Multiparentalidade: TAC: Sentença. 0711965-73.2013.8.01.0001. Homologação de transação extrajudicial. j. 24/06/2014
Multiparentalidade(…) “O afeto não é fruto da biologia”, assere Maria Berenice: ela ainda esclarece que “Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, com um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família.” (op. cit. P. 73).
Autos n.º
0711965-73.2013.8.01.0001
Classe
Homologação de Transação Extrajudicial
Sentença
Vistos etc,
A. S. DA S., P. C. DA S. e A. Q. DA S. E S., esta última assistida por sua genitora, F. DAS C. F. DA S., entabularam acordo, no âmbito da Defensoria Pública, que nominaram de “ACORDO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO E FIXAÇÃO DE ALIMENTOS”.
Por meio do pacto extrajudicial, A. reconheceu ser o pai biológico de A., e autorizou a averbação de seu nome e dos ascendentes paternos no assento de nascimento da filha, propondo pagar-lhe alimentos na ordem mensal de 44% do salário mínimo.
A inicial veio instruída com documentos, dentre eles, laudo de exame comparativo das impressões digitais do DNA, que foi concludente no sentido de que a probabilidade da paternidade genética de A. em relação à A. é superior a 99,999%.
Em audiência, os requerentes esclareceram que pretendem o reconhecimento da paternidade biológica de A. em coexistência com a paternidade registral de P., com quem a filha “…mantém laços socioafetivos…”, tendo sido, ainda, celebrado acordo em relação os alimentos em prol da menor, nos mesmos moldes da convenção originária.
O Ministério Público exarou parecer pela não homologação do acordo ao argumento de que inexiste previsão legal autorizadora do reconhecimento da dupla parentalidade.
É o breve relatório. Decido.
Trata-se de pedido de homologação de acordo que visa declarar a paternidade biológica de A. em relação à adolescente A. Q., com inclusão de seu nome e dos ascendentes paternos no assento de nascimento da menor, preservando-se a relação paterno-filial registral exercida por P.
A matéria em debate versa sobre a viabilidade jurídica e fática da pluriparentalidade ou multiparentalidade.
A convenção firmada em juízo merece ser chancelada.
E como bem enfatizam CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD:
“A mais relevante relação de parentesco existente na ciência jurídica é a que se estabelece entre pai/mãe e filho (…) é possível vislumbrar a filiação como um dos mecanismos de formação dos núcleos familiares e, por conseguinte, um dos mecanismos de realização da personalidade humana. Veja-se: considerada a família como um mosaico da diversidade, ninho de comunhão de vida, percebe-se que a sua vocação para a realização pessoa de cada um de seus membros depende do respeito ao outro e da proteção das individualidades no coletivo familiar, conferindo condições de construção de identidade ao sujeito, o que é possível na medida em que se tem o outro como espelho (…) No dizer de DIOGO LEITE DE CAMPOS, a filiação decorre da faculdade que a toda a pessoa é reconhecida ‘de se realizar como humano; de prosseguir a sua felicidade’. Bem por isso, para que seja vivenciada a experiência da filiação não é necessária a geração biológica do filho. Ou seja, para que se efetive a relação filiatória não é preciso haver transmissão de carga genética, pois o seu elemento essencial está na vivência e crescimento cotidiano, nessa mencionada busca pela realização e desenvolvimento pessoal (aquilo que se chama, comumente, de felicidade) (…) a filiação pode decorrer da carga genética transmitida, mas, por igual, pode defluir, ainda, da relação convivencial (do carinho, dos conselhos, dos ensinamentos…) estabelecida entre as pessoas (…) sob o ponto de vista técnico-jurídico, a filiação é a relação de parentesco estabelecida entre pessoas que estão no primeiro grau, em linha reta entre uma pessoa e aqueles que a geraram ou que a aconselharam e criaram, com base no afeto e na solidariedade, almejando o desenvolvimento da personalidade e a realização pessoal (…) sendo determinada a função de pai sobre uma pessoa que não transmitiu os caracteres biológicos (…) é claro que estamos diante de uma hipótese de filiação socioafetiva, merecedora de idêntica proteção (…) O pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do filho, o lugar do pai (a função). É uma espécie de adoção de fato. É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação, amor…ao filho, expõe o foro mínimo da filiação, apresentando-se em todos os momentos, inclusive naqueles em que se toma a lição de casa e ou verifica o boletim escolar. Enfim, é o pai das emoções, dos sentimentos e é o filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos que sobre ele se projetam…” (Curso de Direito de Família. 4ª ed. Salvador/BA. Editora JusPODIVM. Vol. 6. 2012)
Também leciona MARIA BERENICE DIAS no sentido de que:
“As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade (…) Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não. Em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade não biológica. O ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre os pais e filhos, avós e netos. Os arranjos parentais privilegiam o vínculo da afetividade (…) A disciplina da nova filiação há que se edificar sobre os três pilares constitucionalmente fixados: a plena igualdade entre os filhos, a desvinculação do estado de filho do estado civil dos pais e a doutrina da proteção integral (…) De um lado existe uma verdade biológica, comprovável por meio de exame laboratorial que permite afirmar, com certeza praticamente absoluta, a existência de um liame biológico entre duas pessoas. De outro lado há uma verdade que não mais pode ser desprezada: o estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços de filiação construídos no cotidiano do pai e do filho, e que constitui o fundamento essencial da atribuição da paternidade ou maternidade (…) Filiação é um conceito relacional: é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e deveres. Na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, a paternidade se faz, o vínculo de paternidade não é apenas um dado, tem a natureza de se deixar construir (…) A filiação que resulta da posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de ‘outra origem’, isto é, de origem afetiva (CC 1.593) (…) A consagração da efetividade como direito fundamental subtrai a resistência em admitir a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva…” (Manual de Direito das Famílias. 9ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013)
“O afeto não é fruto da biologia”, assere MARIA BERENICE; ela ainda esclarece que “Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, com um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família.” (op. cit. P. 73).
FLÁVIO TARTUCE aduz que JOÃO BAPTISTA VILLELA, em trabalho intitulado Desbiologização da Paternidade, propõe que o vínculo que une pais e filhos é, principalmente, um vínculo afetivo e social, mais do que mero vínculo biológico, nos seguintes termos:
“A paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea. Tanto no registro histórico como no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação. As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso, para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável esforço no esvaziamento biológico da paternidade…” (As verdades Parentais e a Ação Vindicatória de Filho. Anais do VI Congresso Brasileiro de Direito de Família. IBDFAM).
Segundo PAULO LUIZ NETTO LOBO:
“A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade (…) Na experiência brasileira, configuram posse de estado de filiação a adoção de fato, em que muitas vezes se converte a guarda, os filhos de criação e a chamada ‘adoção à brasileira’. Essa reconfiguração da posse do estado de filiação, no sentido do ‘nascimento da verdade sociológica’ (dizemos socioafetiva), de um conteúdo afetivo e social profundo, cuja ruptura prejudicaria o interesse do filho (…) A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou uma mãe e seus filhos. A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as relações contemporâneas. O afeto não é fruto da biológica. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar e não do sangue (…) O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patrimonial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade social e aos fundamentos constitucionais…” (Direito ao Estado de Filiação e Direito à origem Genética: uma distinção necessária. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. IBDFAM).
