com a evolução biotecnológica. A sexualidade foi libertada pela psicanálise, ao trazê-la para a compreensão de que ela é muito mais da ordem do desejo que da genitalidade, como era compreendida pelo Direito. E assim, a livre expressão do afeto e da sexualidade, autorizadas pelos princípios constitucionais da dignidade, responsabilidade, pluralidade das formas de família, reconhece e legitima outras formas de famílias conjugais para além do casamento. As relações homoafetivas ganham legitimidade e quebrou-se o monopólio do casamento heteroafetivo. A jurisprudência e a doutrina, ao ponderarem o princípio da monogamia com o de dignidade humana, prescreveram que não se pode repetir as injustiças históricas de ilegitimação de pessoas e famílias. E assim não se pode condenar as famílias simultâneas ou paralelas à invisibilidade e não atribuir-lhes direitos.

Leia o restante do artigo e outros textos no ANAISDASCAP: mundo por vir.

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