Por Rodrigo da Cunha Pereira
Artigo publicado em 08 de fevereiro de 2015 em conjur.com.br
O casamento é mais que uma instituição religiosa e jurídica. Para a maioria das pessoas é um sonho de felicidade. Todos querem encontrar um amor e a felicidade, assim como estabelecer um laço conjugal, seja pelo casamento civil ou união estável. Acreditamos que aí podemos selar nossa felicidade. Apesar das mudanças de valores da revolução sexual, da “liquidez” do amor etc., o casamento constitui-se um ideal onde se depositam esperanças e sonhos de viver juntos para sempre. Reproduz-se e ajuda a perpetuar costumes e a cultura da estrutura familiar.
Curiosamente o IBGE tem divulgado periodicamente o aumento dos índices de divórcio. Isto pode reforçar a descrença em uma conjugalidade duradoura e uma interpretação equivocada de que a família não está bem. Certamente, este índice aumentou porque aumentou também a população e o número de casamentos. Além disto, a mudança da legislação, em especial com a Emenda Constitucional 66, de julho de 2010, ajudou a liberar uma demanda reprimida, ao simplificar e facilitar o divórcio de casais, acabando com os prazos desnecessários e eliminando o inútil instituto de separação judicial. A partir daí não é mais necessário os casais passarem pelo purgatório, ou ficarem em um limbo. Podem ir direto ao divórcio. Isto significa menos intervenção do Estado na vida íntima das pessoas, maior responsabilidade dos sujeitos com suas escolhas amorosas e mais um passo adiante na reafirmação do Estado laico.
Sim, pois a separação judicial, o antigo desquite, só existia por razões religiosas e por acordo entre Igreja e Estado quando da aprovação do divórcio no Brasil em 1977. A minoria que hoje ainda defende a existência do instituto da separação judicial apoia-se em argumentos religiosos, ou por razões de mercado. Mas realmente não há razão lógica para se defender a ideia de dois processos para se dissolver um casamento. Quem não quiser divorciar e quiser refletir melhor sobre isto, basta fazer a separação de corpos. Aliás, a única diferença com a separação de corpos é que na antiga separação judicial alterava-se o estado civil, que passava a ser “separados judicialmente”, e podia-se promover a partilha.
O fim da conjugalidade, quando há filhos, seja do casamento ou da união estável não significa o fim da família, mas tão somente que aquele núcleo familiar se transformou em binuclear. Também não é o fim da felicidade. Quem tem filhos tem uma responsabilidade maior com a manutenção do casamento/união estável. Mas isto não significa ter que manter um casamento a qualquer custo. E filhos de pais separados não são infelizes ou problemáticos. Infelizes e problemáticos podem ser os filhos de pais infelizes com o casamento. O divórcio ou dissolução da união estável, por mais sofrido e indesejável que seja, pode significar um ato de responsabilidade com a própria saúde.
Cuidar da conjugalidade passa pela compreensão em distinguir desejo de necessidade. Muitas vezes o divórcio não é desejo, pois se imaginava ficar juntos para sempre. Mas torna-se necessidade em razão de determinadas circunstâncias, como por exemplo, quando há reiterado desrespeito, agressões e violência. Tal necessidade se impõe para preservar ou resgatar a própria dignidade, após tantas humilhações sofridas. Outras vezes, embora não haja necessidade de se colocar fim ao relacionamento, há o desejo de reconstruir uma vida nova para voltar a ser feliz. E, se não foi possível reacender o desejo com a pessoa com quem se está casado, ou vivendo em união estável, o jeito é assumir que o amor chegou ao fim, criar coragem e cumprir o difícil ritual de passagem, que é o divórcio e a formalização da dissolução da união estável. E se chegou mesmo ao fim, é preciso ter a sabedoria de não deixar que isto se torne uma tragédia, mas se transforme em outro tipo de relação, com ingredientes de respeito, compreensão, humildade e aceitação.
As facilidades jurídicas para por fim a um casamento, trazidas pela Emenda Constitucional 66/2010, ao contrário do que se pensou, vieram ajudar a preservá-lo. Na medida em que o Estado deixa de tutelar os casais, estabelecendo prazos e culpa pelo fim da conjugalidade, consequentemente impõe mais responsabilidade às pessoas pela manutenção de seus vínculos amorosos. Foi a substituição do discurso de culpa, tão paralisante e infantil, pelo discurso da responsabilidade que fez o Direito de Família brasileiro dar um passo adiante e eliminar um dos seus maiores sinais de atraso, que era procurar um culpado pelo fim do casamento.
Mas, afinal, o que faz um casamento/união estável acabar? É quando se começa a enxergar as mazelas do outro, suas imperfeições e ver que ele não é como eu gostaria que fosse, ou quando começo a ver e realçar os defeitos do outro é porque o desejo já não está mais ali?
Apesar de todas as facilidades para se dissolver casamento, apesar dos amores tão “líquidos” do nosso tempo, a conjugalidade continua possível e até melhor que antes: mais livre, mais autêntica, mais verdadeira. Mas dá trabalho! O amor é uma construção diária de cuidado, abnegação, entrega, renúncia… Muitas vezes o que está por trás do fim da conjugalidade é um mal entendido, que costuma ser tão antigo que as partes nem sabem mais o porquê do mal estar. A maneira mais saudável para diluir o mal-estar, que geralmente advém do mal-entendido, é falar daquilo que provocou o incômodo. Em outras palavras, em vez de “engolir sapos” é melhor cortar o mal pela raiz, esclarecendo a causa do incômodo, por meio do exercício da palavra, que possa ser dita e ouvida com calma, sem rancor e sem agressões. Não é fácil, mas é necessário e possível. Isto é cuidar do amor. E talvez ele não acabe se cuidarmos para que o amor seja sempre maior do que nossas neuroses do dia a dia que tanto desgastam as relações amorosas.