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Negativa de paternidade transitada em julgado não pode ser relativizada sem dúvida razoável

Ascom

Fonte: Com informações do STJ

​Apesar da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de relativização da coisa julgada formada em ação de investigação de paternidade, a admissão de reanálise desses casos depende da demonstração de insuficiência de provas no primeiro processo ou de dúvida razoável sobre a existência de fraude em teste de DNA anteriormente realizado, devendo, nessa última hipótese, haver fundamentação concreta sobre os motivos que colocariam sob suspeita o acerto do exame genético.

O entendimento foi fixado por maioria de votos pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, analisando novo pedido de investigação de paternidade (o primeiro havia sido jugado improcedente com base em exame de DNA realizado nos anos 1990), entendeu que a coisa julgada poderia ser relativizada diante de incertezas sobre o procedimento genético.

“Em nenhuma das ações de investigação de paternidade o autor colocou em dúvida o acerto ou a lisura do resultado da perícia genética realizada, deixando, até mesmo, de alegar a evolução tecnológica do exame de DNA como argumento capaz de obter possível relativização da coisa julgada”, afirmou o relator do recurso especial do suposto pai, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Na primeira ação, ajuizada em 1994, o juiz julgou o pedido improcedente com base em laudo pericial que cientificamente apontou que o autor não era filho biológico do réu. A sentença transitou em julgado.

Busca da ve​​​rdade real

Em 2015, o autor ajuizou a segunda investigação de paternidade. Apesar da alegação do réu de que na ação anterior foram produzidas todas as provas, o juiz entendeu ser necessária a rediscussão do caso, tendo em vista a possibilidade de falhas na metodologia utilizada no exame de DNA realizado mais de 20 anos antes. Para o magistrado, o princípio da dignidade da pessoa humana não poderia ser prejudicado pelo princípio da coisa julgada.

A decisão foi mantida pelo TJMG. Para o tribunal, em busca da verdade real e com o objetivo de assegurar o direito fundamental à verificação da identidade genética, deveria ser relativizada a coisa julgada. Segundo a corte mineira, apesar de o exame de DNA ter sido o mais avançado à época, atualmente a evolução científica oferece técnicas que podem assegurar, com mais precisão, se há efetivamente vínculo genético entre as partes.

No recurso especial, o suposto pai alegou que o acórdão recorrido, além de violar a coisa julgada, aplicou de forma distorcida o entendimento do STF para abrir uma brecha sem previsão de limites na questão investigatória de paternidade. O recorrente também apontou que o exame de DNA foi realizado em laboratório renomado.

Mesm​​os fatos

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou inicialmente que a jurisprudência do STF sobre a relativização da coisa julgada em ações de investigação de paternidade está adstrita a casos em que não era possível determinar de forma efetiva a eventual existência de vínculo genético.

No caso dos autos, ao contrário, o relator lembrou que o pedido da primeira ação foi julgado improcedente com base em exame genético, cujo resultado foi negativo.

Na nova investigação, disse Sanseverino, a causa de pedir não está fundamentada na existência de eventual fraude na coleta do material biológico, na falta de correção do laboratório ou no questionamento sobre o método supostamente ultrapassado utilizado no exame de DNA realizado na década de 1990. O autor, ponderou o ministro, limitou-se a reiterar os mesmos fatos e fundamentos jurídicos descritos na primeira ação.

“Nesse cenário, por onde quer que se analise a questão, não há como admitir a relativização da coisa julgada formada nos autos da primeira ação”, concluiu o ministro ao julgar extinta a segunda investigação de paternidade.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Relativização da coisa julgada

Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, a necessidade de prevalência da verdade real no reconhecimento das relações de parentesco, amparadas em ações de estado (CPC/2015, arts. 504, I, e 505, I), admite a possibilidade da relativização da coisa julgada, em situações excepcionas.

“Os avanços científicos tornaram-se possível uma certeza científica (quase absoluta) na determinação da filiação, pois é um direito imprescritível a busca da ascendência genética, inerentes à identidade da pessoa e sua dignidade”, avalia.

O especialista em Direito de Família e Sucessões explica que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu, em julgado com repercussão geral, que superando-se a coisa julgada, “à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, que foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova” (RE n. 363.889⁄DF).

“Essa interpretação vincula a todos da administração pública direta e indireta, com força vinculante. Se tem força vinculante, deve-se aplicar o entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Além dos casos supracitados, também é possível relativizar a coisa julgada nas ações de estado envolvendo investigação de paternidade anteriores à universalização do acesso ao exame de DNA. Tudo isso em prol do acesso à verdade real sobre sua origem e patrimônio genético, de modo a concretizar o princípio da dignidade humana. Trata de situações excepcionais, daí acertada a interpretação do Superior Tribunal de Justiça, que é justamente para que se traga segurança jurídica presente pela coisa julgada, ressalvadas as hipóteses da ação rescisória”, completa o advogado.

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