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Diferentes com direitos iguais

Ascom

Publicado no Jornal O Tempo no dia 8/3/1997

O movimento feminista é a revolução do século. Além do ideal libertário do gênero oprimido, tem feito com que os próprios homens questionem a identidade masculina de nossa cultura ocidental. Este movimento advém das idéias iluministas e está associado à palavra de ordem da contemporaneidade: a igualdade de todos perante a lei e, conseqüentemente, a cidadania.

Constata-se nos países onde há textos legislativos de igualização dos gêneros, como no caso do Brasil, por exemplo, que esta não se resolve simplesmente através de leis. Ela transcende o campo meramente normativo. É que os fatos geradores do apartheid feminino, hoje menos acentuados em algumas sociedades, estão na essência da própria cultura. Apesar da proclamação da igualdade pelos organismos internacionais e pelas constituições democráticas do fim deste século, a desigualdade de direitos do gêneros não está dissolvida. A mulher continua sendo objeto da igualdade, enquanto o homem é o sujeito e o paradigma deste pretenso sistema de igualdade. Isto por si só já é um paradoxo que o Direito ainda não tem resposta: qualquer tentativa de normatização sobre a igualdade terá como paradigma o discurso fálico masculino. A mudança, desencadeada pelo movimentos feminista no fim deste milênio, entrelaça com o político, econômico, social ético e estético. Desta forma, o patriarcalismo, autorizador da desigualdade dos gêneros, terá que transitar para um outro lugar, já que alguns de seus elementos básicos estão se rompendo.

O princípio da igualdade interessa ao Direito, pois a ela está ligada a idéia de justiça. Esta é a regra das regras de uma sociedade e é o que dá valor moral e respeito a todas as outras regras. Portanto, é a questão da justiça que permite pensar a igualdade, que é posta, então, como uma regra de juízo. Se todos são iguais perante a lei, todos estão incluídos no laço social. Sabemos, entretanto, que os excluídos constituem-se em uma realidade.

Quanto mais se declara a universalidade da igualdade de direitos, mais abstrato se torna a categoria desses direitos. Mais e mais se ocultam as diferenças que essa ordem social gera, e cuja subsistência dependerá agora, em boa medida, da negação e encobrimento daquelas. Para se pensar a cidadania hoje, ao contrário do que se apregoa por aí, há que se substituir o discurso da igualdade pelo da diferença. Precisamos desfazer o equívoco de que as diferenças significam necessariamente hegemonia de um sobre o outro. A constituição de uma verdadeira cidadania só será possível na diversidade. É somente a partir de uma alteridade, da existência de um diferente, de um outro, que se pode construir uma identidade. Se fôssemos realmente todos iguais, não seria possível, ou mesmo necessário, falar desta igualdade. Portanto, a reivindicação das igualdades deve considerar antes as diferenças.

Estas diferenças, especialmente as de gênero, não são muito simples. Ela está entremeada de uma complexidade que o pensamento jurídico por si só não é capaz de responder. Mas, poderá começar a ser desvendada com a ajuda de outras áreas do conhecimento, e principalmente quando começarmos a pensar a igualdade de direitos a partir das diferenças: o complexo mundo feminino e a suposta superioridade masculina. Viva a diferença, com direitos iguais!

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