Nessa mesma linha é o ensinamento de ROLF MADALENO, que, apoiando-se em lições doutrinárias diversas, assinala:
“Julie Cristine Delinski bem identifica essa nova estrutura da família brasileira que passa a dar maior importância aos laços afetivos, e aduz já não ser suficiente a descendência genética, ou civil, sendo fundamental para a família atual a integração dos pais e filhos através do sublime sentimento da afeição. Acresce possuírem a paternidade e a maternidade um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor filial e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, um vínculo de filiação construído pelo livre-desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto, nem sempre presentes na filiação biológica, até porque a filiação real não é a biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento cultivados durante a convivência com a criança e o adolescente (…) O real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética, porque essa, quando desligada do afeto e da convivência, apenas representa um efeito da natureza, quase sempre fruto de um indesejado acaso, obra de um indesejado descuido e da pronta rejeição. Não podem ser considerados genitores pessoas que nunca quiseram exercer as funções de pai ou de mãe, e sob todos os modos e ações se desvincularam dos efeitos sociais, morais, pessoais e materiais da relação natural de filiação. A filiação consanguínea deve coexistir com o vínculo afetivo, pois com ele se completa a relação parental (…) É como escreve Maria Cristina Frascari: ‘Invocar apenas critérios genéticos, negando-se a própria natureza humana, que só realiza e constrói em conjunto, em sócio, em amor e desejo – é a valorização um tanto precária, carecedora de reflexões no mundo jurídico e social – em uma visão atual e moderna. O Direito não pode correr este risco – não pode focar sua leitura, somente na conjuntura normativa e codificada – a pós-modernidade clama por medidas mais justas – para filhos, mães e pais. Não se faz justiça sem equilíbrio e equidade. Não se estabelecem direitos coletivos em detrimento dos individuais. Não se geram filhos individualmente – é prática impossível e desconhecida. Não se é pai ou mãe sozinho – não se é filho sem afeto ou amor (…) Como acentua Jacqueline Filgueras Nogueira: ‘O vínculo de sangue tem um papel definitivamente secundário para a determinação da paternidade; a era da veneração biológica cede espaço a um novo valor que se agiganta: o afeto, porque o relacionamento mais profundo entre pais e filhos transcende os limites biológicos, ele se faz no olhar amoroso, no pegá-los nos braços, em afagá-los, em protegê-lo, e este é um vínculo que se cria e não que se determina…’” (Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2013).
Para FABÍOLA SANTOS ALBUQUERQUE:
“É a afeição ínsita na família. O amor entre pais e filhos, se refere aos cuidados que um tem para com o outro. Portanto, família é aquela fundada no amor que traduz esta atenção especial entre pais e filhos. Este é o verdadeiro sentido da família eudemonista. Família base da sociedade, locus privilegiado e espaço de realização de todos os seus membros, independente do modelo familiar escolhido. Relações de afeto lastreadas nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Novos valores, princípio, quebras de paradigmas estão entre as tantas conquistas e rupturas da família contemporânea, ou, parafraseando Bertrand Russel: outros interesses foram agregados na busca da felicidade na família. O fato é que assistimos a um imenso desejo e a uma ideia nova de felicidade, consoante afirma Michelle Perrot, ‘ser a gente mesmo, escolher sua profissão, seus amores, sua vida’. Indiscutível a importância do processo evolutivo das conquistas dos direitos fundamentais para os homens, entretanto, segundo Sérgio Resende de Barros, ‘não se pode pensar na vida humana sem pensar na família’, e continua seu raciocínio afirmando que: ‘o direito fundamental por excelência é o próprio direito à família e o remete ao recinto familiar – o lar -, onde eles se realizam mais efetivamente, desde que envolvidos e amparados pelo afeto…’ (…) Os critérios objetivos da felicidade podem, no contexto constitucional, ser entendidos como a garantia dos direitos fundamentais a exemplo da dignidade, liberdade, igualdade, além daqueles relacionados no capítulo dos direitos sociais, deste modo é a previsão do direito do indivíduo e da sociedade em buscar a felicidade, obrigando-se o Estado e a própria sociedade a fornecer meios para tanto…” (A FAMÍLIA EUDEMONISTRA DO SÉCULO XXI. Anais do VIIICongresso de Direito de Família. IBDFAM)
Nessa linha de intelecção, a 2ª Câmara Cível do TJPR, no julgamento da Apelação nº 108417-9, da relatoria do Des. Accácio Cambi, julgada em 12/12/2001, DJPR de 04/02/2002, gizou que “…A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendência de personificação do Direito Civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano…”.
O estado de filiação não tem caráter exclusivamente genético.
Vale colacionar excerto do brilhante voto proferido pela Desa. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, no julgamento da Apelação Cível 1.0701.12.024888-8/001, pela 8ª Câmara Cível, do TJMG (julgamento em 29/05/2014, publicação da súmula em 09/06/2014):
“…Inicialmente ressalto a importância da engenharia genética no auxílio das investigações de paternidade por meio do exame do DNA. Sem embargo dessa importante contribuição, é preciso equilibrar a verdade socioafetiva com a verdade de sangue, pois o filho é mais que um descendente genético, devendo revelar uma relação construída no afeto cotidiano. Em determinados casos, a verdade biológica deve dar lugar à verdade do coração; na construção de uma nova família, deve-se procurar equilibrar estas duas vertentes: a relação biológica e a relação socioafetiva (…) Da mesma forma, MARIA CHRISTINA DE ALMEIDA, advogada atuante em Direito de Família, registra que: ‘É fato que o elo biológico entre pais e filhos não é suficiente para construir uma verdadeira relação afetiva paterno-filial. Basta verificar nas demandas de paternidade que, muitas vezes, o filho conhece seu pai por meio do DNA, mas não é reconhecido por ele por meio do afeto. Em outras palavras, a filiação não é um dado ou um determinismo biológico, ainda, que seja da natureza do homem o ato de procriar. Em geral, a filiação e a paternidade sociais ou afetivas derivam de uma ligação genética, mas esta não é suficiente para a formação e afirmação do vínculo; é preciso