Homem tem direito a herança de pai biológico mesmo já tendo recebido do pai socioafetivo
Fonte: Migalhas
A 3ª turma do STJ garantiu a um homem de quase 70 anos o direito a receber herança do pai biológico em ação de reconhecimento recente, mesmo já tendo recebido herança do pai socioafetivo.
Da tribuna, a parte contrária alegou que embora tendo ciência por 30 anos da existência de vínculo biológico com outro, o homem só procurou o reconhecimento da paternidade para perseguir a vantagem financeira com a herança.
O relator, ministro Cueva, lembrou no voto o julgamento de repercussão geral pelo STF no qual a Corte fixou: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.”
Sendo assim, ponderou Cueva, é possível atribuir efeitos amplos, jurídicos, patrimoniais incluindo herança, ao reconhecimento da paternidade biológica, ainda que o recorrente, que já goza com 70 anos, tenha vivido ao abrigo de família que o adotou.
Conforme a ministra Nancy, pode-se especular o porquê da demora do autor na busca pelo reconhecimento da paternidade biológica, mas não se pode negar os efeitos dela, uma vez comprovada. A decisão da turma foi unânime.
Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, se tem dois pais, tem direito em dobro. “Não é uma exclusão, mas uma inclusão de direitos. Então pode ter duas pensões, duas heranças”, afirma.
O advogado explica que a tese da multiparentalidade representa a possibilidade de reconhecimento de parentesco constituído por múltiplos pais, quando um filho tem mais de um pai e/ou mais de uma mãe. De acordo com o advogado, os casos mais comuns são os de padrastos e madrastas exercendo as funções paternas e maternas, paralelamente aos pais biológicos e registrais, ou em substituição a eles.“A paternidade socioafetiva é uma realidade que agora ganha reconhecimento dos Tribunais. No momento em que consideramos o afeto como valor jurídico, atribuímos Direito às diferentes formas de famílias possíveis em nossa sociedade contemporânea”, completa.
Verbete Multiparentalidade do Dicionário de Direito de Família e Sucessões
MULTIPARENTALIDADE [ver tb. família,multiparental, parentalidade, socioafetividade] – É o parentesco constituído por múltiplos pais, isto é, quando um filho estabelece uma relação de paternidade/maternidade com mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Os casos mais comuns são os padrastos e madrastas que também se tornam pais/mães pelo exercício das funções paternas e maternas, ou em substituição a eles. A multiparentalidade é comum, também, nas reproduções medicamente assistidas, que contam com a participação de mais de duas pessoas no processo reprodutivo, como por exemplo, quando o material genético de um homem e de uma mulher é gestado no útero de uma outra mulher.
A multiparentalidade, ou seja, a dupla maternidade/paternidade tornou-se uma realidade jurídica, impulsionada pela dinâmica da vida e pela compreensão de que paternidade e maternidade são funções exercidas. É a força dos fatos e dos costumes como uma das mais importantes fontes do Direito, que autoriza esta nova categoria jurídica. Daí o desenvolvimento da teoria da paternidade socioafetiva que, se não coincide com a paternidade biológica e registral, pode se somar a ela.
O conceito de multiparentalidade revolucionou o sistema jurídico de paternidade e maternidade concebido até então. O registro civil, que tem função de registrar a realidade civil das pessoas, tem-se adaptado a esta realidade. Foi neste intuito que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) foi alterada em 2009, pela Lei nº 11.924, para tornar possível acrescentar o sobrenome do padrasto/madrasta no assento do nascimento da pessoa natural: O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável (…), poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família (Art. 57,§ 8º). É também conhecida como pluriparentalidade.