Ministro garante prisão domiciliar a avó responsável pela guarda de netos menores
A medida é admitida quando acusado ou o réu for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes deferiu Habeas Corpus (HC 192800) para conceder prisão domiciliar a uma avó de duas crianças menores de idade, das quais detém a guarda de fato. Acusada de tráfico de drogas, L.F. não tem outros registros criminais e terá que comparecer periodicamente em juízo para informar e justificar suas atividades.
Presa desde 15/9, por determinação da Primeira Vara Criminal da Comarca de Santa Bárbara d’Oeste (SP), ela teve pedidos de liminar negados no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Constrangimento ilegal
Para o ministro, mesmo diante da dupla supressão de instância, que, em tese, impediria o conhecimento do pedido da defesa pelo STF, o caso é de constrangimento ilegal, que permite a superação do entendimento do STF sobre a matéria. Isso porque as crianças, uma de três anos e outra com seis anos de idade, são dependentes da avó, pois a mãe delas faleceu em 2018, e o pai, que cumpre medidas cautelares, não tem condições de cuidar dos filhos. Além disso, L.F. é viúva e tem uma filha de 17 anos, ou seja, também menor de idade.
Diante dessa situação, o ministro entendeu necessária a concessão da prisão domiciliar, que somente será mantida se L.F. cumprir os seguintes requisitos: solicitar previamente autorização judicial sempre que pretender se ausentar de sua residência; atender aos chamamentos judiciais; noticiar eventual transferência; e, por fim, submeter-se, periodicamente, juntamente com sua família, a estudos psíquico-sociais, para que a situação das crianças seja monitorada.
Marco Legal da Primeira Infância
Na decisão, o ministro destaca que a Constituição Federal garante a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e a proteção da maternidade, da infância e da família. No âmbito infraconstitucional, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) assegura condições mínimas de assistência às mães presas, inclusive as que estão em regime provisório, e aos recém-nascidos. O Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), por sua vez, ampliou as hipóteses de concessão de prisão domiciliar para as situações em que o acusado ou o réu for “imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência”.
O ministro ressaltou a necessidade de aplicação dessa norma “de forma restrita e diligente, verificando-se as peculiaridades de cada caso”. Lembrou ainda que, no julgamento do HC 143641, a Segunda Turma do Supremo permitiu a substituição da prisão preventiva pela domiciliar a gestantes e mães de filhos com até 12 anos, quando forem as únicas responsáveis pela tutela das crianças. No entanto, nesse julgamento, foram ressalvados os crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra os descendentes e situações excepcionais, devidamente fundamentadas pelo juiz da causa.
Direito internacional
O ministro Gilmar Mendes frisou ainda que, no âmbito internacional, as Regras de Bangkok, de 2010, asseguram que a adoção de medidas não privativas de liberdade deve ter preferência no caso de grávidas e mulheres com filhos dependentes.
Fonte: STJ
Dignidade da pessoa humana
Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, essa decisão é de suma importância ao enfatizar o princípio da dignidade humana e do melhor interesse da criança. “Esses princípios são hoje um dos esteios de sustentação dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Não é mais possível pensar em direitos desatrelados da ideia e conceito de dignidade. É um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade”, ressalta o advogado.
O advogado ressalta que a noção de Direitos Humanos só pôde ser desenvolvida porque em sua base de sustentação está a dignidade de todo e qualquer ser humano, ou seja, na ideia dos Direitos Humanos está a certeza de que determinados direitos devem ser atribuídos às pessoas por uma mesma causa universal e acima de qualquer arbítrio humano.
“São necessidades humanas determinadas pela sua natureza, e que nenhum Estado tem o poder de modificar. Assim, não é por acaso que a dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional, servindo de base para todos os direitos fundamentais. Ela é acima de tudo um princípio ético, que a história mostrou ser necessário incluir entre os princípios do Estado”, destaca.
“Mais que um valor, o princípio da dignidade humana é a prova de que deve haver certos direitos de atribuição universal, por isso é também um princípio do direito”, completa o advogado.