muito mais. É necessário construir o elo, cultural e afetivo, de forma permanente, convivendo e tornando-se, cada qual, responsável pelo cultivo dos sentimentos, dia após dia. Tais reflexões demonstram que se vive hoje, no Direito de Família contemporâneo, um momento em que há duas vozes soando alto: a voz do sangue (DNA) e a voz do coração (afeto). Isto demonstra a existência de vários modelos de paternidade, não significando, contudo, a admissão de mais de um modelo deste elo a exclusão de que a paternidade não seja, antes de tudo, biológica. No entanto, o elo entre pais e filhos é, principalmente, socioafetivo, moldado pelos laços de amor e solidariedade, cujo significado é muito mais profundo do que o do elo biológico. Disso resulta que, neste terceiro Milênio, quando a família assume o perfil de núcleo de afetividade e realização pessoal de todos os seus membros, paralelamente à paternidade biológica sem afeto, a posição de pai é assumida mesmo na ausência de filhos biológicos.’ (…) A matéria foi, ainda, objeto do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, tendo a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul MARIA BERENICE DIAS consignado: ‘Para o estabelecimento do vínculo de parentalidade, basta que se identifique quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem perquirir a realidade biológica, presumida, legal ou genética. Também a situação familiar dos pais em nada influencia na definição da paternidade, pois, como afirma Rodrigo da Cunha Pereira, “família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente.” Mais uma vez o critério deve ser a afetividade, elemento estruturante da filiação socioafetiva. Não reconhecer a paternidade homoparental é retroagir um século, ressuscitando a perversa classificação do Código Civil de 1916, que, em boa hora, foi banida em 1988 pela Constituição Federal. Além de retrógrada, a negativa de reconhecimento escancara flagrante inconstitucionalidade, pois é expressa proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. A negativa de reconhecimento da paternidade afronta um leque de princípios, direitos e garantias fundamentais. Crianças e adolescentes têm, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar, e negar o vínculo de filiação é vetar o direito à família: “lugar idealizado onde é possível cada um, integrar sentimentos, esperanças e valores para a realização do projeto pessoal de felicidade” (Anais, IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Coordenação Rodrigo da Cunha Pereira, IBDFAM, pág. 396). Portanto, a idéia de que os laços afetivos prevalecerão sobre os vínculos puramente biológicos ressalta a inata condição humana de interação, cuja gama de sentimentos experimentados nesse convívio induz a formação da personalidade do indivíduo, concretizando-o como tal, mormente em relação aos pais, se assim são reconhecidos pela prole, como sendo sua ascendência, responsáveis pela sua manutenção e proteção, o que faz com que a vivência e a identificação sejam sobrepujadas ao liame genético…”
Em igual perspectiva já decidiu o STJ, como indicam os precedentes a seguir colacionados, com destaque:
HABEAS CORPUS. EXPULSÃO. FILHO NASCIDO E REGISTRADO APÓS O FATO CRIMINOSO. LEI Nº 6.815/80, ART. 75, § 1º. DEPENDÊNCIA SÓCIO-AFETIVA. FATOR IMPEDITIVO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCEDER PROGRESSÃO DE REGIME. 1. A Constituição de 1988, de natureza pós-positivista e principiológica, tutela a família, a infância e a adolescência, tudo sob o pálio da dignidade da pessoa humana, fundamento jus-político da República. 2. Deveras, entrevendo a importância dos laços sócio-afetivos incorporou a família estável, fruto de união espontânea. 3. Sob esse enfoque, inegável que a família hoje está assentada na paternidade sócio-afetiva por isso que, absolutamente indiferente para a manutenção do filho junto ao pai alienígena, a eventual dependência econômica; posto se sobrepor a dependência moral-afetiva. 4. Sob esse ângulo, escorreito o entendimento desta Corte de que: “A vedação a que se expulse estrangeiro que tem filho brasileiro atende, não apenas o imperativo de manter a convivência entre pai e filho, mas um outro de maior relevo, qual seja, do de manter o pai ao alcance da cobrança de alimentos. Retirar o pai do território brasileiro é dificultar extremamente eventual cobrança de alimentos, pelo filho. ” (HC 22446/RJ, 1ª Seção, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 31.03.2003). 5. Essa deve ser a leitura principiológica da Súmula n.º 01 do E. STF e da Lei n.º 6.815/80, exsurgente em ambiente ideologicamente diverso daquele que norteou a Carta Magna de 1988. 6. Deveras, na ponderação dos interesses em tensão, há sempre de prevalecer a hodierna doutrina do best interest of the child. 7. A pretensão relativa à progressão do regime escapa à competência ratione materiae desta Seção. 8. Ordem parcialmente concedida para os fins de impedir a expulsão do estrangeiro. Agravo Regimental prejudicado. (HC 32756/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/04/2004, DJ 22/05/2006, p. 137)
“…A filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança…” (REsp 450566/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 11/05/2011)
FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E PETIÇÃO DE HERANÇA. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1.593; 1.604 e 1.609 do Código Civil; ART. 48 do ECA; e do ART. 1º da Lei 8.560/92 (…) 3. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho…(REsp 1274240/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 15/10/2013)
Não havendo inexorável vinculação entre a função parental e a ascendência genética, mas concretizando-se a paternidade atividade voltada à realização plena da criança e do adolescente, não se pode conceber como legítima a recusa da multiparentalidade.
Basta ver que a família contemporânea é mosaico e, portanto, baseia-se na adoção de um explícito poliformismo, em que arranjos pluriparentais, plurívocos, multifacetados, pluralísticos, são igualmente aptos a constituir um núcleo familiar, merecendo “especial proteção do Estado”, como resulta do próprio art. 226, da CF/88.
A família do passado, segundo a racionalidade emoldurada no Código Civil de 1916, era matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual, e constituía-se apenas pelo casamento, sendo que a filiação estava condicionada ao estado civil dos pais, só merecendo reconhecimento a prole nascida dentro do casamento, como lembra MARIA BERENICE DIAS (op. cit., p. 44/45).
