Em nome da liberdade, união estável tem de se manter diferente do casamento
Por Rodrigo da Cunha
A revolução sexual e de costumes repercutiu e continua repercutindo fortemente no Direito de Família e Sucessões. Não é mais necessário casamento para legitimar as relações sexuais, e nem mesmo é necessário sexo para haver reprodução. As técnicas de reprodução assistida têm proporcionado o nascimento de famílias parentais, e a sexualidade vista pela ordem do desejo revolucionou o conceito de família conjugal. Isto significa que as pessoas estão mais livres para estabelecerem seus vínculos afetivos. E assim, a família está mais autêntica e cada vez mais plural, apesar das resistências de alguns, e do inoportuno PL 6.583/2013 aprovado em Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 24 de setembro de 2015, que tenta excluir direitos e avanços sociais ao dizer que famílias de pessoas do mesmo sexo não podem ser consideradas famílias. Totalmente na contramão da história.
Esta mudança de costumes obriga-nos a reconstruir conceitos jurídicos, para que a liberdade continue sendo o pilar do Direito Civil. Namoro, união estável e casamento têm limites muito próximos um do outro e em razão desta linha tênue entre eles, os tribunais brasileiros estão abarrotados de processos judiciais, cuja discussão central é a diferença e semelhança entre eles. Os tradicionais elementos caracterizadores da união estável já não são mais como antigamente: viver sob o mesmo teto e ter filhos, por si só, já não caracterizam ou descaracterizam uma união estável. Há união estável, e até casamento, em que os casais optam por não ter filhos ou viver em casas separadas. E pra confundir mais ainda, há namorados que moram juntos com o propósito de dividir despesas, e não de constituir família. Há também casais de namorados, cada um vivendo na casa de seus respectivos pais, que tiveram filho sem planejar e sem a intenção de constituir uma família conjugal.
No cerne do conceito de união estável está a ideia de núcleo familiar conjugal. E nem é como a doutrina tradicional vinha dizendo: a intenção ou objetivo de constituir família. É que na união estável, nem sempre as pessoas têm a intenção de constituir um núcleo familiar, como acontece no casamento. Na maioria das vezes começa como um namoro, sem intenção de família e o tempo vai transformando aquela despretensiosa relação em entidade familiar. Portanto a união estável é ato-fato jurídico. Daí a grande dificuldade de se estabelecer o termo inicial da união. Às vezes nem mesmo as partes sabem quando o namoro se transformou em união estável, se foi quando um levou a escova de dentes (objeto de grande intimidade) para a casa do outro, ou se quando começou a deixar roupas na casa do outro etc. Claro que esta confusão pode ser evitada se fizerem um contrato escrito deixando claras essas regras. E entendo até que este contrato pode ter efeito retroativo, da mesma forma e lógica em que se pode mudar o regime de bens no casamento.
Um outro grande problema, também, está em demarcar os limites e diferenças entre união estável e casamento. A regulamentação de união estável é necessária e eliminou injustiças históricas ao proteger a parte economicamente mais fraca. Mas trouxe consigo um paradoxo: quanto mais regulamenta, mais a aproxima do casamento; quanto mais próxima do casamento for, eliminando as diferenças entre um instituto e outro, mais distancia a união estável de sua ideia original. Se em tudo ela for igual ao casamento, ela deixa de existir e acaba com a liberdade das pessoas de escolherem entre um instituto e outro. Se escolho constituir minha família conjugal pela união estável é porque optei por esta via e não a outra. Se em tudo forem iguais, não terei mais duas vias de escolha, pois estarei praticamente casado, mesmo não querendo. E isto é excesso de intervenção do Estado na vida privada do cidadão.
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira escreve uma coluna fixa para a Revista Consultor Jurídico. Para ler o conteúdo na íntegra clique aqui.