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A ameaça das concubinas

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 31/5/1997

A revolução sexual desencadeada a partir da década de 60, e a conseqüente mudança de valores, provocaram profundas alterações também no ordenamento jurídico brasileiro. É que a realidade começou a desenhar outros modelos e formas de constituição de família, além daquela constituição pelo casamento. Com isto a Constituição Federal de 1988 veio reconhecer a proteção do Estado às famílias monoparentais e às Uniões Estáveis (concubinato).

É preciso esclarecer que a proteção dada ao concubinato refere-se somente ao não-adulterino. Caso contrário, o Direito estaria destruindo toda sua lógica assentada no princípio da monogamia. É certo que as relações extraconjugais, concubinato adulterino, a “outra”, etc., sempre existiram, e continuarão existindo. Deve-se distinguir, entretanto, que mesmo decorrendo conseqüências patrimoniais destas relações, elas não poderão ser tratadas no campo do Direito de Família, sob pena de se instituir a poligamia em nosso ordenamento jurídico.

Apesar da importância do assunto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao contrário dos tribunais de outros estados, ainda não se posicionou sobre a competência dos juízes para julgamento das ações sobre concubinato. Embora pareça uma mera questão técnico-processual, esta definição significará o reflexo da postura do judiciário mineiro em entender as novas representações sociais da família.

Não obstante a clareza do texto constitucional (art. 226), este tema tem gerado ainda muita polêmica. Ele desperta interesse em todas as pessoas, pois toca em dois aspectos fundamentais da vida: o econômico, porque das relações de afeto decorrem conseqüências patrimoniais; e o sexual, porque a partir do reconhecimento do concubinato, o Estado estaria endossando, ou “liberando”, o relacionamento sexual sem o selo da oficialidade dada pelo casamento.

Além de polêmico, esse assunto tem causado também muito incômodo. Alguns, em defesa da moralidade pública, têm apregoado que com essas novas leis (8.971/94 e 9.278/96), as concubinas passaram a ter mais direitos que as mulheres casadas; agora seria mais vantajoso não casar e estas leis constituiriam um incentivo à promiscuidade. Os defensores dessas posições estão mal informados ou fazem uma leitura equivocada dos novos textos normativos, e do contexto em que eles estão inseridos. Isto não é verdade. A concubina não tem mais direitos que a mulher casada. Provavelmente, o incômodo causado esteja na dificuldade de enxergar e admitir o concubinato (União Estável) como mais uma possibilidade de constituição de família. Talvez seja a resistência de se conceber e pensar as relações amorosas em direção à liberdade dos sujeitos.

De fato, em nossa cultura, e especialmente no ordenamento jurídico brasileiro, a sexualidade permitida sempre foi aquela autorizada pela oficialidade, de preferência nos moldes tradicionais. Mas, afinal, por que e em quê estas novas leis são tão ameaçadoras? Será o medo da liberdade, ou o medo de deparar-se com o próprio desejo? Em relação aos “guardiães da moralidade”, devemos nos acautelar. Muita coisa de sua intimidade, seus desejos mais íntimos, é que devem ser ocultados, pois certamente fogem aos padrões da dita normalidade. Por isto, em Psicanálise, pode-se dizer, quanto mais moralista mais pervertido é o sujeito.

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