Para MARIANNA CHAVES:
“A fisionomia, estruturação ou composição da família, não permanecem a mesma com o decurso do tempo e, ao revés, passou por diversas e radicais transformações ao longo dos séculos. Em todos os sentidos, o retrato da família se modificou. Atualmente, ela é vislumbrada como o resultado de uma conexão afetiva, na qual se edificam os sentidos de solidariedade, lealdade, respeito, confiança e cooperação. É uma entidade além de jurídica, ética e moral. É concebida como um agrupamento de afeto e entreajuda, onde o que mais releva é a intensidade das relações pessoais de seus componentes. Compreendida como ‘núcleo de oxigenação do equilíbrio emocional dos indivíduos e de socialização das crianças e jovens’, a família é a sede de formação das pessoas, da sua dignidade e personalidade; é o refúgio caloroso, cerne de felicidade, onde os seus membros podem se realizar integralmente (…) a família é um ‘fato cultural e espiritual ao mesmo tempo’ e não necessariamente um fato biológico. A função da família está em constante renovação. As suas finalidades tradicionais (política, econômica, de conservação e transmissão do patrimônio) perderam a força ou tiveram a sua essência modificada, abrindo espaço para novas funções essenciais. Emerge, então, a percepção eudemonista da família: não são mais as pessoas que existem para o casamento e a família, mas o casamento e a família existem para o desenvolvimento da personalidade dos membros do grupo e sua felicidade…” (Famílias mosaico, socioafetiva e multiparentalidade: breve ensaio sobre as relações parentas na pós-modernidade. IBDFAM)
Na lúcida visão de LUIZ EDSON FACHIN:
“…o tradicional modelo familiar, que instrumentalizava as relações sociais como instituição erigida sobre o tríplice estandarte do matrimônio, do patrimônio e do pátrio poder, dá lugar à família nuclear eudemonista, cujo feixe luminoso passa a focar-se por sobre as pessoas que nela se encontram afetivamente envolvidas (…) Essa nova estruturação familiar abriu as portas à estruturação e ao reconhecimento de inúmeros outros modelos, a rigor modelos sem modelos apriorísticos, resultado de uma série de transformações sociais especialmente ocorridas nos anos que sucederam a gênese da nova ordem constitucional. Foi na medida dessas transformações que a constitucionalização do direito buscou, nos princípios e valores constitucionais, a ressignificação dos institutos do Direito Civil, promovendo, com isso, a repersonalização do direito privado, que fez deslocar o foco jurídico do patrimônio para a pessoa concreta, sujeito de necessidades materiais e imateriais. Bem por isso que excluir as relações jurídicas que não se amoldam aos tradicionais caixilhos familiares e rompem a barreira da predeterminação normativa implica em negar muito mais do que simples modelos: importa, verdadeiramente, em olvidar a própria condição existencial de sujeitos concreto, que vivencialmente busca a felicidade e a si próprios no afeto para com outrem. Nesse sentido, importa destacar que, se a família for pensada em um viés plural e aberto, apreendida como espaço de uma autoconstituição coexistencial, não cabe nem ao Estado nem à comunidade a definição de como essa autoconstituição será desenvolvida, em quais pilares essa autoconstituição se sustentará ou em quais cores passará ela a se exprimir. Defendemos, pois, um Estado que faça pacto civilizatório com a diferença e não seja veículo da barbárie que é a intolerância. Projetar uma espécie de painel de possibilidades, no âmbito dessas perspectivas, traduz o sinônimo de respeitar e acatar escolhas pessoais, porque se trata, mais do que afirmar a liberdade de fazer escolhas no lugar da não proibição: se cogita de uma ‘liberdade vivida’ (…) Isso se dá porque a constituição dos fatos não se encaixa em apenas um determinado sítio, e a realidade prima invariavelmente pelo inesperado, nos surpreendendo não ao início ou ao fim de uma caminhada, mas sim quando estivermos todos trilhando o meio desse caminho inafastável, ao qual chamamos de vida (…) a lealdade a um projeto de vida não faz morada na fria previsão normativa, mas sim no desejo e vontade daqueles que protagonizaram tal projeto, e que nele buscam construir suas vidas. Mais ainda: apreendem sujeitos que, mais conscientes de seus desejos, são menos propensos a aceitar dominações e imposições. Eis, portanto, a complexidade que hoje vinca as relações familiares pautadas no afeto e na possibilidade plúrima de sua constituição, elementos aos quais não pode o Estado olvidar, e neles nem mesmo interfeir…” (FAMÍLIAS – ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO. Anais do VIII Congresso de Direito de Família. IBDFAM)
O Min. AYRES BRITTO, no julgamento da ADI 4277 (STF – Tribunal Pleno), aduziu que:
“…família como fato cultural e espiritual ao mesmo tempo (não necessariamente como fato biológico) (…) a família é uma complexa instituição social em sentido subjetivo. Logo, um aparelho, uma entidade, um organismo, uma estrutura das mais permanentes relações intersubjetivas, um aparato de poder, enfim. Poder doméstico, por evidente, mas no sentido de centro subjetivado da mais próxima, íntima, natural, imediata, carinhosa, confiável e prolongada forma de agregação humana (…) Ambiente primaz, acresça-se, de uma convivência empiricamente instaurada por iniciativa de pessoas que se vêem tomadas da mais qualificada das empatias, porque envolta numa atmosfera de afetividade, aconchego habitacional, concreta admiração ético-espiritual e propósito de felicidade tão emparceiradamente experimentada quanto distendida no tempo e à vista de todos (…) Tudo isso permeado da franca possibilidade de extensão desse estado personalizado de coisas a outros membros desse mesmo núcleo doméstico, de que servem de amostra os filhos (consangüíneos ou não), avós, netos, sobrinhos e irmãos. Até porque esse núcleo familiar é o principal lócus de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º), além de, já numa dimensão de moradia, se constituir no asilo “inviolável do indivíduo”, consoante dicção do inciso XI desse mesmo artigo constitucional (…) E sendo assim a mais natural das coletividades humanas ou o apogeu da integração comunitária, a família teria mesmo que receber a mais dilatada conceituação jurídica e a mais extensa rede de proteção constitucional. Em rigor, uma palavra-gênero, insuscetível de antecipado fechamento conceitual das espécies em que pode culturalmente se desdobrar (…) Daqui se desata a nítida compreensão de que a família é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se, no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada. O que a credencia como base da sociedade, pois também a sociedade se deseja assim estável, afetiva, solidária e espiritualmente estruturada (não sendo por outra razão que Rui Barbosa definia a família como “a Pátria amplificada”). Que termina sendo o alcance de uma forma superior de vida coletiva, porque especialmente inclinada para o crescimento espiritual dos respectivos integrantes. Integrantes humanos em concreto estado de comunhão de interesses, valores e consciência da partilha de um mesmo destino histórico (…) a família como a sociedade civil são usinas de comportamentos assecuratórios da sobrevivência, equilíbrio e evolução do Todo e de cada uma de suas partes. Espécie de locomotiva social ou cadinho em que se tempera o próprio caráter dos seus individualizados membros e se chega à serena compreensão de que ali é verdadeiramente o espaço do mais entranhado afeto e desatada cooperação (…) Afinal, é no regaço da família que desabrocham com muito mais viço as virtudes subjetivas da tolerância, sacrifício e renúncia, adensadas por um tipo de compreensão que certamente esteve presente na proposição spnozista de que, “Nas coisas ditas humanas, não há o que crucificar, ou ridicularizar. Há só o que compreender” (julgamento em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219- PP-00212)
LÍGIA ZIGGIOTTI DE OLIVEIRA doutrina que:
“O amor constitui família. Também no âmbito da filiação, a vivência do afeto tem enriquecido o debate jurídico, dado voz a modelos familiares construídos no mundo dos fatos e há muito relegados à invisibilidade (…) Ganha força nas novas luzes lançadas ao Direito de Família contemporânea o papel da felicidade (…) Entende-se a felicidade, segundo a concepção eudemonista, como a realização pessoal dos membros que fazem parte de certo núcleo familiar (…) O elo, pois, entre o reconhecimento da pluralidade e a realização da felicidade é explicitado por Rodrigo da Cunha Pereira. Este compromisso, afinal, fundamenta aquele primeiro. ‘É na busca da felicidade que o indivíduo viu-se livre dos padrões estáticos para constituir família’ (…) Contemporaneamente, o sentido de família ‘transcende a noção de grupo agregado pelo afeto para indicar um espaço privilegiado de realização e desenvolvimento individual numa vida em relação’ (…) a família não serve para realizar a sociedade, que do casal pode esperar a heterossexualidade, o casamento, a procriação, e sim para realizar os membros que fazem parte de referido núcleo familiar. Por isso, o Direito não pode se cegar às inúmeras maneiras de ser feliz neste laço que parece especialmente significativo para a realização pessoal por significar um contraponto às pressões e demandas cotidianas encontradas para além do lar (…) ‘exime-se o direito da secular pretensão de definir a família por meio de um modelo abstrato e excludente de arranjos que a ele se subsumem – e, por conseguinte, das pessoas que os compõem’…” (A MULTIPARENTALIDADE SEGUNDO TRÊS PRINCÍPIOS FUNDAMENTOS DO DIREITO DE FAMÍLIA. IBDFAM)
Sobre a multiparentalidade como realização dos princípios da afetividade e do melhor interesse da criança e do adolescente, LÍGIA assinala que:
“A realização de cada membro de uma família parece encontra máxima pela construção da afetividade (…) O princípio da afetividade é relevante quando analisada a multiparentalidade, pois que, por óbvio, pelo menos um dos laços de paternidade se construirá exclusivamente em razão da existência de afeto, ‘um vínculo de filiação construído pelo livre desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto, nem sempre presentes na filiação biológica’ (…) Se o jovem, portanto, toma por pai e mãe sujeitos para além dos estabelecidos a priori nos documentos que os identificam, melhor reconhecer aqueles em todos os âmbitos para garantir direitos e estabelecer deveres (…) Em verdade, apreciar se a multiparentalidade pode concretizar satisfatoriamente o melhor interesse da criança e do adolescente é responder se o arranjo familiar ali formado dispõe de potencial afetivo para que o jovem se desenvolva com felicidade (…) ‘Em um mundo onde incontáveis seres humanos são privados de despertar de sentimentos nobres, como o amor, o afeto, agraciados são aqueles aos quais é permitida uma convivência saudável, verdadeira, edificantes, experimentada no cotidiano da família’ (…) Por tudo isso, um espaço que apreende a pluralidade, a afetividade e o melhor interesse da criança e do adolescente como princípios fundamentais para o reconhecimento da multiparentalidade parece plenamente comprometido com a aferição da realização dos indivíduos que convivem neste arranjo familiar, aproximando-os ainda mais de um ideal felicidade…” (op. cit.).
