Monogamia, desejo e famílias paralelas
O que caracteriza o rompimento do princípio da monogamia?
Por vezes, confundimos monogamia com fidelidade. O que diferencia esses dois princípios culturais e jurídicos e como se relacionam?
Fidelidade ou infidelidade pode ser um código moral e particular de cada casal. Fidelidade pode ser o mesmo que lealdade, ou não. A quebra da monogamia vincula-se mais ao estabelecimento de famílias paralelas ou simultâneas ao casamento/união estável. A infidelidade não necessariamente constitui quebra de monogamia. Às vezes, estabeleceu-se uma relação paralela sem que haja ali uma outra família. Pode ser apenas uma relação extraconjugal, sem necessariamente estabelecer outra família. Amantes, no sentido tradicional da palavra, sempre existiram, e continuarão existindo, enquanto houver desejo sobre a face da terra.
A monogamia constitui um interdito que viabiliza a organização da família conjugal. Se não houvesse tal proibição no ordenamento jurídico, a sociedade conseguiria estruturar as famílias de outra forma ou a tendência seria a promiscuidade?
Partindo do pressuposto de que a infidelidade é fruto do desejo e de que a fidelidade tornou-se lei, é possível regular o desejo? Nesse sentido, até que ponto o Estado pode intervir nestas questões?
O Direito só existe porque existe o torto, ou seja, toda Lei pressupõe um desejo que se lhe contrapõe. Não roubar, não matar, não cobiçar a mulher do próximo, só tiveram que ser escritos porque há um desejo contraposto a eles. A fidelidade ou infidelidade conjugal deve funcionar como um código moral particular de cada casal. O Estado tem se afastado cada vez mais destas questões, como por exemplo, quando em março de 2005 (Lei 11.106/05) retirou-se do Código Penal o adultério como crime.
Com a supressão da culpa pelo fim da dissolução conjugal (EC 66/2010 – divórcio direto) o dever da fidelidade perdeu sua força como regra jurídica para alegação de divórcio. Neste sentido, qual seria a sanção aplicável à quebra deste dispositivo?
A EC66/10, que simplificou o sistema de divórcio no Brasil, em nada interfere neste aspecto. Ela significa apenas um afastamento maior do Estado nas questões de foro mais íntimo das pessoas e atribui a elas mais responsabilidades pelas ilusões e desilusões amorosas, na medida em que não mais se discute quem é o culpado pelo fim do casamento. Finalmente, entendeu-se que não há culpados ou inocentes, não há vilões. Ambos são responsáveis pelo fim do amor.
Em sua opinião, o princípio jurídico da monogamia deve ser superado ou preservado?
A monogamia funciona como um ponto chave das conexões morais de determinada sociedade. Mas não pode ser uma regra ou princípio moralista, a ponto de inviabilizar direitos. Por exemplo, se se constitui uma família paralelamente à outra, não se pode negar que aquela existiu. Condená-la à invisibilidade é deixá-la à margem de direitos decorrentes das relações familiares. O princípio da monogamia deve ser conjugado e ponderado com outros valores e princípios, especialmente o da dignidade da pessoa humana. Qualquer ordenamento jurídico que negar direitos às relações familiares existentes estaria invertendo a relação sujeito e objeto, isto é, destituindo o sujeito de sua dignidade e colocando a lei como um fetiche.