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Infidelidade conjugal

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 30/8/1998

A revelação de uma intimidade sexual do presidente americano Bill Clinton, e o perdão, ou complacência, de sua mulher Hillary, reacende a discussão de um valor básico das organizações sociais: fidelidade conjugal.

Desde as primeiras leis escritas, e entre elas os Dez Mandamentos, isto já estava posto em questão, quando proibiu-se expressamente cobiçar a mulher do próximo.

Freud, em seu texto Totem e Tabu, já dizia que o que se proíbe é exatamente aquilo que se deseja. Em outras palavras, para toda lei existe um desejo contraposto a ela. Afinal, qual a razão de se proibir algo que ninguém deseja? E…, enquanto houver Desejo sobre a face da terra, haverá quem cobice ou queira ter relações “impróprias” ou proibidas.

Mesmo nos mais recentes códigos e leis sobre Direito de Família ocidental, o princípio estruturador continua sendo o da monogamia. Tudo gira em torno desse princípio moral e jurídico, até mesmo sua violação. Determinadas proibições são necessárias para possibilitar e viabilizar o convívio social. A lei jurídica existe também para aqueles que precisam de limite externo. Ela vem barrar o excesso, o gozo daqueles que não conseguem fazê-lo por si mesmos.

Mesmo com todas as proibições morais e jurídicas, algo em nós sempre escapará à nossa racionalidade, como escapou a infidelidade para Bill Clinton, pois somos determinados também pelo inconsciente. Que será que me dá/que dá dentro da gente que não devia/que desacata a gente e é revelia…

Para além dos princípios morais, religiosos e jurídicos está também a ideologia patriarcal, onde o poder masculino se permite até cobiçar outra mulher ou mesmo ter relações extraconjugais. Por outro lado, imaginemos se o presidente “adúltero” fosse uma mulher? Certamente sua popularidade cairia e a discussão seria outra. Seria o gênero masculino de uma natureza menos monogâmica que o feminino? Realmente há uma diferença de valores aí. Por exemplo, das separações judiciais requeridas por homens, 95% são em razão da infidelidade da mulher. Das separações requeridas por mulheres, apenas 20% têm com causa a infidelidade do marido.

Para o Direito de Família brasileiro, e em quase todo o ocidente, o cônjuge que mantiver relações extraconjugais é mais que infiel, é considerado também o culpado pelo fim da conjugalidade, se assim for invocado pelo cônjuge inocente. Mas existirá mesmo um culpado e um inocente na conjugalidade? E se um dos dois teve relação extraconjugal, isto significará necessariamente separação? Para o Direito isto é uma das causas de separação, mas só funcionará como tal, se for invocada.

No caso do presidente americano, a mulher foi complacente, como foram e serão ainda muitas mulheres por aí. Sabedoria feminina, conveniência ou jogo de poder?

Fatos da vida privada de homens públicos interessa-nos, na medida em que eles “emprestam” sua imagem para proporcionar-nos reflexões sobre a nossa própria vida. Instiga-nos, portanto, a pensar e a refletir qual a conjugalidade possível e saudável no final desse século, onde as certezas e os valores estão abalados pela quebra e o declínio da milenar estrutura patriarcal.

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