A revolução do século
Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 8/3/1998
As feministas estão em desgaste. Ih! Já vêm essas feministas de novo comemorar o Dia Internacional da Mulher. A ideologia patriarcal, em um dos últimos brados de vitória, conseguiu imprimir à palavra feminismo um sentido depreciativo, tornando-a desacreditada, como aconteceu com a expressão democracia. É nesse tom depreciativo que transparece o primeiro sintoma da luta pela igualdade de direitos dos gêneros: uma questão de poder. É que o mundo parece ser mesmo masculino, pois foi historicamente construído pelos homens. Quem construiu pontes, prédios, organizou a economia e a política foram os homens, e não as mulheres. É então nesta suposta superioridade masculina que foi estruturado o patriarcalismo e toda a ideologia justificadora e sustentadora dele.
A igualdade dos gêneros não é mesmo simples. Se o fosse, a lei jurídica já teria solucionado as injustiças decorrentes daí, pois em todo Ocidente as constituições democráticas já proclamaram a igualização dos direitos entre homens e mulheres.
Muito já se avançou na luta contra a desigualdade dos gêneros. Mas falta muito ainda a se pensar e a fazer sobre essa pretensa igualdade. Não foi em vão que se rasgou sutiãs em praça pública. Talvez precisasse mesmo dessas bobagens, como foi necessário violência para que a queda da Bastilha em 1789. São marcas históricas, desencadeadoras ou denunciadoras de situações de injustiça e de reivindicação de cidadania.
O movimento feminista é a revolução do século. Foi ele quem colocou em xeque a suposta superioridade masculina, alicerçada, obviamente, na divisão sexual do trabalho, como já escreveu Engels no início deste século, em seu célebre livro “a origem da família, da propriedade privada e do Estado”.
No sistema patriarcal o trabalho doméstico, geralmente exercido pelas mulheres, nunca teve valor. Até hoje a mão-de-obra doméstica não entra em uma escala de valores e índices da economia de um país. É também a velha dicotomia do público e do privado. Revalorizar o trabalho doméstico, e considerá-lo na esfera pública não tem que significar a volta das mulheres ao “forno e fogão”. Isto vem no sentido e em direção à liberdade dos sujeitos de poderem optar por este ou aquele trabalho, sem que isso signifique dominação ou superioridade de um gênero sobre o outro.
A partir do momento em que as mulheres passaram a ocupar a cena pública e tornaram-se cidadãs, com a conseqüente igualização de direitos, o poder masculino ficou ameaçado. Talvez pudéssemos até afirmar que houve um declínio do masculino, já que masculino pressupõe “falo” e, portanto, poder. Ninguém pode negar que algumas funções ditas em nossa cultura como masculinas e outras como femininas são exercidas hoje indistintamente por um homem ou uma mulher. Por exemplo, trocar fralda de filho não é nada viril e, no entanto, muitos pais o fazem porque faz parte de uma nova concepção de papéis, cuja base é a redivisão sexual do trabalho. Neste sentido, poderíamos afirmar que há um declínio do viril.
Este simples e banal exemplo é a demonstração de que o movimento feminista interferiu na vida de todos nós, provocando uma verdadeira revolução nos valores femininos e masculinos. Tenho visto freqüentemente, na “clínica” do Direito de Família, uma certa disfunção, causada por este importante momento histórico de pós-feminismo e queda do patriarcalismo. Por exemplo, muitos homens, sentindo-se ameaçados com as mulheres “liberadas” de sua dominação, acabam se separando, ao invés de tentar reconstruir a relação e repensar os novos papéis masculinos e femininos em nossa sociedade.
A questão feminista hoje é muito mais uma questão para os homens. Afinal, o que é ser homem hoje? Existe o perfil de um homem ideal que as mulheres preferem? Estas perguntas, reflexões e encruzilhadas do homem no pós-feminismo são saudáveis, na medida em que proporcionam o eterno repensar das relações amorosas, onde nos deparamos sempre com o nosso destino de tentar responder a velha pergunta de Freud, do início deste século, e que continua sem resposta: o que quer uma mulher?