STF deverá julgar hoje a prevalência da paternidade afetiva sobre a biológica.
Fonte: Jornal o Globo
RIO – A pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) prevê para hoje o julgamento de uma ação que promove um particular jogo de forças entre a paternidade afetiva e a paternidade biológica. Já com mais de 30 anos, a autora da ação descobriu, aos 18, que não é filha biológica do homem que consta em sua certidão de nascimento como pai. Então, aos 19, ela entrou na Justiça exigindo a troca no registro, a fim de ser reconhecida pelo pai biológico, que, na visão dela, deveria contribuir com pensão alimentícia. A última decisão, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, determinou que a paternidade genética, neste imbróglio, deve prevalecer, mas a defesa do pai biológico recorreu, e o caso foi parar no STF.
A discussão sobre qual paternidade deve prevalecer nessa ação será uma das primeiras com a ministra Cármen Lúcia na presidência do Supremo. O julgamento do recurso extraordinário tem “repercussão geral” — instrumento que espelha, para instâncias inferiores, a decisão da Corte. O caso corre em segredo judicial, o que impede a divulgação de informações como os nomes das partes.
Quando foi definida a repercussão geral, o caso paradigma era outro, da Paraíba: envolvia uma mulher que fora registrada pelos avós paternos, pedindo a substituição, no registro, pelo nome do pai biológico. Substituições entre casos de um mesmo tema podem acontecer na tramitação processual do STF. A troca aconteceu em outubro de 2015.
O processo foi iniciado em 2003. Três exames de DNA comprovaram a paternidade. Fruto de um relacionamento extraconjugal, a autora da ação foi registrada pelo marido da mãe em seu nascimento. As versões sobre o conhecimento inicial do pai de criação e do pai biológico sobre quem foi o progenitor da autora da ação são controversas.
Mesmo separado da mãe da autora quando a filha ainda era criança, o homem que registrou a menina permaneceu em uma relação afetiva com ela. Perto da maioridade da filha, a mãe contou que ela é fruto de um relacionamento extraconjugal. Uma relação com o pai biológico foi iniciada, mas não se manteve. Assim, a filha entrou na Justiça pedindo mudança no registro e apoio alimentício.
— Ela quer ser filha no sentido genético, patrimonial e afetivo. Ela não precisava, por exemplo, ter passado pelas dificuldades financeiras que passou — afirma o advogado da autora, Eduardo de Mello e Souza.
Em uma das audiências, o pai de criação declarou que considerava justa a reivindicação e que, mesmo que a mudança fosse efetivada, o sentimento entre os dois continuaria.
No recurso em que contesta a última decisão judicial, o advogado do pai biológico, Rodrigo Fernandes Pereira, argumenta que o afeto é fator determinante na definição de família, segundo o artigo 226 da Constituição e o artigo 1593 do Código Civil, que diz: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
— Hoje, fala-se em três origens da paternidade: a registral, a biológica e a sócio-afetiva. No passado, o pai registral, diante de um novo DNA, era substituído. Agora, a família está sendo considerada por um novo prisma. Se esse pai foi a vida toda o pai sócio-afetivo, e ela o teve como pai, por que insistir na paternidade biológica?
Segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o conceito foi aceito em pelo menos 20 casos de primeira e segunda instância no país.
— A paternidade afetiva deve ser considerada. O termo “sócio-afetivo” nasceu da compreensão dos novos valores da família. Não é um elemento da natureza, é da cultura — argumenta o presidente do instituto, Rodrigo da Cunha Pereira.
Um parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o caso demonstra posicionamento pela avaliação caso a caso, e diz: “É possível o reconhecimento jurídico da existência de mais de um vínculo parental em relação a um mesmo sujeito (…) cabendo à análise em cada caso concreto se presentes elementos para a coexistência dos vínculos ou para a prevalência de um deles”.
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