Revista IBDFAM – edição 40 – “Igualdade Parental”
Entrevista com o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito das Famílias e das Sucessões.
O que se entende por guarda compartilhada? É possível instituir duas residências?
A guarda compartilhada implica uma equilibrada participação dos pais na vida dos filhos e também uma convivência igualitária dos filhos com ambos os pais. E a própria Lei 13.058/2014, com alterações no artigo 1.583, §2o, do CCB/2002 assim o define: Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. Foi em nome do princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes, e pela luta legislativa dos pais separados, que a guarda compartilhada passou a ser regra imposta em nosso ordenamento jurídico, embora, sob o aspecto constitucional, já pudesse ser aplicada. Deve ser empregada até mesmo de ofício pelos juízes em caso de não acordo entre os pais, aliás o recomendável. Os filhos podem ter duas casas. Crianças
são adaptáveis e maleáveis e se ajustam a novos horários, desde que não sejam disputadas continuamente e privada de seus pais. O discurso de que as crianças/os adolescentes ficam sem referência, se tiverem duas casas, precisa ser revisto, assim como as mães deveriam parar de se expressar no sentido de que “deixam” o pai ver e conviver com o filho. Ao contrário do discurso psicologizante estabelecido no meio jurídico, e que reforça a
supremacia materna, o fato de a criança ter dois lares pode ajudá-la a entender que a separação dos pais não tem nada a ver com ela. As crianças são perfeitamente adaptáveis a essa situação, a uma nova rotina de duas casas, e sabem perceber as diferenças de comportamento de cada um dos pais, e isso afasta o medo de exclusão que poderiam sentir por um deles. Se pensarem, verdadeiramente, em uma boa criação e educação, os pais compartilharão o cotidiano dos filhos e os farão perceber e sentir que dois lares são melhores do que um.
Para que se defira a guarda compartilhada é necessário consenso entre os genitores?
O ideal é que os ex-cônjuges mantenham um bom relacionamento, garantindo a continuidade do exercício conjunto de todas as atribuições da autoridade parental e, por consequência, também da guarda. Mas o ideal, às vezes, é só um ideal, embora deva permanecer como ideal a ser seguido. E se não conseguem estabelecer consensualmente a convivência compartilhada, o juiz deverá fazê-lo. É muito comum que, a partir desse compartilhamento obrigatório, nasça o consenso, os pais passam a se entender. Os operadores do Direito não podem se deixar levar pelo discurso fácil e cômodo de que um casal que não se entende, não tem condições de exercer a guarda compartilhada. Quando há consenso entre os pais, nem precisa da lei, pois, naturalmente, compartilham o cotidiano dos filhos. A lei jurídica é exatamente para quem não consegue estabelecer um diálogo, para aqueles que não se entendem sobre a guarda dos próprios filhos. Portanto, o compartilhamento da guarda dos filhos independe de consenso para sua aplicação. Ela é a regra, e a guarda unilateral a exceção, devendo ser aplicada quando um dos pais declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (Art. 1.584, §2o, do CCB/2002).
Quais são os obstáculos à instituição da guarda compartilhada?
Muitos casais, ou pelo menos uma das partes, misturando subjetividade com objetividade, inconscientemente ou não, acabam usando o filho como instrumento de poder. Aliás, a guarda única e o medo e a resistência à guarda compartilhada estão diretamente relacionados à ideia de poder. É assim que o(s) filho(s), muitas vezes, se torna(m) “moeda de troca” no fim da conjugalidade.
Caso seja determinada a alternância de residências, o senhor acredita que a criança
pode perder o referencial de moradia?
A Lei 13.058/2014, com alterações promovidas no CCB/2002, não estabelece que se deve ter uma residência base, mas tão somente uma cidade base: na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (Art. 1.538, §3o). As decisões judiciais vêm crescendo no sentido de aplicação destas regras. Se o casal consegue separar funções conjugais das parentais,
certamente vai querer continuar compartilhando o cotidiano dos filhos, e foi para isso que surgiu o instituto da guarda compartilhada. Na prática, e historicamente, as mães sempre compartilharam a guarda e a criação dos filhos com os vizinhos, creches, avós etc. Não querer compartilhar a guarda com o ex-cônjuge ou o ex-companheiro pode ser apenas uma questão de poder, ou mesmo de uma sutil e grave manifestação de alienação parental.