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Criança trans é impedida de participar de campeonato de patinação e IBDFAM repudia decisão

Ascom

Fonte: Ibdfam

O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, por meio de sua Comissão Nacional de Direito Homoafetivo e de Gênero, se manifestou em Nota Pública sobre a situação de uma criança transgênero que foi impedida de participar do Campeonato Sul-Americano de Patinação.

Com 11 anos, M.J é uma patinadora federada pelo Estado do Paraná e, no último campeonato brasileiro da modalidade, realizado em março, na cidade de Joinville (SC), classificou-se em segundo lugar, posição que, de acordo com as regras da Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação, garantiria automaticamente sua vaga no torneio sul-americano.

No entanto, em 1º de abril, os pais da criança, por meio de nota emitida pela Secretaria da Confederação Sul-Americana de Patinação, receberam a informação de que sua filha não poderia competir, em razão de o prenome e o designativo sexual constarem como masculinos em seu registro civil. Isso porque M.J. é uma menina trans que ainda não obteve determinação judicial para a alteração dos documentos pessoais, processo que, desde dezembro, tramita na Vara de Registros Públicos de Curitiba/PR.

De acordo com Gustavo Cavalcanti, pai da criança, no começo do ano ele enviou mensagem para o Comitê Técnico de Patinação perguntando se eles já tinham ciência de que M.J. estaria participando da categoria que disputa vaga para competir no Sul-Americano.

“Como a M.J. melhorou muito tecnicamente, perguntei se eles pensaram que ela poderia ocupar uma dessas vagas, porque era quase certo ela avançar ao Sul-Americano pelo desempenho técnico que ela estava apresentando. E me falaram que sim, que já tinham percebido isso e que verificariam, que eu não me preocupasse”, afirmou.

Cerca de um mês depois, Gustavo entrou em contato novamente, e foi solicitado que ele enviasse um e-mail para a Confederação Sul-Americana da modalidade, informando que M.J. é uma menina transgênero e que ela estaria participando. Eles pediram um prazo de 30 dias para dar a resposta e, quando retornaram, negaram a participação da criança.

“Eu, inocentemente, acreditei que estaria tudo ok, porque ano passado ela estava competindo normalmente no Brasileiro e foi acolhida, depois de muita luta, para participar já na categoria feminina. Achei que essa aceitação dela fosse uma coisa que tivesse sido informada para os órgãos superiores, internacionais. Mas, na verdade, não, a Confederação Brasileira aceitou, mas não havia informado para ninguém. Então, após esses 30 dias, a resposta da Confederação Sul-Americana foi uma negativa total e que não cabia questionamento. A mensagem que eles mandaram foi exatamente essa, que já estava decidido”, conta.

A notícia foi um baque muito grande para a família, conta Gustavo. Para sua filha mais ainda, pois, segundo ele, M.J. é extremamente competitiva e batalhou muito para chegar no nível atual.

“Na patinação, na idade da M.J., diferente do vôlei e outros esportes, onde as pessoas julgam que os homens têm mais força, os meninos são bem mais fracos tecnicamente que as meninas. E são pouquíssimos meninos. É tanto que no Sul-Americano são cinco vagas para cada gênero. A M.J. ficou em segundo lugar no feminino com 21 pontos, e foram convocadas as cinco melhores. Na categoria dos meninos sobraram quatro vagas, pois só havia um menino representando o Brasil. E esse menino teve a nota de 15 pontos, então é uma diferença bem grande no desempenho deles. Por isso, ela ficou muito frustrada” destaca o pai.

A assessoria de comunicação do IBDFAM tentou entrar em contato com a Confederação Brasileira de Patinação e com a Confederação Sul-Americana de Patinação, mas não obteve êxito.

Nota Pública do IBDFAM: decisão fere direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana

Na Nota Pública, o IBDFAM destaca que a decisão de impedir a criança de participar da competição fere direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.

Para Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo e de Gênero, “diante de todo o arcabouço fático e teórico exposto na Nota Pública, conclui-se que toda criança tem o direito de desenvolver sua identidade na medida das características singulares de sua personalidade e, assim, medidas positivas devem ser efetuadas para se tutelar adequadamente a identidade de gênero de pessoas trans, rechaçando-se todo e qualquer tratamento discriminatório e impeditivo do exercício de seus direitos fundamentais”, destaca.

A advogada e professora, Melissa Veiga, membro do IBDFAM, afirma que a organização da competição não pode negar a M.J. o direito de participar da competição Sul-americana exclusivamente por seus documentos oficiais apresentarem-se em discordância de sua identidade de gênero.

“A criança não pode arcar com o prejuízo de não participar da competição por conta da morosidade judicial brasileira. Além do mais, não se pode descurar que a menina é desportista exemplar e vem treinando arduamente para lograr êxito em participar do evento competitivo. Caso o veto persista, entende-se que é necessário denunciar aos organismos internacionais a organização da competição por violação aos direitos humanos e da criança nos aspectos do direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade e à liberdade de expressão de sua identidade de gênero”, finaliza.

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