O reconhecimento da multiparentalidade também representa uma das manifestações do princípio-matriz da dignidade da pessoa humana – previsto no art. 1º, inc. III, da CF/88 – que, segundo ALEXANDRE DE MORAES:
“concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autoderminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos…” (Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo. Atlas. 2001).
E a Suprema Corte após evidenciar que o afeto é novo paradigma que informa e inspira o novo conceito de família, destacou que todos, sem exclusão, têm o direito à busca da felicidade, como decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido:
“…A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. – O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. – O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. – O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. – Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. (STF – RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220- PP-00572).
Diante desse quadro, é se concluir como perfeitamente viável a coexistência de elos parentais afetivos e biológicos.
O reconhecimento do elo paternidade socioafetivo não afasta a paternidade biológica, ou melhor, uma não tem preferência sobre a outra.
Sendo certo que, na linha positivada no art. 27, do ECA – Lei nº 8.069/90 -, “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.”
O próprio STF já reconheceu a magnitude do direito personalíssimo ao conhecimento de sua origem biológica. Eis o precedente:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. FILIAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. INEXISTÊNCIA DE DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A Constituição Federal adota a família como base da sociedade a ela conferindo proteção do Estado. Assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 3o, 4o, 5o e 7o; 227, § 6o) (…) 3. O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 27). 4. A Lei 8560/92 expressamente assegurou ao Parquet, desde que provocado pelo interessado e diante de evidências positivas, a possibilidade de intentar a ação de investigação de paternidade, legitimação essa decorrente da proteção constitucional conferida à família e à criança, bem como da indisponibilidade legalmente atribuída ao reconhecimento do estado de filiação. Dele decorrem direitos da personalidade e de caráter patrimonial que determinam e justificam a necessária atuação do Ministério Público para assegurar a sua efetividade, sempre em defesa da criança, na hipótese de não reconhecimento voluntário da paternidade ou recusa do suposto pai. 5. O direito à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, de forma a inviabilizar a imposição ao pai biológico dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares. Essa garantia encontra limite no direito da criança e do Estado em ver reconhecida, se for o caso, a paternidade…(RE 248869, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 07/08/2003, DJ 12-03-2004 PP-00038 EMENT VOL-02143-04 PP-00773)
Assim também já decidiu o STJ:
Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade e maternidade. Vínculo biológico. Vínculo sócio-afetivo (…) – O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. – O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. – Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica (…) – Dessa forma, conquanto tenha a investigante sido acolhida em lar “adotivo” e usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. – Nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e sócio-afetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem pautar as decisões. Recurso especial provido. (REsp 833712/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 04/06/2007, p. 347)
Aliás, preconiza o art. 227, caput, da Carta Constitucional de 1988, na redação conferida pela EC 65/2010, que:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Esse comando constitucional aponta para a prevalência dos interesses da criança e do adolescente.
O aludido preceito da Lex Mater encontra-se em harmonia com a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20/11/1989 – introduzida em nosso ordenamento com status de norma supralegal, ao ser aprovada pelo Congresso Nacional, mediante Decreto Legislativo nº 28, de 14/09/1990, e promulgada pelo Decreto Executivo nº 99.710, de 21/11/1990, cujo art. 3.1, preceitua, in verbis:
“Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.”
Os comandos normativos precitados ordenam categoricamente que todas as ações voltadas aos interesses de crianças e adolescentes devem pautar-se pela observância dos seus interesses.
As normas precitadas, em conjugação com o disposto nos arts. 3º e 4º, do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) – albergam os princípios da prioridade absoluta e proteção integral da criança e do adolescente.
E assegurar que a criança e o adolescente possam ter assegurado o pleno desenvolvimento de sua personalidade, através de adequada assistência física, moral, social, médica, psicológica, material, emocional, afetiva, por meio da ação conjunta de seus pais biológico e socioafetivo, confere máxima primazia aos interesses do menor.
Desse modo, a multiparentalidade se apresenta como medida adequada ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social ao menor, preservando seus laços com os pais biológicos e socioafetivos.
A inclusão de ambos os pais do menor em seu assento de nascimento viabilizará a formalização de todos os vínculos, dos quais resultarão efeitos materiais, sociais e econômicos, tais como os direitos a alimentos e sucessórios, dentre outros próprios do elo familiar.
É que a ausência do registro formal na condição de filho impede a irradiação jurídica dos direitos e dos deveres emanados dos vínculos expressos e oficiais da assunção do estado de filho, como ensina ROLF MADALENO (op. cit. P. 614).
Para MARIA BENENICE DIAS:
“Todas as novas possibilidades de concepção geneticamente assistidas contam com a participação de mais pessoas no processo reprodutivo. Quer os doadores de material genético, quer quem gesta em substituição e acaba por dar à luz, todos geram vínculos com a criança que nasce com sua interferência. Assim, não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. É possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade ou multiparentalidade, é necessários reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. Para o reconhecimento da filiação pluriparental, basta flagrar o estabelecimento do vínculo de filiação com mais de duas pessoas. Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo a dignidade e a afetividade da pessoa humana. Esta é uma realidade que a Justiça já começou a admitir (…) Do mesmo modo, pode-se estabelecer a filiação pluriparental em face do novo cônjuge ou companheiro de um dos pais, contanto que se verifique a posse de estado de filho também com relação a eles, sem excluir o vínculo com o genitor. Tanto é este o caminho que já há a possibilidade da inclusão do sobrenome do padrasto no registro do enteado (LRP 57 § 8º)…” (Op. cit., P. 385)
Em outras palavras, no contexto atual, em que a paternidade resulta de uma construção efetiva e diária, deve prevalecer o interesse maior da criança e do adolescente de ter como pais aqueles que os acolhem, educam, orientam, prestam assistência psicológica e financeira.
