Filho socioafetivo. Pensão alimentícia. Reconhecimento jurídico com base no afeto
Artigo publicado no Boletim AASP de dezembro de 2022
Todos os acórdãos aqui em comento têm como base a relação de socioafetividade. Seja para declará-la, negá-la ou buscar direitos daí decorrentes. Na busca dos pressupostos para caracterizá-la está sempre presente a trilogia nomem, tractus e fama. Isso significa a absorção do conteúdo psicanalítico de que família é uma estrutura psíquica em que cada membro ocupa um lugar e tem determinada função: de pai, de mãe, de filho.
A filiação verdadeira não está na relação biológica, mas antes de tudo no lugar e na função estabelecida entre pais e filhos, que podem ser biológicos ou não. Tais decisões vêm comprovar a consolidação do longo percurso doutrinário, e jurisprudencial, da construção desse importante e revolucionário conceito da parentalidade socioafetiva, que coloca o Brasil como um dos países mais avançados do mundo em Direito de Família.
A filiação socioafetiva tem raízes na antiga expressão jurídica “posse de estado de filho”, que já tinha sido utilizada pelo Código Civil francês. No entanto, foi o jurista mineiro João Baptista Villela, em seu texto “A desbiologização da paternidade”, publicado pela Revista da Faculdade de Direito da UFMG, em 1979, quem lançou as bases para o desenvolvimento e a melhor compreensão da teoria jurídica da filiação socioafetiva.
Filiação, paternidade, maternidade, enfim, toda a parentalidade, além de biológica, pode ter também sua origem na socioafetividade, como já anunciado pela doutrina e jurisprudência, pelos princípios constitucionais e pela regra do art. 1.593 do Código Civil Brasileiro (CCB)/2002: “o parentesco natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Além desse artigo, vários outros realçam a importância da posse de estado de pai e de filho ao impedir a alteração do registro civil em determinadas situações.
Em outras palavras, o art. 1.597, inciso IV e ss., do CCB vem dizer que a verdade biológica não é mais importante que o registro de nascimento, que é a prova do vínculo de filiação; ou seja, o registro vale mais que o vínculo genético, o que indica a importância da filiação socioafetiva em nosso sistema jurídico.