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Alienação parental, novo CPC e o Ministério Público

claudiovalentin

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2016

Por Rodrigo da Cunha Pereira

O Conselho Nacional do Ministério Público expediu no dia 5 de abril a Recomendação 32, dispondo sobre a necessidade de os membros do Ministério Público atuarem veementemente no combate à alienação parental. Dentre as recomendações, todas elas inseridas no contexto de políticas públicas e ações afirmativas para evitar e combater a prática da alienação parental, está a de que as Procuradorias-Gerais de Justiça e os Centros de Estudo e Aperfeiçoamento funcional insiram o tema nos cursos de formação e atualização dos membros dos Ministérios Públicos estaduais e a priorização do tema em seu planejamento estratégico (artigo 1º); que empreendam esforços administrativos e funcionais para dar apoio ao combate à alienação parental (artigo 2º); que façam ações coordenadas para a conscientização dos genitores sobre os prejuízos da alienação parental e da eficácia da guarda compartilhada e que busquem meios eficazes para resolver os problemas atinentes a esse tema (artigo 3º).

A alienação parental é um nome novo para um velho problema. Expressão cunhada pelo psiquiatra norte americano Richard Gardner, em meados de 1980, inicialmente conhecida como a Síndrome da Alienação Parental (SAP), chegou no Brasil simplesmente como alienação parental. Na verdade, a síndrome pode ser a consequência da alienação parental, quando atingida em seu grau mais elevado. Nem sempre, porém, há uma “síndrome”.

A partir do momento em que se pôde nomear, isto é, dar nome a uma sutil maldade humana, praticada pelos pais que não se entendem mais e usam os filhos como vingança de suas frustrações, disfarçada de amor e cuidado, tornou-se mais possível protegê-los da desavença dos pais. O alienador vai implantando na psiqué e memória do filho uma imago negativa do outro genitor, de forma tal que seja alijado e alienado da vida daquele pai ou mãe. Isso ocorre com sutileza e em um processo psíquico, às vezes, quase imperceptível. É inacreditável como o pai/mãe não vê o mal que faz ao próprio filho, em nome de um discurso de proteção.

A melhor definição de alienação parental está na própria Lei 12.318 de 26/08/2010: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, que promovida ou indenizada por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este (art. 2º). E o parágrafo único deste mesmo artigo exemplifica atos de alienação parental, além de outros que podem ser declaradas pelo juiz, se constatados por pericia ou por outros meios de prova: I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II – dificultar o exercício da autoridade parental; III – dificultar contato da criança ou adolescente com genitor; IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar sua convivência com a criança ou adolescente; VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós”.

A alienação parental é o outro lado da moeda do abandono afetivo, que é a irresponsabilidade de quem tem o dever de cuidado com a criança/adolescente. Na alienação parental, a convivência se vê obstaculizada por ação/omissão/negligência do alienador, com implantação de falsas memórias, repudiando e afastando do convívio familiar o outro genitor não detentor de guarda. Nesse sentido, a guarda compartilhada funciona como um antídoto da alienação parental.

Na alienação parental, o filho é deslocado do lugar de sujeito de direito e desejo e passa a ser objeto de desejo e satisfação do desejo de vingança do outro genitor. É, portanto, a objetificação do sujeito para transformá-lo em veículo de ódio, que tem sua principal fonte em uma relação conjugal mal resolvida. Em outras palavras, e sintetizando a causa e raiz da maioria das alienações parentais: não quis ficar comigo, vai comer o pão que o diabo amassou.

A alienação é uma forma de violência e abuso contra a criança/adolescente. As provas nem sempre são simples. Na maioria das vezes, é feita por perícia, mas é possível, também, que cartas, bilhetes, e-mails, redes sociais em geral e testemunhas comprovem essa perversidade. O CPC-2015 absorveu a importância desse novo instituto jurídico e referiu-se a ele em um artigo especifico: “Quando o processo envolver discussão sobre o fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista” (artigo 699). O problema é que há poucos especialistas no Brasil, e essa é uma das questões práticas a ser enfrentada pelo bem intencionado CPC. Os tribunais ainda não estão suficientemente aparelhados com esses novos profissionais, que, aliás, é um novo campo de trabalho, um novo mercado profissional em formação.

A lei da alienação parental, assim como a Lei Maria da Penha, é uma lei que pegou, isto é, já caiu no conhecimento do povo, inclusive, graças a divulgação via internet. Assim, ela já produz também, para além de um efeito prático de punição ao alienador e contenção da prática de atos de alienação parental, um efeito psicológico e simbólico, pois todo pai/mãe a partir do conhecimento dessa lei, e já tendo absorvido o seu conceito, está sempre atento, e aos primeiros sinais já acende o alerta para sua evitação. Além disso, a esperança de combate à alienação parental fica maior, na medida em que o CPC-2015 deu destaque especial à essa prática abusiva dos direitos das crianças/adolescentes, bem como a Recomendação 32 do CNMP, que, espera-se, seja realmente efetivada como política pública fundamental do Ministério Público, que finalmente reconhece o seu papel fundamental na efetivação e prática da proteção aos vulneráveis.

Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.

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