“As parentalidades socioafetiva e biológica são diferentes”, ressalta CHRISTIANO CASSETTARI, “pois ambas têm uma origem diferente de parentesco. Enquanto a socioafetiva tem origem no afeto, a biológica se origina no vínculo sanguíneo. Assim sendo, não podemos esquecer que é plenamente possível a existência de uma parentalidade biológica sem afeto entre pais e filhos, e não é por isso que uma irá prevalecer sobre a outra, pelo contrário, elas devem coexistir em razão de serem distintas” (Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva. São Paulo. Atlas. 2014. P. 168).
No caso dos autos, a menor A., nascida em 06/09/1996 – contando hoje com pouco mais de 17 (dezessete) anos e 09 (nove) meses -, foi registrada como filha de P. e F, em 07/11/1996. Nesses quase 18 (dezoito) anos, P. esteve presente como pai registral e afetivo na vida de A., tendo a acolhida em seus braços e no coração como filha, educou-a e contribuiu decisivamente para a construção de seus valores éticos e morais, assistindo-lhe afetiva e materialmente nos momentos em que mais necessitava de carinho, proteção e amor incondicional.
A. está, portanto, desde os seus primeiros dias de vida sob os cuidados de P.. Ele a escolheu livremente como filha e ela o recebeu como pai, situação que permanece até os dias atuais.
E o STJ já decidiu que:
“…4. “O estado de filiação não está necessariamente ligado à origem biológica e pode, portanto, assumir feições originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente genética. Em outras palavras, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a não biológica (…). Na realidade da vida, o estado de filiação de cada pessoa é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos” (Mauro Nicolau Júnior in “Paternidade e Coisa Julgada. Limites e Possibilidade à Luz dos Direitos Fundamentais e dos Princípios Constitucionais”. Curitiba: Juruá Editora, 2006)…” (REsp 234833/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 276)
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“…A doutrina de Luiz Edson Fachin com muita acuidade observa, nesse sentido, que ‘a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim, que além de poder lhe emprestar seu nome de família, o trata verdadeiramente como seu filho perante o ambiente social’ (…) Não se pode olvidar que a relação construída ao longo dos anos entre pais e filhos permanece na psique individual, perpetuando valores compartilhados por aquele núcleo familiar. Na esfera social, são os amores, dissabores e experiências diariamente compartilhados que constroem a família e a filiação. Na família sócio-afetiva o homem realiza-se com dignidade e plenamente. Por isso, se a existência da filiação sócio-afetiva é trazida ao mundo jurídico por declaração de vontades, cumpre ao julgado reconhecer validade e eficácia nesse ato. Tomar como falsa a declaração de paternidade que não coincide com testes biológicos, sem maiores ponderações, é ver a realidade sob o prisma estritamente tecnicista, voltando-se as costas ao que interessa de fato para que as pessoas existam dignamente…” (REsp 878.941/DF – Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI – Terceira Turma – julgado em 21/082007
“…por meio de uma gota de sangue, não se pode destruir vínculo de filiação, simplesmente dizendo a uma criança que ela não é mais nada para aquele que, um dia declarou perante a sociedade, em ato solene e de reconhecimento público, ser seu pai…” (REsp 932.692/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 18/12/2008)
“…3. “O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil” (REsp n. 878.941-DF, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17.9.2007). 4. O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral – portanto, jurídica –, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil.” (REsp 709608/MS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2009, DJe 23/11/2009)
E tem mais. É certo que o exame de DNA apontou que A. é o pai biológico de A., cujo vínculo genético ela deseja ver reconhecido, porém sem desfazer os laços de amor e solidariedade que constituíram seu elo afetivo com o pai registral P.
E como lucidamente adverte ROLF MADALENO, a verdade biológica “não pode apagar uma relação parental nascida e construída na assunção espontânea de uma função parental…” (op. cit. P. 567).
Anular o assento de nascimento da menor em relação a sua paternidade registral, para dele fazer constar apenas o nome de seu genitor A., aniquilaria a convivência familiar prolongada e a parentalidade socioafetiva constituída com P., o que se apresenta inaceitável.
Ao caso dos autos se mostra justo reconhecer os laços afetivos derivados da convivência estabelecida pelos acordantes, considerando a intensidade e complexidade dos vínculos biológico e psicológico que os envolvem, para o fim de admitir a múltipla paternidade de P. e A. em relação à filha comum A.
Com bem salientou a Min. NANCY ANDRIGHI, no voto proferido no REsp 1.274.240-SC, acima citado, “…o destaque é para a tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de paternidade/maternidade amparado em relação de fato teria o condão de extirpar da criança (ainda que já se encontre na fase adulta) preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade”.
Os vínculos de amor e respeito resultantes da relação de A. com seu pai socioafetivo P. jamais poderão ser ignorados nem banidos, devendo ser preservados, sem prejuízo do reconhecimento da ancestralidade genética da menor, seguindo-se da necessária averbação em seu assento de nascimento.
A. já reconhece sua dupla filiação-paternal com P. e A., daí que a negativa à formalização desse duplo elo de parentesco, com o qual se mostra feliz, poderá causar-lhe danos irreparáveis a sua integridade física e psicológica, o que implicaria, desenganadamente, escancarada e odiosa inconstitucionalidade.
Vale lembrar que “O pai genético, tanto quanto o sociológico, deve ser responsabilizado pela sua paternidade, ainda que apenas financeiramente, já que o direito não dispõe de mecanismos jurídicos hábeis a realizar em termos pessoais e afetivos o primado constitucional da paternidade consciente e responsável” (Voto proferido pelo Des. Jairo Fernandes Gonçalves no julgamento dos EI nº 2010.054045-7, pelo Grupo de Câmara de Direito Civil, do TJSC, em 02/08/2011).
