A decisão da separação
Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 13/10/1998
Separar ou não separar. Eis uma questão, ou idéia, que já passou pela cabeça de grande parte dos casais, pelo menos uma vez, embora não se confesse ou admita isso. A decisão por uma separação, por mais inusitada que possa parecer, raríssimas vezes é feita de uma hora para outra. Pelo menos por uma das partes, essa idéia é trabalhada internamente durante muito tempo, às vezes anos, até que esteja pronta para ser externada ou verbalizada. Separar é um ato tão doído que muitas vezes nem assumimos que já estamos separados. É tão sofrido que muitos acabam fazendo da separação uma atitude impensada e o fazem para se ver livre do sofrimento, quando esse processo poderia culminar com a reconstrução da conjugalidade, ao invés da separação judicial.
Os operadores do Direito não temos o direito de influenciar a que os casais se separem ou não. Não podemos ser agentes separadores e nem induzir sobre qual a decisão será mais adequada para eles. É uma decisão da ordem do particular e é um ato de responsabilidade dos sujeitos envolvidos. Muitos não têm a capacidade de resolver por si mesmos esses conflitos internos e o externalizam através dos eternizantes processos judiciais . Vêem-se ali no litígio judicial os restos do amor transformados em histórias de degradação do outro, o que certamente não é a solução para uma separação bem resolvida. Ao contrário, esses processos em geral muitas vezes são exatamente para não resolver e para não separar, já que continuam a relação através da Justiça.
Separação de casais não tem nada de simples. Há razões inconscientes que muitas vezes encobrem os verdadeiros motivos. Há pessoas que mesmo já separadas de fato levam anos para oficializar a separação ou divórcio. Outras dizem até que não é necessário, e que isso é mera formalidade. Outros têm medo de instalar um litígio e acabam deixando pra lá. No fundo, no fundo, ou melhor, inconscientemente, talvez essas “desculpas” sejam apenas as dificuldades de lidar com a possível realidade da separação.
Diante dessas dificuldades, com o peso e a responsabilidade de uma decisão sobre o ato de separar ou não, é muito comum atribuir a um profissional do Direito de Família o poder de resolução, para pôr fim a conflitos que tanto atormentam e angustiam. Nós, operadores do Direito, advogados, promotores e juízes, assim como os psicanalistas e psicólogos, ocupamos também um lugar de “suposto saber”. Atribuem a nós um saber que lhes permite pensar que poderemos resolver ou dizer uma palavra milagrosa que possa pôr fim aos seus conflitos internos, resolver todos os seus problemas de separação. Ledo engano. Não existe consolo ou palavras mágicas para resolver os conflitos e dificuldades com a separação. Não há profissional responsável que possa fazer promessas dessa natureza ou dar receita salvadora. O que podemos e devemos fazer é fornecer os elementos jurídicos, proporcionando reflexões para tomadas de decisões.
Aliás, as separações devem ser tratadas sob dois ângulos, ou em duas partes: uma, objetiva, prática e negocial; outra, sob o aspecto afetivo e subjetivo. O trabalho dos operadores do Direito é o de pontuar essa mistura e confusão que se faz das questões objetivas com as da subjetividade. Desta forma torna-se possível desmontar o discurso da aparência, fazer emergir os reais motivos do conflito, compreendê-los em sua profundidade, desfazendo equívocos para encontrar a mais justa adequação.
Mesmo assim, a saída para as possíveis separações continua sendo a da velha fórmula de que não encontraremos a resposta no outro, por mais que acreditemos que esse outro detenha um conhecimento e poderá nos salvar, resolvendo nossos conflitos e nossas angústias. Mas já será um bom começo, a partir do momento em que definições importantes, como separar ou não, estiverem sendo buscadas no fundo da própria alma, ao invés de serem delegadas a outrem.
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