TJRO: Namoro x União estável
(…) É o que se chama de namoro moderno, impulsionado pela dramática modificação de comportamento ocidental à partir da década de 60.Nesta zona cinzenta apenas pequenos detalhes podem revelar a verdadeira intenção do casal, posto que sequer o fato de não morarem sob o mesmo teto exclui a possibilidade de reconhecimento da união estável, como sustenta Rodrigo da Cunha Pereira (In Comentários ao Novo Código Civil, vol. XX, pg. 99, Ed. Forense) ao traçar paralelo analógico com a Súmula 382 do STF:”Dentre os requisitos elencados pelo legislador, não está contemplado o da coabitação como dever inerente à união estável. Tal postura mantém coerência com a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.”
Proc.: 0126438-67.2009.8.22.0002
Ação:Procedimento Ordinário (Cível)
Requerente:L. A. B.
Advogado:Nelson Barbosa. (OAB/RO 2529)
Requerido:L. E. K. G. S. B.
Advogado:Brian Griehl. (OAB/RO 261B)
SENTENÇA:
Vistos e examinados.L. A. B., inicialmente qualificada, por procurador legalmente constituído, intentou a presente que denominou de ação declaratória de união estável “post mortem” em face os filhos de Francisco Helena Barranco, L. E. K. B. e G. S. B..Alega que conviveu com o falecido por um período de cinco anos (fevereiro de 2004 a 8 de novembro de 2008), sob o mesmo teto e com intuito de constituir família, relação que findou com o seu falecimento, ocorrido em 08/11/2008. Afirma que durante este período houve uma separação de cinco a seis semanas, ocasião em que engravidou de uma terceira pessoa. Argumenta que a relação entre ambos era estável, pública e notória.Requer o reconhecimento da união estável, nos termos do artigo 226, § 3º da Constituição Federal e da Lei nº 9.278/96, bem como a partilha dos bens patrimoniais adquiridos conjuntamente, os quais estão arrolados no inventário.Juntou instrumento de procuração (f. 9) e os documentos de fls. 10/12.Citados, os requeridos sustentaram, em preliminar, inépcia da inicial, pois a autora não apresentou a correta e adequada discriminação, avaliação e titulação dos bens que supostamente teriam sido adquiridos pelo casal. No mérito, afirmam que o relacionamento de seu pai com a autora não passou de um “caso” conturbado, instável, o qual durou um ano e havia cessado muito tempo antes do falecimento do seu genitor. Sustentam que a autora não comprovou a existência de bens comuns partilháveis (fls. 25/38). Com a contestação juntou os documentos de fls. 39/44.Às fls. 46/52 a autora impugnou a contestação.Designada audiência preliminar, as partes não compuseram e o feito foi saneado (f. 56).Em audiência foram ouvidas três testemunhas arroladas pela autora (fls.65/67) e três arroladas pelos requeridos (fls. 68/70). Foi ouvida uma testemunha arrolada pela autora via precatória (fls. 79/80).Alegações finais dos requeridos às fls. 84/99. A requerente não as apresentou (f. 99v).O Ministério Público lançou o parecer de fls. 101/105, no qual opinou pelo deferimento parcial do pedido, com reconhecimento do período de 2002 a 2005.Após, vieram conclusos para SENTENÇA. É o relatório. DECIDO.A preliminar de inépcia da inicial confunde-se com o mérito e será analisada por ocasião de sua apreciação.O nó górdio da questão reside em saber se o relacionamento da autora com o extinto, pai dos requeridos, consistia ou não em união estável.Nas palavras de Maria Helena Diniz, considerase união estável a União respeitável entre homem e mulher que revela intenção de vida em comum, tem aparência de casamento e é reconhecida pela Carta Magna como entidade familiar. É a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. (in Dicionário Jurídico, vl. 4, pg.660).A grande dificuldade é estabelecer a diferença de união estável e namoro, posto que as relações amorosas contemporâneas incluem sexo, viagens, pernoitamento na casa do parceiro e todo tipo de liberdade comum aos casados ou conviventes, sem que necessariamente tal proceder tenha por desiderato a constituição de uma família. É o que se chama de namoro moderno, impulsionado pela dramática modificação de comportamento ocidental à partir da década de 60.Nesta zona cinzenta apenas pequenos detalhes podem revelar a verdadeira intenção do casal, posto que sequer o fato de não morarem sob o mesmo teto exclui a possibilidade de reconhecimento da união estável, como sustenta Rodrigo da Cunha Pereira (In Comentários ao Novo Código Civil, vol. XX, pg. 99, Ed. Forense) ao traçar paralelo analógico com a Súmula 382 do STF:”Dentre os requisitos elencados pelo legislador, não está contemplado o da coabitação como dever inerente à união estável. Tal postura mantém coerência com a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.””Os detalhes reveladores se mostram de maneira sutil, mas são altamente significativos; tais como a forma como um apresenta o outro à terceiros – se como esposo (a) ou namorado (a) – a freqüência com que pernoitam juntos, a existência de filhos ou planos concretos de tê-los, o mútuo auxílio financeiro, a divisão cotidiana de tarefas, a aquisição comum de bens duráveis, a manutenção de conta conjunta em banco e outros muitos aspectos objetivos e subjetivos, cuja avaliação