A revolução da PEC do Divórcio no Brasil
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões traça um panorama sobre as principais transformações do Divórcio no país
O Divórcio surgiu no ordenamento jurídico brasileiro em 1977, com a promulgação da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio). Antes disso, a única solução era o desquite, que mantinha os cônjuges presos ao vínculo contratual, mas colocava fim ao regime matrimonial de bens e aos deveres de coabitação e fidelidade recíprocas. Entretanto, não disponibilizava aos desquitados a contratação de novo casamento, levando as uniões à margem da Lei.
Naquela época, o Divórcio somente era possível se atendesse a três requisitos: separação de fato há mais de cinco anos; ter este prazo sido implementado antes da alteração constitucional; ser comprovada a causa da separação. A Constituição Federal de 1988 reduziu os prazos: um ano de separação judicial para o Divórcio por Conversão, e dois anos da separação de fato para o Divórcio.
Foi então que, em 2010, a Emenda Constitucional 66, chamada popularmente de “PEC do Divórcio”, acabou com a separação judicial, com todos os prazos exigidos e com a discussão da culpa pelo fim do casamento. A EC66/2010 deu nova redação ao artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal (CF), o qual passou a vigorar com o seguinte texto: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
A EC66 significa mais responsabilidade para as pessoas envolvidas num relacionamento amoroso, “afinal o Estado interfere cada vez menos na vida e na autonomia privadas”. Além disso, a Emenda é o “coroamento” da luta histórica pelo divórcio no Brasil. “Foram quase dois séculos de luta. O divórcio era dificultado devido aos resquícios da interferência religiosa no Estado. O movimento contrário apregoava o fim da família. O que não aconteceu, nem vai acontecer. A família mudou, sim, mas não está em desordem; muito menos o divórcio é culpado ou responsável por essas transformações. A EC66/2010 é fruto do amadurecimento da sociedade e da evolução do pensamento jurídico. As pessoas estão mais livres para estabelecerem seus vínculos de afeto, amorosos e conjugais”, explica o advogado Rodrigo da Cunha Pereira.
Emenda influenciou mudanças no perfil da família brasileira
Este dispositivo formalizou o fim dos principais entraves ao processo de dissolução do casamento, estabelecendo que os mesmos ocorram de maneira mais rápida de modo a suprimir desgastes de cunhos econômico e emocional entre as partes envolvidas. Essa nova concepção do Direito de Família deixa a critério dos cônjuges a decisão sobre a sua própria vida matrimonial, garantindo, principalmente, o direito à liberdade, à intimidade da vida privada e à dignidade da pessoa humana
Para o especialista em Direito de Família e Sucessões, a nova estrutura do divórcio instalado no Brasil significa a vitória da ética sobre a moral, do Direito sobre a religião, do princípio da liberdade dos sujeitos de dirigirem a própria vida sem a indesejada intervenção do Estado.
“E, para aqueles que temem que este foi um passo a mais para destruir e desorganizar as famílias, podem se tranqüilizar. A família é indestrutível. Ela foi, é, e continuará sendo o núcleo básico e essencial da formação e estruturação dos sujeitos, e consequentemente do Estado. Divórcio não significa o fim da família, mas tão somente o fim da conjugalidade. A família agora ficará melhor, com maior liberdade dos cônjuges de estarem casados ou não”, afirma o advogado.
Além de facilitar a vida dos casais e de reduzir a intervenção estatal, este novo divórcio traz dois novos paradigmas e princípios que devem nortear as relações jurídicas sobre as famílias. Ele desestimulará os eternos e tenebrosos litígios judiciais, na medida em que não há necessidade de se discutir a culpa pelo fim de casamento, um sinal de atraso do ordenamento jurídico brasileiro.
“Afinal, não há nenhum interesse ou ganho para as partes, ou mesmo ao Estado, pedir ao Juiz que sentencie se há inocente ou culpado pelo fim da conjugalidade. Aqueles longos e degradantes litígios só traziam malefícios para a educação dos filhos. Para aqueles que alegam que o casal precisa ter o prazo para reflexão, a nova Emenda Constitucional em nada vai alterar isto, pois os casais continuarão a ter prazos para reflexões e deverão daqui pra frente ter mais responsabilidade em suas decisões”, ressalta.
Para o advogado, a PEC do Divórcio imprimiu mais responsabilidade às pessoas por suas escolhas afetivas, na medida em que não há mais o Estado controlando o tempo de duração da intimidade, do desejo e do amor entre um casal. “A partir de agora teremos que substituir o discurso da culpa pelo da responsabilidade”, completa.
O divórcio é uma natural decorrência do casamento por amor
Antes, quando os casamentos eram arranjados e feitos por diversos tipos de interesse, e a família era muito mais um núcleo econômico e reprodutivo do que o espaço da afetividade, eles não se dissolviam. Aguentava-se até a morte. Amantes e infidelidades tinham que ser suportadas pelas mulheres, cuja resignação histórica é quem os sustentava, à custa da não consideração de seus desejos. Em 28 de junho de 1977 o então senador Nelson Carneiro, o grande responsável por todas as evoluções no Direito de Família daquela época, conseguiu, por intermédio da Emenda Constitucional 9, quebrar o princípio da indissolubilidade do casamento. Esta movimentação pro divórcio iniciou-se na América do Sul pelo Uruguai em 1907, seguido pela Venezuela (1942), Equador (1948), Argentina (1987), Paraguai (1991) e, por fim, o Chile, em 2004.