“Identidade genética é direito fundamental” STF reforma decisão sobre investigação de paternidade sem exame de DNA
Não devem ser impostos obstáculos de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética. Com esse entendimento, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 900521 para restabelecer sentença que reconheceu a paternidade de um cidadão de Iturama (MG) após o trânsito em julgado de ação anterior julgada improcedente pela ausência do exame de DNA.
Na primeira ação, o pedido de reconhecimento da paternidade foi julgado improcedente por ausência de provas. Numa segunda ação, ajuizada após o trânsito em julgado da primeira, o juízo de primeiro grau entendeu que, como regra, a coisa julgada impede nova apreciação de uma questão já discutida.
Porém, nos casos de investigação de paternidade em que no primeiro processo não houver sido realizado o exame pericial de comparação de DNA, é possível relativizar a coisa julgada diante da ponderação de valores: o direito à descoberta da ascendência genética é personalíssimo, imprescritível e decorrente da dignidade da pessoa humana, e deve permitir a propositura de nova ação a fim de que se elucide a questão por meio do exame genético.
O TJMG, no entanto, ao julgar recurso da parte contrária, afastou a relativização da coisa julgada. “O abandono do instituto pode impor verdadeiro desequilíbrio às relações constituídas, em razão da própria eternização das situações conflitantes”, afirmou o acórdão.
No recurso ao STF, o recorrente sustentou violação à dignidade da pessoa humana, desrespeito ao princípio da igualdade, direito fundamental à informação e à identidade genética e ofensa ao princípio da paternidade responsável. Como o recurso teve seguimento negado pelo TJMG, a parte interpôs o agravo, provido pelo ministro Fachin.
De acordo com o relator, o entendimento da sentença, reformado pela corte estadual, está de acordo com a jurisprudência pacífica do STF a respeito da relativização da coisa julgada em ações de investigação de paternidade em que não foram realizados exames de DNA. Entre outros precedentes, Fachin citou o RE 363889, com repercussão geral reconhecida, no qual o STF entendeu que não devem ser impostos obstáculos de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, “como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável”.
Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, a paternidade é mais que fundamental para cada um de nós. “Ela é fundante do sujeito. A estruturação psíquica dos sujeitos se faz e se determina a partir da relação que ele tem com seus pais. A identidade genética corresponde ao genoma de cada ser humano e as bases biológicas de sua identidade, ou seja, a identidade genética da pessoa humana é um bem jurídico tutelado, e é uma das manifestações essenciais da personalidade humana. Daí tratar-se de um direito da personalidade, direito fundamental, conforme destacou o ministro Fachin na sua decisão, vertente do princípio da dignidade da pessoa humana”, diz Rodrigo.
DNA revolucionou a investigação de paternidade
O especialista em Direito de Família explica que conhecer a origem genética é direito fundamental do sujeito e reverte-se de importância simbólica, histórica e também direito à saúde. “A informação do histórico genético familiar, em muitas situações, pode significar garantias de saúde. O desenvolvimento da engenharia genética muito tem contribuído para a descoberta de novas técnicas terapêuticas, e garantir ao individuo conhecer sua genética é de suma importância para os novos tratamentos, pelos quais e possível prevenir várias enfermidades, inclusive para as gerações futuras”.
Rodrigo lembra que até a possibilidade de sua revelação pelos exames em DNA, em meados da década de 1980, as investigações de paternidade eram envolvidas pela moral sexual que permeia o Direito de Família. “Até então as provas levadas ao processo judicial eram documentos que demonstravam alguma relação da mãe com o suposto pai, exame de sangue em que se aproximava ou excluía os tipos sanguíneos, mas principalmente testemunhal. Os depoimentos giravam em torno de se demonstrar o exceptio plurium concubentium, isto é, se a mãe tivesse mais de um relacionamento no período da concepção, o investigado era excluído da paternidade”, afirma.
“Neste sentido, a prova pericial de exame em DNA deslocou o eixo da discussão, que era na verdade uma investigação moral da vida da mãe, para uma prova científica. Obviamente, que a prova da paternidade não é apenas o exame em DNA, mas é a mais importante, e as outras, tais como testemunhas e documentos, ganharam um lugar subsidiário”, reflete o advogado.