Terceira Turma admite ação de prestação de contas para fiscalizar recursos de pensão
Fonte: STJ
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou sua jurisprudência e definiu que a ação de prestação de contas pode ser usada para fiscalizar o uso dos valores de pensão alimentícia. Com esse entendimento, o colegiado deu parcial provimento ao recurso de um homem que pedia a comprovação de que o dinheiro da pensão estaria sendo usado pela mãe e guardiã apenas nos cuidados do menino.
Segundo o processo, o filho – com síndrome de Down e quadro de autismo – sempre esteve sob a guarda unilateral da mãe e nunca conviveu com o pai, o qual foi condenado, em 2006, a prestar alimentos no valor de 30 salários mínimos e custear o plano de saúde. Em 2014, em ação revisional, a pensão foi reduzida para R$ 15 mil.
Em 2015, o pai ajuizou ação de prestação de contas para verificar se a mãe estaria empregando o dinheiro apenas em despesas do filho. Contudo, o juiz de primeiro grau considerou que a ação de prestação de contas não poderia ser usada com esse objetivo – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Proteção integral
Autor do voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Moura Ribeiro afirmou que o parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil estabelece a legitimidade do pai que não possui a guarda do filho para exigir informações e a prestação de contas daquele que detém a guarda unilateral.
Para o ministro, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada pelo alimentante contra o guardião e representante legal do incapaz, “na medida em que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor”.
Essa possibilidade – ressaltou – funda-se no princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como no legítimo exercício da autoridade parental, devendo aquele que não possui a guarda do filho ter meios efetivos para garantir essa proteção.
“A função supervisora, por quaisquer dos detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente”, disse.
Interesse processual
De acordo com Moura Ribeiro, aquele que presta alimentos ao filho tem o direito e também o dever de buscar o Judiciário – ainda que por meio da ação de exigir contas – para aferir se, efetivamente, a verba alimentar está sendo empregada no desenvolvimento sadio de quem a recebe.
Com base na doutrina sobre o tema, o ministro observou que não é necessário indicar a existência de desconfiança sobre a forma de administração da pensão alimentícia, cabendo ao interessado somente demonstrar que tem o direito de ter as contas prestadas.
O ministro alertou, contudo, que essa ação não pode ser proposta com o intuito de apurar a existência de eventual crédito – pois os alimentos pagos não são devolvidos –, e também não pode ser meio de perseguições contra o guardião.
Finalidade da ação
Na hipótese em análise, Moura Ribeiro verificou que a finalidade da ação foi saber como é gasta a verba alimentar destinada ao filho, e não apurar eventual crédito ou saldo devedor em favor próprio.
Tendo o pai demonstrado legitimidade e interesse em saber como é empregado o dinheiro da pensão, o ministro entendeu que não poderia ser negado a ele o exercício do atributo fiscalizatório inerente ao poder familiar.
“A razão de ser da ação de exigir contas em questões relacionadas a alimentos é justamente o desconhecimento de como a verba é empregada. Esse é o seu desiderato”, afirmou o ministro.
Legitimidade para solicitar a prestação
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, lembra que a ação de prestação de contas desenvolve-se em duas fases: na primeira, verifica-se se há obrigação de tal prestação de contas; na segunda, apura-se o quantum ou o crédito.
“Tem legitimidade ativa, ou seja, tem o direito de exigi-la, aquele que tem interesse econômico direto na administração de bens e valores administrados por quem tenha que prestar contas, tendo em vista o pagamento e recebimentos em proveito do interessado”, explica.
Desta maneira, ele lembra que, no Direito das Sucessões, a prestação de contas pode ser exigida do inventariante sobre os bens do espólio por ele administrado. No Direito de Família, o tutor e curador devem prestar contas da administração dos bens do tutelado e curatelado.
“Nas obrigações alimentícias, o alimentante, em razão do direito/dever de fiscalizar a educação do alimentário pode exigir que lhe seja prestado contas. E se for comprovado que o valor pago na pensão alimentícia não está sendo devidamente utilizado? O alimentante pode ingressar com ação revisional para ajustar o valor às reais necessidades do alimentário, ou adequar melhor a forma de pagamento para alimentar in natura”, detalha o especialista.
Ainda de acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, o objetivo não é executar eventual débito apurado, pois os alimentos, em regra, são irrepetíveis, mas colocar em prática o direito/dever de fiscalização. Com isso, uma das ações pouco usuais, mas de grande importância, é a ação de prestação de contas da administração de bens do casal divorciando ou divorciado.
“É uma salutar medida judicial que ajuda a impedir abusos e desvio dos frutos dos bens do casal. É de pouco uso no cotidiano forense em razão da sensação de segurança oferecida pelas ações de constrição patrimonial’, diz.
Porém, ele ressalta que é comum que empresas, antes do divórcio e do bloqueio, serem saudáveis, auferirem lucros, mas após a sua constrição passarem a ter um verdadeiro declínio econômico. “Nestes casos, é importante que a ação de prestação de contas patrimonial seja instaurada e cuja fiscalização pode ajudar a preservação de uma boa gestão dos bens”, conclui.