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Monogamia, desejo e famílias paralelas

claudiovalentin
Entrevista publicada no portal IBDFAM em 27/07/2013
A monogamia é um princípio básico e organizador das relações da família conjugal no Ocidente. A matéria é de fundamental importância quando se discute, por exemplo, uniões estáveis paralelas ao casamento. Nesta entrevista, Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, fala sobre o sistema monogâmico, o desejo,famílias paralelas e o fim do amor entre casais.

O que caracteriza o rompimento do princípio da monogamia?

Além de princípio jurídico, a monogamia é uma questão filosófica séria, pois a ele estão vinculados muitos outros valores, tais como afeto, escolha, desejo, lealdade, mentira, risco, emoção, promessa, castigo, dinheiro, confiança e tantos outros. Romper o princípio da monogamia significa estabelecer outro código moral em relação ao parceiro ou parceira.

Por vezes, confundimos monogamia com fidelidade. O que diferencia esses dois princípios culturais e jurídicos e como se relacionam?
 
Fidelidade ou infidelidade pode ser um código moral e particular de cada casal. Fidelidade pode ser o mesmo que lealdade, ou não. A quebra da monogamia vincula-se mais ao estabelecimento de famílias paralelas ou simultâneas ao casamento/união estável. A infidelidade não necessariamente constitui quebra de monogamia. Às vezes, estabeleceu-se uma relação paralela sem que haja ali uma outra família. Pode ser apenas uma relação extraconjugal, sem necessariamente estabelecer outra família. Amantes, no sentido tradicional da palavra, sempre existiram, e continuarão existindo, enquanto houver desejo sobre a face da terra.

Esses flamingos na reserva nacional de "Los Flamencos" na Laguna de Chaxa se reproduzem aí mas não são monogâmicos.
Esses flamingos na reserva nacional de “Los Flamencos” na Laguna de Chaxa se reproduzem aí mas não são monogâmicos.

A monogamia constitui um interdito que viabiliza a organização da família conjugal. Se não houvesse tal proibição no ordenamento jurídico, a sociedade conseguiria estruturar as famílias de outra forma ou a tendência seria a promiscuidade?

Assim como acontece com a proibição do incesto, a monogamia e a poligamia, em alguns países, são interditos viabilizadores das relações e organizações sociais. Não há cultura, socialização e sociabilidade sem que haja proibições e interdições ao desejo. Se se quebrar a monogamia, estabelecer-se-á outro código de conduta. Mas jamais será a promiscuidade, como às vezes se passa. O necessário para que exista cultura, civilização e, consequentemente, ordenamento jurídico, é que haja um não necessário ao desejo.

Partindo do pressuposto de que a infidelidade é fruto do desejo e de que a fidelidade tornou-se lei, é possível regular o desejo? Nesse sentido, até que ponto o Estado pode intervir nestas questões?

O Direito só existe porque existe o torto, ou seja, toda Lei pressupõe um desejo que se lhe contrapõe. Não roubar, não matar, não cobiçar a mulher do próximo, só tiveram que ser escritos porque há um desejo contraposto a eles. A fidelidade ou infidelidade conjugal deve funcionar como um código moral particular de cada casal. O Estado tem se afastado cada vez mais destas questões, como por exemplo, quando em março de 2005 (Lei 11.106/05) retirou-se do Código Penal o adultério como crime.

Com a supressão da culpa pelo fim da dissolução conjugal (EC 66/2010 – divórcio direto) o dever da fidelidade perdeu sua força como regra jurídica para alegação de divórcio. Neste sentido, qual seria a sanção aplicável à quebra deste dispositivo?

A EC66/10, que simplificou o sistema de divórcio no Brasil, em nada interfere neste aspecto. Ela significa apenas um afastamento maior do Estado nas questões de foro mais íntimo das pessoas e atribui a elas mais responsabilidades pelas ilusões e desilusões amorosas, na medida em que não mais se discute quem é o culpado pelo fim do casamento. Finalmente, entendeu-se que não há culpados ou inocentes, não há vilões. Ambos são responsáveis pelo fim do amor.

Em sua opinião, o princípio jurídico da monogamia deve ser superado ou preservado?

A monogamia funciona como um ponto chave das conexões morais de determinada sociedade. Mas não pode ser uma regra ou princípio moralista, a ponto de inviabilizar direitos. Por exemplo, se se constitui uma família paralelamente à outra, não se pode negar que aquela existiu. Condená-la à invisibilidade é deixá-la à margem de direitos decorrentes das relações familiares. O princípio da monogamia deve ser conjugado e ponderado com outros valores e princípios, especialmente o da dignidade da pessoa humana. Qualquer ordenamento jurídico que negar direitos às relações familiares existentes estaria invertendo a relação sujeito e objeto, isto é, destituindo o sujeito de sua dignidade e colocando a lei como um fetiche.

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