Um homem que buscava retificar o registro civil de uma criança que, cinco anos depois do nascimento, descobriu não ser seu filho biológico teve o pedido negado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ. O entendimento é de que a inexistência de vínculo biológico não é suficiente e a mudança depende de prova robusta de que o suposto pai foi, de fato, induzido ao erro ou coagido.
Nos autos, o homem alegou que foi enganado pela então esposa e só descobriu a verdade porque, com o fim do relacionamento, ela passou a zombar, dizendo que o autor da ação havia registrado um filho que não era dele. A informação foi confirmada por exame de DNA, o que o motivou a ingressar na Justiça para alterar o assento de nascimento da criança.
Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente exclusivamente com base na ausência de vínculo biológico. O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP reformou a decisão com o entendimento de que o homem não comprovou que foi enganado. Além disso, observou que o homem e a criança têm forte vínculo afetivo, tal como pai e filho.
Divergência no STJ
No STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, votou para manter a decisão do TJSP. O ministro Moura Ribeiro abriu divergência com o argumento de que as circunstâncias mostram que o homem agiu de boa-fé ao registrar a criança durante o relacionamento com a mãe. Por outro lado, esta também não comprovou que o homem tinha ciência da verdade no momento do registro.
Em aditamento ao voto, Andrighi defendeu que, se por um lado, o homem afirma que tinha convicção de ser o pai da criança, por outro, a mãe diz que ele sabia desde sempre que o bebê era fruto de outra relação. Assim, segundo a ministra, é imperioso atentar-se para a regra do ônus da prova, o que cabe ao pai, seguindo a jurisprudência do STJ e os termos do artigo 1.601 e 1.604 do Código Civil.
Sustentou ainda que o homem poderia ter arrolado testemunhas de sua convicção quanto à paternidade biológica. Além disso, de acordo com a relatora, a existência de socioafetividade já é suficiente para impedir a retificação do registro civil, posição que também teve divergência do ministro Moura Ribeiro, diante do desinteresse do homem em manter o vínculo com a criança. Este falou ainda da possibilidade de, no futuro, com a manutenção do vínculo hoje desprezado, o pai seja processado por dano moral.
A posição de Nancy Andrighi foi acompanhada pela maioria dos ministros com os votos de Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva. Apenas Marco Aurélio Bellizze seguiu a divergência de Moura Ribeiro.
Limites entre paternidade socioafetiva e biológica
Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, essa decisão traz uma importante reflexão sobre os limites da paternidade socioafetiva e biológica.
“Resolver essa equação não é simples. Depende muito dos detalhes do caso concreto. Mas, sem dúvida, alguém que foi induzido a erro entra em vantagem nesta aferição. Por outro lado, a socioafetividade, se realmente existiu, não pode ser desconsiderada. Difícil equação. Um desafio, que vem em consequência destas novas teorias que construímos”, revela.
O advogado lembra ainda que a socioafetividade é uma expressão criada pelo Direito brasileiro para representar a relação exercida entre duas ou mais pessoas caracterizada pelo forte vínculo afetivo e pelo exercício de funções e lugares definidos de pai, filho ou irmãos.
A socioafetividade pode ser fonte geradora do parentesco, seja em razão do exercício da paternidade, maternidade, irmandade ou outro vínculo parental, que se consolida ao longo do tempo. “Daí, poder-se falar de parentalidade socioafetiva, que pode se apresentar por meio da adoção, inseminação artificial ou posse de estado de filho”, completa.
Fonte: Com informações do STJ