No REsp 1106637/SP, da relatoria da em. Min. NANCY ANDRIGHI, julgado pela Terceira Turma do STJ, em 01/06/2010 (DJe 01/07/2010), consta da ementa:
Direito civil. Família. Criança e adolescente. Adoção. Pedido preparatório de destituição do poder familiar formulado pelo padrasto em face do pai biológico. Legítimo interesse. Famílias recompostas. Melhor interesse da criança. “…Diante dos complexos e intrincados arranjos familiares que se delineiam no universo jurídico – ampliados pelo entrecruzar de interesses, direitos e deveres dos diversos componentes de famílias redimensionadas -, deve o Juiz pautar-se, em todos os casos e circunstâncias, no princípio do melhor interesse da criança, exigindo dos pais biológicos e socioafetivos coerência de atitudes, a fim de promover maior harmonia familiar e consequente segurança às crianças introduzidas nessas inusitadas tessituras…”
No voto condutor do precitado aresto, a nobre relatora descortinou que:
“Dentro do contexto da multiplicidade de vínculos exibida pelas famílias intituladas ‘pluriparentais’ ou ‘mosaicos’, as crianças lucrarão em afetividade se os familiares envolvidos, sejam eles socioafetivos, sejam eles biológicos, alcançarem a consciência de que o melhor para todos é agregar muito amor e cuidado aos pequenos inseridos nessa nova realidade das famílias ‘recompostas’, sem direito a exclusividades castradoras, ou, ainda, exclusão do amor de uns em detrimento de outros. A respeito do assunto, cumpre trazer à baila estudo jurídico de autoria de Antônio Rulli Neto e Renato Asamura Azevedo, em que, verificada a frequência cada vez maior no cenário nacional das ‘família reconstituídas’, exemplificadas como aquelas em que tanto o marido como a mulher – ou ainda somente um deles – trazem para a nova união os filhos de casamentos anteriores, vindo a ser somar com os novos filhos surgidos do novo enlace, juntando-se filhos, enteados, irmãos, madrasta, padrasto, ex-marido, ex-mulher e avós aos montes, cada vez mais, é o afeto que dita se há ou não relação de parentesco, podendo, com isso, um sujeito ter dois pais ou duas mães (Parentesco socioafetivo na família caleidoscópio…) Diante dos complexos e intrincados arranjos familiares que se delineiam no universo jurídico – ampliados pelo entrecruzar de interesses, direitos e deveres dos diversos componentes de famílias redimensionadas -, deve o Juiz pautar-se em todos os casos e circunstâncias, no princípio do melhor interesse da criança, exigindo dos pais biológicos e socioafetivos coerência de atitudes, a fim de promover maior harmonia familiar e consequente segurança às crianças introduzidas nessas inusitadas tessituras (…) excluir parentes e pessoas de referência próxima poderá gerar igualmente efeitos perversos para a formação da criança, de modo que o círculo pessoal com o qual ela deve ter contato para o fomento de sua evolução tende a ser alargado para além dos pais biológicos, sem, contudo, promover sua exclusão – ressalvadas as hipóteses expressas na lei – para abarcar também pessoas alcançadas pelo conceito de relação socioafetiva…”
MAURO NICOLAU JÚNIOR, citado pelo saudoso Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (REsp 234833/MG, acima referido), assinala que a origem genética da pessoa perdeu seu papel legitimador da filiação, máxime na Constituição. Segundo o doutrinador, o estado de filiação não está necessariamente ligado à origem biológica e pode, portanto, assumir feições originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente genética.
Em outras palavras, assegura MAURO, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a não biológica, não havendo qualquer fundamento jurídico para o desvio hermenêutico restritivo, que toma corpo nos tribunais brasileiros, de se confundir estado de filiação com origem biológica, “…pois a Constituição estabelece exatamente o contrário, abrigando generosamente o estado de filiação de qualquer natureza, sem primazia de um sobre o outro…”, sem que com isso se pretenda “…minimizar o retirar o enorme avanço que representou, para o Direito de Família, a possibilidade de se perquirir, com relativa certeza, sobre os vínculos genéticos e biológicos, mas, de qualquer forma, sem que também possa ser elevado o exame de DNA ao status de determinante ou mesmo preponderante no estabelecimento e reconhecimento da próprias existência de tais relacionamentos. Na realidade da vida, o estado de filiação de cada pessoa é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos (…) parece não existir outra solução e caminho a ser perseguido, quando latente o conflito entre paternidade biológica e não biológica, que não seja aquela que melhor atenda aos interesses da criança, sem qualquer privilégio ao vínculo genético ou sangüíneo…”.
O TJRS já reconheceu a possibilidade de cumulação das paternidades biológica e socioafetiva, nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO AGRAVÉS (SIC) EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. APELO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70029363918, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 07/05/2009)
Transcrevo excerto do irrepreensível voto proferido pelo douto relator do precedente supramencionado:
“…Dentro dessa ótica e com a certeza de que a menor tem o direito de saber a sua origem genética, bem como ter preservada a sua paternidade socioafetiva, tenho que a questão toda se resolve com a aplicação da teoria tridimensional que justamente reconhece os direitos das filiações genética e socioafetiva. Para isso trago à colação a doutrina de Belmiro Pedro Welter. Em sua doutrina, afirma que no mundo ocidental “continua a se pensar tão-somente no reconhecimento de uma das paternidades, excluindo-se, necessariamente a outra.” Para ele, todos os efeitos jurídicos das duas paternidades devem ser outorgadas ao ser humano, na medida em que a condição humana é tridimensional, genética, afetiva e ontológica, vejamos: ‘…A compreensão do ser humano não é efetivada somente pelo comportamento com o mundo das coisas (mundo genético), como até agora tem sido sustentado na cultura jurídica do mundo ocidental, mas também pelo modo de ser-em-família e em sociedade (mundo desafetivo) e pelo próprio modo de relacionar consigo mesmo (mundo ontológico). No século XXI é preciso reconhecer que a família não é formada como outrora, com a finalidade de procriação, mas, essencialmente, com a liberdade de constituição democrática, afastando-se os conceitos prévios, principalmente religiosos, na medida em que família é linguagem, diálogo, conversação infinita e modos de ser-no-mundo genético, de ser-no-mundo-(des)afetivo e de ser-no-mundo-ontológico (…) o ser humano é biológico, para que haja a continuação da linhagem, do ciclo de vida, transmitindo às gerações, por exemplo, a compleição física, os gestos, a voz, a escrita, a origem da humanidade, a imagem corporal, parecendo-se, muitas vezes, com seus pais, tendo a possibilidade de herdar as qualidades dos pais”. É o mundo da autorreprodução dos seres vivos, inclusive do ser humano, das necessidades, correspondendo ao modo de ser-no-mundo-genético, um complexo programa genético que influencia o ser humano em sua atividade, movimento ou comportamento”, pelo qual o ser humano permanece ligado a todos os demais seres vivos, tendo o direito de conhecer a sua origem, sua família de sangue”; (…) o ser humano é afetivo e desafetivo, porque forjado pela dinâmica dos fatores pessoal, familiar, social e universal, cuja linguagem não é algo dado, codificado, enclausurado, pré-ordenado, logicizado, de modo fixo, cópia de uma realidade social que é pré-estabelecida, e sim um existencial, um modo de ser-no-mundo-(des)afetivo, um construído, um (des)coberto, uma imagem, um especulativo de um sentido na singularidade do ser dentro da universalidade e faticidade das relações sociais, do mundo em família, porque o ser humano “não é coisa ou substância, mas uma atividade vivida de permanente autocriação e incessante renovação’ (…) o ser humano é ontológico, porque se comporta e se relaciona no mundo, sem divisões, sem origens, sem teoria exclusiva (genética, ou afetiva ou ontológica, porquanto é um ser único, total, tridimensional). O humano