“Alguém que não elabora psiquicamente o fato de o outro não mais amá-lo, ou não querer mais viver uma relação amorosa, é capaz de tirar de suas entranhas um sentimento de vingança, que não poupa nem o próprio filho. O propósito da Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/10) é tentar barrar esses excessos e colocar limites em quem não os têm internamente”. Assim esclarece o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões.
Sexta-feira, dia 25 de abril, é o Dia Internacional contra a Alienação Parental. Pensando na importância desse tema, o advogado listou 10 tópicos fundamentais para a compreensão desse fenômeno.
1 – A alienação parental é um nome novo para um velho problema
A expressão foi cunhada pelo psiquiatra norte americano Richard Gardner, em meados de 1980. Inicialmente conhecida como a Síndrome da Alienação Parental (SAP), chegou no Brasil simplesmente como alienação parental.
Trata-se de implantar na psiqué e memória do filho uma imago negativa do outro genitor, de forma tal que ele seja alijado e alienado da vida daquele pai ou mãe. Alienação Parental é uma forma de abuso que põe em risco a saúde emocional e psíquica de uma criança/adolescente.
2 – Nem sempre, porém, há uma “síndrome”
Alienação parental sempre existiu, desde que o mundo é mundo. Apenas não sabíamos nomeá-la. A partir do momento em que conseguimos dar nome a essa maldade humana, ficou mais fácil proteger as crianças e adolescentes vítimas dessa violência praticada pelos próprios pais. Em alguns casos, a alienação é tão grave que pode até transformar-se em uma síndrome, como inicialmente foi denominada: SAP (Síndrome da Alienação Parental).
Mas na evolução do pensamento jurídico, não mais denominamos assim, pois nem sempre há uma síndrome, essa categoria médica de difícil aferição. Por isso, o texto da lei brasileira, com razão, não se refere à síndrome.
3 – Os atos de alienação parental precisam ser constatados por perícia ou por outros meios de prova
A lei exemplifica os seguintes atos como alienação parental:
- realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
- dificultar o exercício da autoridade parental;
- dificultar contato da criança ou adolescente com genitor;
- dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
- omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
- apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar sua convivência com a criança ou adolescente;
- mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós
4 – A comprovação desses atos pode ser bastante difícil
Na maioria das vezes, é feita por perícia, mas é possível, também que cartas, bilhetes, e-mails, redes sociais em geral e testemunhas que comprovem esses atos. O CPC-2015 absorveu a importância desse novo instituto jurídico e referiu-se a ele em um artigo específico: “Quando o processo envolver discussão sobre o fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista” (artigo 699). O problema é que há poucos especialistas no Brasil, e essa é uma das questões práticas a ser enfrentada pelo bem intencionado CPC. Os tribunais ainda não estão suficientemente aparelhados com esses novos profissionais, que, aliás, é um novo campo de trabalho, um novo mercado profissional em formação.
5 – A guarda compartilhada é antídoto da alienação parental
A alienação parental é o outro lado da moeda do abandono afetivo, que é a irresponsabilidade de quem tem o dever de cuidado com a criança/adolescente. Na alienação parental, a convivência se vê obstaculizada por ação/omissão/negligência do alienador, com implantação de falsas memórias, repudiando e afastando do convívio familiar o outro genitor não detentor de guarda. Nesse sentido, a guarda compartilhada funciona como um antídoto da alienação parental.
6 – Na alienação parental, o filho passa a ser objeto de vingança
Na alienação parental, o filho é deslocado do lugar de sujeito de direito e desejo e passa a ser objeto de desejo e satisfação do desejo de vingança do outro genitor. É, portanto, a objetificação do sujeito para transformá-lo em veículo de ódio, que tem sua principal fonte em uma relação conjugal mal resolvida.
7 – A lei da alienação parental é uma lei que pegou
Isto é, já caiu no conhecimento do povo, inclusive, graças a divulgação via internet. Assim, ela já produz também, para além de um efeito prático de punição ao alienador e contenção da prática de atos de alienação parental, um efeito psicológico e simbólico, pois todo pai/mãe a partir do conhecimento dessa lei, e já tendo absorvido o seu conceito, está sempre atento, e aos primeiros sinais já acende o alerta para sua evitação. Além disso, a esperança de combate à alienação parental fica maior, na medida em que o CPC-2015 deu destaque especial à essa prática abusiva dos direitos das crianças/adolescentes, bem como a Recomendação 32 do CNMP, que, espera-se, seja realmente efetivada como política pública fundamental do Ministério Público, que finalmente reconhece o seu papel fundamental na efetivação e prática da proteção aos vulneráveis.
8 – As marcas da alienação parental são indeléveis
Os pais não têm noção do mal que fazem aos próprios filhos quando falam mal um do outro. Às vezes mais sútil, às vezes mais explícito, aos poucos vão, mesmo sem ver, implantando nos filhos uma imagem negativa daquele que é um dos responsáveis pela formação e estruturação psíquica do filho. Os malefícios causados aos próprios filhos, nesses casos, são tantos e tão violentos que dificilmente são reversíveis. Mas isso não acontece do dia para a noite. É aos poucos. Quase imperceptível, às vezes só verão esse estrago na psique do filho muito mais tarde. E aí, quando vir à consciência do mal feito a eles, já será tarde demais, e o arrependimento de nada adiantará. As marcas são indeléveis.
9 – Pandemia de COVID-19 é cenário para prática de alienação parental
Os impactos da pandemia do coronavírus no Direito de Família e Sucessões estão apenas começando. Já há várias decisões judiciais suspendendo, ou modificando a convivência de filhos de pais separados. Este, certamente, é o impacto mais imediato e a curto prazo desta pandemia no Direito de Família.
A maioria dos pedidos de suspensão de “visitas” tem sido feito por parte da mãe, ou então é o pai que recorre à justiça pedindo que a mãe não impeça a convivência. E a maioria das decisões judiciais têm sido favoráveis à suspensão, mesmo em casos de guarda compartilhada.
Esse cenário pode ser propício para a prática de alienação parental, obviamente que a fundamentação das decisões invocam o princípio do melhor interesse da criança/adolescente, pelo risco do contágio, que pode acontecer com o leva e traz do filho de uma casa para outra. Mas é preciso estar atento.
10 – O Brasil é referência sobre o tema
O Brasil é um dos raros países do mundo que tem uma legislação específica sobre o assunto. A Lei 12.318/2010 veio definitivamente solidificar esse importante conceito, como se vê em seu artigo 2º: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, que promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie o genitor ou que cause prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Leia também:
Artigo: Direito de Família, coronavírus e guarda compartilhada
Imagem de Annalise Batista por Pixabay