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A tragédia de Brumadinho e o calvário jurídico pelos corpos não encontrados

Ascom

Publicado em conjur.com.br

Por Rodrigo da Cunha Pereira

Os familiares das vítimas da tragédia de Brumadinho, ocorrida em 25 de janeiro, ainda vão amargar um longo calvário jurídico com as consequências do desaparecimento de seus parentes. É que o fato de não serem encontrados, por si só, não autoriza atribuir direitos aos seus familiares. É preciso uma certidão de óbito. Se não encontrarem os corpos, é necessário que essas pessoas sejam declaradas mortas, ou ausentes, o que não se faz automaticamente. Para isso, é necessário um processo judicial, que, com muita boa vontade, pode durar vários meses.

Para o Direito, a morte não é apenas o fim da existência humana, pois ela produz efeitos jurídicos: dissolve o casamento/união estável; extingue contratos, caso os herdeiros não queiram dar continuidade aos direitos e deveres por eles gerados; abre-se a sucessão hereditária; autoriza o recebimento de pensões previdenciárias e seguros etc. Imagine o sofrimento dos familiares desses desaparecidos, e que dificilmente serão encontrados. Como se não bastasse toda a dor e o sofrimento de não encontrar o corpo para se cumprir o sagrado ritual de sepultamento, que traz algum alívio e ajuda na elaboração da perda, terão que recorrer à Justiça para provarem que o seu pai, mãe, irmão, filho, cônjuge ou companheiro está morto.

A morte, assim como o nascimento, é fato da vida que marca a existência da pessoa, atribuindo direitos e deveres, desde que feitos os seus devidos assentamentos em cartórios de registro civil. Daí a importância das certidões de nascimento e óbito. Este é um pressuposto básico para a existência do sujeito de direitos, e de uma organização social mais evoluída, o que podemos denominar Estado. Se os corpos do crime da barragem de Brumadinho não forem encontrados, terão que ser declarados judicialmente ausentes ou presumidamente mortos para que os seus familiares possam ter acesso aos direitos decorrentes dessa morte.

Enquanto isso, ou seja, até que o processo judicial tenha a sentença da declaração de ausência ou morte presumida, a situação jurídica dos familiares continuará indefinida. Sem essa sentença judicial, eles não saberão qual o seu estado civil, não poderão receber pensões previdenciárias, seguros, herança dos eventuais bens deixados por eles etc. As indefinições são geradoras de angústias, que, neste caso, vão se somar à dor insuportável da perda trágica e repentina dos familiares.

A lei de Registro Público (Lei 6.015/73, artigo 88) facilita um pouco a tramitação do processo judicial para a declaração de morte presumida e levá-la ao assento do óbito: Pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame. Ainda assim, os familiares precisarão passar pelo calvário de um processo judicial.

Mas o governo, se quiser, pode ajudar a diminuir o sofrimento e desespero dessas pessoas expedindo, por exemplo, medida provisória específica sobre essa tragédia, declarando a morte presumida dos desaparecidos sob aquele mar de lama, evitando, assim, o processo judicial. E não será um ato inédito. Isso já aconteceu em 1995, com a Lei 9.140 (e nova redação dada pela Lei 10.536, de 2002), que reconheceu como mortas essas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas no período da ditadura.

Assista também o vídeo sobre o tema:

 

 

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