é um ser com condição comum a todos os humanos, um acontecer, que convive e compartilha nos mundos da ancestral idade sanguínea, do relacionamento social/familiar e consigo mesmo. O ser humano é um todo tridimensional e, ao mesmo tempo, uma parte genética, afetiva e ontológica, tendo à sua disposição todos os direitos e desejos desses três mundos, uma vez que a existência é uma formação contínua de eventos, pelo que, nas ações de investigações de paternidade/maternidade genética e afetiva, devem ser acrescidos todos os direitos daí decorrentes, como alimentos, herança, poder/dever familiar, parentesco, guarda compartilhada, nome, visitas, paternidade/maternidade genética e afetiva e demais direitos existenciais (…) Não reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concessão de ‘todos’ os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte da trajetória da vida humana (…) Entendo que, quando se cuida de ação de estado, de direito da personalidade, indisponível, imprescritível, intangível, fundamental à existência humana, como é o reconhecimento das paternidades genética e socioafetiva, não se deve buscar compreender o ser humano com base no direito registral, que prevê a existência de um pai e uma mãe, e sim na realidade da vida de quem tem, por exemplo, quatro pais (dois genéticos e dois afetivos), atendendo sempre aos princípios fundamentais da cidadania, da afetividade, da convivência em família genética e afetiva e da dignidade humana, que estão compreendidos na condição humana tridimensional. (…) Por isso, penso não ser correto afirmar, como o faz a atual doutrina e jurisprudência do mundo ocidental, que “a paternidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade biológica”, ou que “a paternidade biológica se sobrepõe à paternidade socioafetiva”, isso porque ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas, exatamente porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica”
O TJSP reconheceu relação maternidade socioafetiva sem prejuízo e concomitantemente com a maternidade biológica, nos seguintes termos:
MATERNIDADE SOCIAFETIVA – Preservação da Maternidade Biológica – Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família – Enteado criado como filho desde dois anos de idade – Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes – A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade – Recurso provido. (Apelação Cível 0006422-26.2011.8.26.0286 – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Alcides Leopoldo e Silva e Júnior – julgada em 14/08/2012)
A ausência de previsão legal não constitui obstáculo intransponível ao reconhecimento da multiparentalidade, e não há que se falar em vedação implícita sem flagrante e grave colisão com os princípios constitucionais da pluralidade dos arranjos familiares, dignidade da pessoa humana, da busca da felicidade, da prioridade absoluta e proteção integral da criança e do adolescente.
Nesse aspecto, convém lembrar que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB – Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942, na redação conferida pela Lei nº 12.376, de 2010, prevê em seu art. 4º, que “Art. 4oQuando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”.
É válido destacar, ainda, que a omissão legislativa não impediu o Poder Judiciário de reconhecer a união estável homoafetiva como entidade familiar (STF: ADPF nº 132/RJ e ADI nº 4.277/DF), a possibilidade de adoção por casal homoafetivo (STJ: REsp nº 1.281.093/SP), nem mesmo o casamento por pessoas do mesmo sexo (STJ: REsp nº 1.183.378/RS. CNJ: Resolução nº 175/2013).
O mesmo raciocínio utilizado pelo STJ para reconhecer a possibilidade jurídica do casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser empregado para admitir a multiparentalidade, que, na ementa do v. Acórdão do REsp nº 1.183.378/RS, da relatoria do em. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO (Quarta Turma – julgado em 25/10/2011 – DJe 01/02/2012), consistiu em:
“…Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo “democraticamente” decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário – e não o Legislativo – que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é “democrático” formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis…”
Para BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS:
“…Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenças. Ou seja, querem participar, mas querem também que suas diferenças sejam reconhecidas e respeitadas…” (citação feita por Luiz Edson Fachin e Melina Giardi Fachin em “A Proteção dos Direitos Humanos e a Vedação à Discriminação por Orientação Sexual – Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo – Coordenação de Maria Berenice Dias – São Paulo. Revista dos Tribunais. 2011. P. 127)
Em memorável lição, o saudoso Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO asseverou:
“…’A vida, enfatizam os filósofos e sociólogos, e com razão, é mais rica que nossas teorias. A jurisprudência, com o aval da doutrina, tem refletido as mutações do comportamento humano no campo do Direito de Família. Como diria o notável De Page, o juiz não pode quedar-se surdo às exigências do real e da vida. O Direito é uma coisa essencialmente viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam, se modificam. O fim da lei não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com esta, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela. Daí resulta que o Direito é destinado a um fim social, de que deve o juiz participar ao interpretar as leis, sem se aferrar ao texto, às palavras, mas tendo conta não só as necessidades sociais que elas visam a disciplinar como, ainda, as exigências da justiça e da equidade, que constituem o seu fim. Em outras palavras, a interpretação das leis não deve ser formal, mas, sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. Indo além contrafortes dos métodos tradicionais, a hermenêutica dos nossos dias tem buscado novos horizontes, nos quais se descortinam a atualização da lei (Couture) e a interpretação teleológica, que penetra o domínio da valorização, para descobrir os valores que a norma se destina a servir, através de operações da lógica do razoável (Recanséns Siches). Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legam, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum. Como afirmou Del Vecchio, a interpretação leva o Juiz quase a uma segunda criação da regra a aplicar. Reclama-se, para o juiz moderno, observou Orosimbo Nonato, na mesma linha de raciocínio, com a acuidade sempre presente nos seus pronunciamentos, quase que a função de legislador de cada caso, e isso se reclama exatamente para que, em suas mãos, o texto legal se desdobre num sentido moral e social mais amplo do que, em sua angústia expressional, ele contém (apelação 68.829, TJMG, RT 618/169)…’” (citado no REsp nº 4.987/RJ, julgado pela 4ª Turma do STJ, em 04/06/1991, publicado em 28/10/1991)
Nessa linha de pensamento, estou plenamente convencido da viabilidade jurídica do pleito homologatório do acordo celebrado no termo de fl. 34, reconhecendo a coexistência da paternidade biológica e socioafetiva da menor, com todos os efeitos jurídicos decorrentes.
Isso posto, HOMOLOGO o pacto firmado judicialmente, para reconhecer que A. S. DA S. É O PAI BIOLÓGICO de A. Q. DA S. E S., sem prejuízo e concomitantemente com a paternidade registral e afetiva de P. C. DA S., mantendo-se inalterado o nome da adolescente.
Também homologo o acordo celebrado entre pai e filha biológicos quanto aos alimentos.
Após o trânsito em julgado, expeça-se mandado para averbação dos nomes do genitor e dos avós biológicos no assento de nascimento da adolescente, preservando-se a paternidade registral e socioafetiva, arquivando-se o caderno processual (art. 10, inc. II, do CC/02).
Sem custas processuais por serem os requerentes beneficiários da AJG, devendo, porém, arcar com honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, que arbitro em R$-724,00, proporcionalmente, ficando sua exigibilidade suspensa, na forma do art. 12, da Lei nº 1.060/50.
Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.
Rio Branco-(AC), 24 de junho de 2014.
Fernando Nóbrega da Silva
Juiz de Direito