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Abandono afetivo: Decisão do STJ e aprovação de projeto de lei na Câmara trazem novas perspectivas sobre o tema

Ascom

O abandono afetivo se apresenta como uma questão recorrente entre as demandas judiciais em Direito das Famílias. Neste mês, o tema ganhou relevo com uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que estipulou indenização independentemente de pagamento de pensão alimentícia, e com um projeto de lei, aprovado por Comissão da Câmara dos Deputados, que estende a abordagem ao abandono de pais idosos.

Na semana passada, a 3ª Turma do STJ deu provimento ao recurso especial ajuizado por uma filha para condenar o pai ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo sofrido desde a infância. O entendimento da Corte é de que o pagamento de pensão alimentícia não impede o reconhecimento dos traumas psicológicos causados, inclusive com consequências físicas, na vida da jovem.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, classificou que o pagamento de pensão não é suficiente para que os pais se sintam livres de outras obrigações, e a paternidade exercida de forma “irresponsável, desidiosa e negligente” enseja danos morais. Em voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou que, apesar de não haver o dever de amar no ordenamento pátrio, o pedido encontra justificativa nas disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990).

Já a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados aprovou proposta que altera o Código Civil e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) para prever legalmente a indenização por dano moral nos casos de abandono afetivo de filhos ou de pais idosos. O Projeto de Lei 4.294/2008 é do ex-deputado Carlos Bezerra (MT) e segue para análise, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

De acordo com a defesa do texto feita pelo parlamentar, o abandono afetivo retira das pessoas a segurança de que são queridas e de que têm com quem contar. “O vazio afetivo repercute na vida de quem é abandonado, e pode ser mensurado, para fins de indenização por dano moral”, sustentou Bezerra.

“Pai e mãe não podem se divorciar de seus filhos”, diz presidente do IBDFAM

“A responsabilidade é um princípio jurídico e deve ser observada e respeitada em todas as relações jurídicas, especialmente nas relações familiares entre pais e filhos”, frisa o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ele comenta a decisão recente do STJ sobre o tema.

“O princípio jurídico da paternidade responsável não pode se resumir à assistência material. Nesse ponto, não somente na obrigação alimentar. O cumprimento do dever de assistência moral é dever jurídico, cujo descumprimento pode ter como consequência a pretensão indenizatória. Pai e mãe não podem se divorciar de seus filhos.”

Ele lembra que o Enunciado 8 do IBDFAM, aprovado no X Congresso Brasileiro de Direito de Família e Sucessões, em 2015, sintetiza: “O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado”. O advogado acrescenta: “Os preceitos punitivo e o preventivo, aliados a uma necessidade pedagógica, da sanção civil, podem significar um freio ao ato danoso”.

“O filho não escolheu nascer, mas os pais, ao contrário, são responsáveis e devem ser responsabilizados pelo seu nascimento. Poderiam ter evitado, e, se não o fizeram, assumiram o risco da provável concepção. Uma vez nascido o filho, tenha sido ele planejado ou não, desejado ou não, os pais devem cumprir a obrigação jurídica de criá-los e educá-los”, destaca Rodrigo.

Imprescindível intervenção do Estado

Sobre o Projeto de Lei 4.294/2008, que prevê indenização por dano moral nos casos de abandono afetivo de filhos e também de pais idosos, o presidente do IBDFAM lembra que, por força de dispositivo constitucional, é dever dos pais criar os filhos e dos filhos assistirem os pais na velhice, garantindo amparo.

“É imprescindível a intervenção do Estado em situações de abandono afetivo. A punição é a única forma de conscientizar o pai/mãe do mal que fizeram ao filho e de se tentar evitar que a omissão parental continue. Além disso, o mesmo vale para filhos que abandonam pais na velhice.”

Ele cita outra proposição legislativa, o Projeto de Lei do Senado – PLS 700/2007, que prevê uma mudança no ECA, impondo reparação dos danos ao pai ou à mãe que deixar de prestar assistência afetiva aos filhos, seja pela convivência, seja por visitação periódica, passando a caracterizar o abandono moral dos filhos como ilícitos civil e penal.

O PLS 700/2007 propõe a prevenção e solução de casos “intoleráveis” de negligência dos pais para com os filhos. Estabelece que o artigo 3º do ECA passe a vigorar acrescido de pena de detenção de um a seis meses para “quem deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de 18 anos, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social”. O texto foi remetido à Câmara dos Deputados em outubro de 2015.

Crise da paternidade

Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, o Direito brasileiro já deveria ter entendido que, por mais que se queira atribuir uma paternidade pela via do laço biológico, jamais conseguirá impor que o genitor se torne pai. “O alcance dessa investigação limita-se, como já estabeleceu a lei francesa, para os fins de subsídios.”

“Com isto, podemos entender que a Constituição brasileira de 1988, ao interferir no sistema de filiação, está a um passo do entendimento da paternidade em seu sentido mais profundo e real. Ela está acima dos laços sanguíneos. Um pai, mesmo biológico, se não adotar seu filho, jamais será o pai. Por isto, podemos dizer que a verdadeira paternidade é adotiva e está ligada à função, escolha, enfim, ao desejo.”

Segundo o especialista, podemos falar hoje de uma “crise da paternidade” diante das novas representações sociais da família, frente ao rompimento dos modelos e padrões tradicionais. “Sua função básica, estruturadora e estruturante do filho como sujeito, está passando por um momento histórico de transição de difícil compreensão em que os varões não assumem ou reconhecem para si o direito/dever de participar da formação, convivência afetiva e desenvolvimento de seus filhos.”

Como exemplos, ele cita: o pai solteiro, ou separado, que só é pai em fins de semana, ou nem isso; o pai, mesmo casado, que não tem tempo para seus filhos; o pai que não paga ou boicota pensão alimentícia e nem se preocupa ou deseja ocupar-se com isto; o pai que não reconhece seu filho e não lhe dá o seu sobrenome na certidão de nascimento.

“A ausência do pai, e dessa imagem paterna, em decorrência de um abandono material e/ou psíquico, tem gerado graves consequências na estruturação psíquica dos filhos e que repercute, obviamente, nas relações sociais. A ausência das funções paternas já se apresenta hoje, inclusive, como um fenômeno social alarmante, e provavelmente é o que tem gerado as péssimas consequências conhecidas por todos nós, como o aumento da delinquência juvenil e menores vivendo nas ruas”, acredita.

Abandono independe de classe social

O fenômeno não está restrito a uma determinada classe social, diz o advogado. “Certamente, nas classes menos favorecidas economicamente, o abandono material é maior, pois se mistura também com a questão política de abandono do Estado, que também exerce, em muitos casos, uma função paterna e de ‘o Grande Outro’”.

“Essa ausência paterna e o declínio do pater-viril está acima da questão da estratificação social. É um fenômeno e consequência das transformações sociais iniciadas com a revolução feminista, a partir da redivisão sexual do trabalho e a consequente queda do patriarcalismo.”

O advogado conclui: “O desafio do terceiro milênio será a aprendizagem da organização da polis, considerando que não é possível pensar o Estado sem seu núcleo básico: a família. Não é possível este núcleo básico sem o lugar estruturante do pai. Teremos que reaprender, então, diante das novas formas de família, e nesse novo contexto social, o que é um pai, pois já sabemos que a ausência dele pode ser desestruturante para o sujeito”.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

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