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Adultério virtual

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 30/3/1999

O Direito de Família é a tentativa da regulamentação das relações de afeto e das conseqüências patrimoniais daí decorrentes. Em todo o mundo ocidental um dos pilares que o esteia é o princípio da monogamia. Quase todas as controvérsias e discussões jurídicas sobre a conjugalidade giram em torno da monogamia, que funciona também como um ponto chave das conexões morais. Falar de monogamia, portanto, é falar de todos os valores que verdadeiramente interessam: afeto, honestidade, desejo, amor, promessa, ciúme, confiança, respeito, direitos, culpa.

A quebra do princípio da monogamia significa, para os valores jurídicos e morais ocidentais, o rompimento e afronta aos princípios morais estruturadores de nossa cultura. Não podemos esquecer, entretanto, que, mesmo sendo um princípio norteador dos contratos das relações de afeto (como o casamento, união estável, esponsais, namoro etc), a ideologia patriarcal conseguiu concessões para que o adultério masculino fosse muito menos grave que o feminino. Pode-se dizer que até recentemente o homem que tivesse mais de uma mulher ou uma outra mulher, além daquela oficializada pelo casamento, recebia o prêmio do enaltecimento de sua masculinidade. Embora o Direito positivo ocidental não privilegie, neste aspecto, o homem ou a mulher , muitos ainda defendem que a natureza masculina não é monogâmica. De qualquer forma, para o Direito, a monogamia é mais que um valor moral. É um princípio norteador dos ordenamentos jurídicos.

Infringir tal princípio, estabelecendo relação extra conjugal, significa, em nosso ordenamento jurídico, ter sido o responsável e o culpado pelo fracasso da relação. Conseqüentemente pode perder alguns direitos, como por exemplo, pensão alimentícia, guarda de filhos, etc.

Uma das funções básicas da ciência jurídica é estabelecer limites ao desejo, viabilizando assim a organização social. É que os caminhos do desejo são atravessados também por descaminhos. Às vezes, “desacata a gente e é revelia”. Por isso, podemos dizer que enquanto houver desejo sobre a face da terra haverá quem burle a lei jurídica para ir de encontro à “Lei do Desejo”, nem sempre coincidente com a lei jurídica.

Desde Moisés, com a “Lei das Doze Tábuas”, temos nos deparado com uma proibição, transformada em norma jurídica: “Não cometerás adultério”. Esta é uma questão tão antiga quanto a História. Também como norma jurídica atravessou o tempo e coloca-se até hoje como questão fundamental para as organizações sociais. Portanto, o adultério foi, é e continuará sendo um princípio moral que recebeu um valor jurídico como possibilidade, através de suas sanções, de frear impulsos “gozozos”, às vezes desorganizadores. Realmente, é preciso estabelecer limites externos (lei jurídica) para aqueles que não o têm internamente, ou não conseguem fazê-lo por si mesmos.

Infidelidade, relações adulterinas e extraconjugais, como se disse, sempre existiram e vão continuar existindo. A prática e a forma dessas infidelidades, ao longo do tempo, são variações em torno do mesmo tema: cintos de castidade, excomunhão, sanções civis, penais ou morais.

Uma das mais recentes formas de infidelidade conjugal é aquela que se estabelece através da Internet. É uma questão nova para o Direito e que já estamos tendo que nos haver com ela. Aqueles que se conhecem, encontram, namoram ou navegam juntos no ambiente da rede de computadores estariam de fato estabelecendo uma relação? Por exemplo, se um marido descobre que sua mulher tem um “relacionamento amoroso”, poder-se-á, do ponto de vista jurídico, caracterizar tal ato como adulterino, com implicações na lei civil e penal? Considerando que o adultério pressupõe encontro carnal entre as partes e que o encontro via computador é virtual, isto é, segundo o dicionário Aurélio, “existe apenas como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual”, poderíamos falar que estaria criada a nova figura jurídica do adultério virtual? Ou adentraríamos à discussão da invasão de privacidade e provas ilícitas?

A partir dessa nova realidade cibernética, os ordenamentos jurídicos terão que rediscutir e reformular alguns de seus conceitos estabelecidos para adultério e infidelidade. Não trazer essa discussão é deixar de fora do universo jurídico essas novas relações cada dia mais crescentes. Ignorá-las é omitir o cumprimento das funções jurídicas de tentar colocar limites e barrar um gozo, cujo excesso pode ser inviabilizador das relações.

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