revela se o objetivo do casal ia além de um namoro. Nocasoemapreçoofalecimentodovarãodificultasobremaneira a avaliação, sobretudo em virtude do tempo de duração da alegada relação more uxorio, que segundo a autora durou cinco anos, mas segundo os requeridos não chegou a um ano. Contudo, como já dito, não é o tempo de relacionamento que determina a existência da união estável, mas a qualidade desse relacionamento, os objetivos que o casal tinha em mente ao estabelecerem uma vida em comum. Lembre-se que ao ser promulgado o Código Civil ab-rogou a Lei 8.971/94, que exigia um lapso de 5 (cinco) anos para a caracterização da união estável, desregulamentando o prazo de modo a permitir que o julgador, avaliando o caso concreto, lhe desse a melhor solução. A autora não juntou qualquer prova documental a lastrear a sua alegação.As testemunhas arroladas pela autora não confirmam o período alegado pela mesma.As testemunhas (Idelse Vieira dos Santos, Márcia Souza Moraes, Valdinéia Santos Moreira e Eliane Cristo Sobreira) afirmam que a autora e o falecido viveram juntos de 2003 a 2005, quando separaram-se definitivamente. Não obstante a dificuldade de aferir a verdade no caso, até porque a prova produzida é exclusivamente testemunhal, a versão dada pelas testemunhas merece credibilidade, posto que não possuem vínculo com as partes. Tome-se como exemplo o testemunho de Eliane Cristo Sobreira, que ao ser ouvida mencionou que:”…A testemunha tem conhecimento que cerca de um ano e meio a dois anos depois de agosto de 2005, o casal se separou definitivamente…. Segundo a mãe da requerente a união dela com Francisco iniciou-se no ano de 2003”(f. 79) Extrai-se ainda do testemunho de Eliane que o velório foi realizado na residência do falecido e queesteestavaresidindolásozinhoquandodoseupassamento. Outro fator a indicar que a relação do casal não perdurou até o falecimento de Francisco é o fato de que quando este adoeceu a autora não cuidou dele, nem de sua casa quando ele viajou em busca de tratamento médico em outra unidade da federação.”…Quando Francisco adoeceu ele morava sozinho e continuou assim até sua viagem. Vi Luana poucas vezes na casa de Francisco. Francisco não contou com presença constante de alguém que cuidasse dele todos os dias…Amélia ficou cuidando da casa quando Francisco viajou…”(Andria Jorge Pereira “ f. 70). “…Quando Francisco viajou antes do seu falecimento eles já estavam separados…”(Valdinéia Santos Moreira “ f. 67).”…Quando Francisco faleceu eles não estavam vivendo juntos…”(Idelse Vieira dos Santos “ f. 65).Tais elementos, avaliados em conjunto, ganham relevância e indicam com razoável segurança que de fato o relacionamento do casal perdurou de 2003 a final de 2005 e consistia em união estável.Em caso muito semelhante o e. Tribunal de Justiça gaúcho decidiu pelo reconhecimento da união estável, conforme ressente julgado à seguir transcrito:”EMBARGOS INFRINGENTES. UNIÃO ESTÁVEL PRESENÇA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA FORMAÇÃO DE ENTIDADE FAMILIAR.1.Sobrevieram aos autos suficientes elementos para sustentar a alegação da recorrente de que manteve com o de cujus uma união estável, circunstancia admitida pela ex-esposa, não obstante o relacionamento ter ocorrida por período inferior ao mencionado pela autora. 2. O fato de o convívio ter durado pouco mais de um ano não obsta o reconhecimento da união estável, até porque a ruptura se deu pela morte do varão e a legislação em vigor não impõe a necessidade de adimplemento de certo prazo de convivência para que as relações fáticas sejam qualificadas como uniões estáveis. PROVERAM, À UNANIMIDADE. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes nº 70013335476 Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09.12.2005)” Contudo, considerando que o juiz, ao prolatar a SENTENÇA, deve apenas apreciar os pedidos constantes no Dispositivo da petição inicial, sendo a ele vedado concessão de parcela ali não pleiteada, este período anterior a fevereiro de 2004 não deve ser reconhecido, eis que não faz parte da exordial.No que tange aos bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, estes são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, pertencendo, portanto a ambos.Gize-se que a autora não precisa demonstrar sua participação, direta ou indireta, na formação do patrimônio que pretende partilhar, uma vez que essa é presumida. Porém, ante a ausência de prova de existência dos bens partilháveis no período aqui reconhecido, remeto as partes a ação própria, onde o pedido de partilha de bens pode ser perseguido.Isto posto, e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na inicial, para declarar a existência de união estável entre Luana Andrade Barbosa e Francisco Helena Barranco de fevereiro de 2004 até final de 2005.Condeno os requeridos ao pagamento das custas e despesas do processo, bem como aos honorários advocatícios, que fixo no correspondente a 20% do valor dado à causa. Ciência ao MP.Após o trânsito em julgado, arquivem-se. Publique-se;Registre-se;Intimem-se.VIAS DESTE SERVIRÃO DE MANDADO/CARTA.Ariquemes-RO, quinta-feira, 25 de novembro de 2010.Danilo Augusto Kanthack Paccini Juiz de Direito